Quando o presidente angolano, João Lourenço, visitou Nova Deli no início de Maio, isso marcou um realinhamento das prioridades da política externa do país. Após uma reunião com o Primeiro-Ministro da Índia, Narendra Modi, os dois países assinaram memorandos de entendimento em áreas como cooperação médica, agrícola e cultural.
Os acordos foram vistos não apenas como um movimento de Angola em direcção à Índia, mas também como um afastamento da China.
“No cerne da crescente parceria de Luanda com Nova Deli está a intenção estratégica de Angola de se proteger contra a sua dependência excessiva da China,” escreveu Samir Bhattacharya, investigador associado da Observer Research Foundation (ORF), um grupo de reflexão global independente e apartidário com sede em Deli, na Índia.
A Índia também concedeu uma linha de crédito de 200 milhões de dólares para aquisições de defesa angolanas. Dammu Ravi, secretário indiano das relações económicas, afirmou que Angola irá adquirir equipamento de defesa à Índia e salientou que Luanda possui um grande número de equipamento de defesa soviético que necessita de assistência, revisão e manutenção, segundo noticiou o jornal online indiano The Print.
“Ao conceder uma linha de crédito de 200 milhões de dólares para a defesa, a Índia está a sinalizar a sua intenção de desempenhar um papel mais activo como parceiro de segurança em África — um espaço há muito moldado pela influência ocidental e chinesa,” escreveu Bhattacharya. “Esta medida também complementa os esforços estratégicos mais amplos da Índia para aprofundar o seu envolvimento na Região do Oceano Índico (ROI) e além, sublinhando a costa atlântica de Angola como geopolítica relevante.”
Durante a visita de Lourenço, Angola assinou o acordo da Aliança Solar Internacional, uma iniciativa liderada pela Índia destinada a promover a adopção da energia solar entre os países situados nos trópicos de Câncer e Capricórnio.
A relação financeira de Angola com a China foi construída com base numa equação simples: Angola pagaria a sua crescente dívida com a China com petróleo. Pequim concedeu 258 empréstimos no valor de 45 bilhões de dólares a Luanda — um quarto do total dos empréstimos chineses concedidos a África. Amplamente conhecido como o “modelo angolano,” este plano foi replicado em todo o continente.
“Embora Pequim o tenha promovido como uma estratégia mutuamente benéfica, a abordagem atraiu um escrutínio e críticas internacionais significativos, particularmente por fomentar práticas económicas neocoloniais,” escreveu Bhattacharya.
A China começou a importar menos petróleo de Angola e de outros países africanos e mais da Ásia, do Golfo Pérsico e da Rússia. A mudança foi impulsionada, em parte, pela falta de investimento dos países africanos em novos campos petrolíferos e infra-estruturas. Equipamentos obsoletos e campos petrolíferos em declínio tornam os produtores de petróleo do continente, incluindo Angola, menos fiáveis como exportadores, de acordo com investigadores da Carnegie Endowment for International Peace.
A mudança também reflecte a relação desequilibrada entre os países africanos e a China. Embora a China continue a ser o maior mercado de exportação para Angola e outros países africanos, o continente representa menos de 5% das importações da China, de acordo com os investigadores da Carnegie Endowment.
Em 2010, Angola foi o segundo maior exportador de petróleo da China, a seguir à Arábia Saudita. Em 2023, Angola caiu para o oitavo lugar. Entre 2019 e 2023, as exportações de Angola para a China caíram 20%, de acordo com o relatório do Carnegie.
A promessa de um desenvolvimento rápido e impulsionado pelas infra-estruturas em Angola, no âmbito da parceria com a China, também vacilou. Os projectos financiados pela China foram, em grande parte, executados por empresas chinesas que empregavam mão-de-obra chinesa. Muitas vezes, a qualidade da construção era inferior aos padrões exigidos.
Um exemplo notável é um hospital de 8 milhões de dólares construído em Luanda em 2005. Em 2010, o hospital evacuou 150 pacientes devido a receios de que o edifício pudesse ruir. O hospital foi construído pela China Overseas Engineering Group Co. através de linhas de crédito concedidas por Pequim.
“Uma estrutura construída há tão pouco tempo não deveria apresentar este tipo de problema, que coloca em risco a vida dos pacientes,” afirmou na altura Ariana Afonso, deputada angolana, na rádio estatal. “O governo provincial de Luanda deve encontrar os responsáveis. Porque 8 milhões de dólares é muito dinheiro para um edifício que demorou tão pouco tempo a construir.”
Desde que assumiu o cargo em 2017, Lourenço tem criticado abertamente os acordos de investimento com a China negociados pela administração anterior. Em 2022, Angola rejeitou uma proposta chinesa para gerir a Ferrovia Atlântica do Lobito, de acordo com o Instituto de Pesquisa Global da College of William & Mary. A China concluiu um projecto de reabilitação da ferrovia em 2014. Em vez disso, Angola concedeu uma concessão de 30 anos à Lobito Atlantic Railway Company, um consórcio privado apoiado pelos Estados Unidos que prometeu 555 milhões de dólares em investimentos regionais.
Em 2024, os EUA anunciaram mais de 560 milhões de dólares em novos financiamentos para o Corredor do Lobito, incluindo pelo menos 200 milhões de dólares em investimentos do sector privado para projectos co-localizados de infra-estruturas, de acordo com o Global Research Institute.
Angola está agora “a traçar um rumo mais equilibrado e autónomo nos seus compromissos internacionais, com a Índia a emergir como um parceiro fundamental nesse esforço,” escreveu Bhattacharya.