Um ataque com drones kamikaze à capital da guerra do Sudão, Port Sudan, no início de Maio, ameaça transformar o conflito de três anos no Sudão numa guerra regional mais ampla, de acordo com um funcionário sudanês. O ataque tem implicações para a Turquia e os Emirados Árabes Unidos, que apoiam lados opostos no conflito.
“Até recentemente, este conflito podia ser descrito como uma guerra por procuração [entre a Turquia e os Emirados Árabes Unidos]. No entanto, tomou um rumo perigoso, à beira de uma guerra regional, com a intervenção directa mal disfarçada dos EAU,” Babikir Elamin, embaixador do Sudão no Reino Unido, disse recentemente ao parlamento britânico.
Os combates que começaram em Abril de 2023 entre as Forças Armadas do Sudão (SAF), lideradas pelo General Abdel Fattah al-Burhan, e as Forças de Apoio Rápido (RSF) paramilitares lideradas pelo General Mohamed Hamdan “Hemedti” Dagalo, foram alimentados em parte por armas e apoio técnico de fora do país.
Desde o início dos combates, as Nações Unidas e outros analistas externos relataram que os EAU têm apoiado as RSF. No início da guerra, a ajuda foi contrabandeada através de um hospital que atendia pessoas deslocadas no Chade, mas mais recentemente tem chegado através de voos directos para as áreas controladas pelas RSF em Darfur.
Os EAU, que têm um longo historial de branqueamento de ouro contrabandeado de minas controladas pela família de Hemedti, negam ter fornecido armas às RSF.
Por seu lado, a Turquia forneceu às SAF drones Bayraktar TB2 e operadores turcos. Os drones ajudaram as SAF a inverter a maré contra as RSF nos últimos meses. As tropas das SAF retomaram grandes partes do leste e centro do Sudão, incluindo a região da capital.
As RSF aumentaram o seu fornecimento de drones com a ajuda dos EAU, de acordo com os observadores. No final de Abril, o Laboratório de Investigação Humanitária da Escola de Saúde Pública de Yale identificou seis drones chineses avançados que se acredita terem vindo dos EAU no aeroporto controlado pelas RSF em Nyala, no Darfur do Sul.
Drones turcos destruíram um avião de carga militar em terra nesse aeroporto pouco mais de uma semana depois. Suspeita-se que o avião transportava mais drones fabricados na China, provenientes de apoiantes nos EAU. O ataque matou dezenas de combatentes das RSF, juntamente com vários emiratis.
Um dia depois, no dia 4 de Maio, drones suicidas começaram a atacar alvos em Port Sudan, incluindo uma central eléctrica, um depósito de petróleo e o aeroporto internacional. Os seis dias de ataques também destruíram alvos militares e danificaram o porto. O Middle East Eye informou que vários membros da equipa de apoio técnico turca no porto que ajudava nas operações com drones ficaram feridos.
O governo de al-Burhan mudou-se para Port Sudan depois que as RSF invadiram Cartum no início da guerra. Até ao ataque com drones, a cidade tinha sido um refúgio dos combates que tomaram conta do resto do país.
Os ataques às infra-estruturas de Port Sudan foram planeados para inibir a capacidade das SAF de abastecer as suas forças em Cartum e lançar ataques contra os redutos das RSF em Darfur, de acordo com uma análise do Instituto para o Estudo da Guerra.
As autoridades sudanesas acusam os EAU, e não as RSF, de planear e executar o ataque com drones, possivelmente a partir de bases em Darfur ou no norte da Somália. Jalel Harchaoui, investigador associado do Royal United Services Institute for Defence and Security Studies, concordou com essa avaliação.
“É provável que os EAU tenham levado a cabo todos os aspectos dos ataques em Port Sudan,” afirmou ao Middle East Eye. “Por isso, penso que os EAU estão agora numa onda de violência muito pessoal.”
O governo sudanês rompeu relações com os EAU após os ataques em Port Sudan. Duas semanas depois, o Sudão afirmou que os EAU expulsaram o seu pessoal consular do país.
As tensões entre a Turquia e os EAU no Sudão ecoam a situação na Líbia, onde a Turquia forneceu armas e mão-de-obra para ajudar o governo internacionalmente reconhecido em Trípoli, enquanto os EAU apoiaram o exército do Marechal Khalifa Haftar, que procurava conquistar todo o país. Haftar, por sua vez, forneceu algum apoio material às RSF no início da sua guerra com as SAF.
De acordo com Alan Boswell, especialista em Sudão, do International Crisis Group, qualquer resposta das SAF e dos seus apoiantes turcos ao ataque a Port Sudan tem o potencial de envolver ainda mais a Turquia e os EAU no conflito interno do Sudão, devastando ainda mais o país.
“Podemos assistir a uma escalada da guerra com cada vez mais poder de fogo, e no final não restará nada da infra-estrutura do Sudão,” Boswell disse à Al Jazeera.