Em toda a esfera digital da África Ocidental, analistas da comunicação social estão a chamar a atenção para a enxurrada de vídeos virais, memes e publicações nas redes sociais que buscam glorificar os regimes da junta militar de Burquina Faso, Mali e Níger.
Especialistas afirmam que tem havido uma campanha calculada de influência estrangeira para elevar a estatura do Capitão Ibrahim Traoré, o líder de 37 anos de idade do Burquina Faso, que tomou o poder ao derrubar uma junta militar anterior em 2022.
“Nunca vi nada parecido,” a apresentadora Martine Dennis disse no episódio de 13 de Maio do seu podcast Africa Here & Now. “Ibrahim Traoré parece estar online, em todo o lado, o tempo todo. Em grande parte do material, ele é idolatrado como o jovem rei de África, mas há claramente falsidade envolvida.”
O jornalista investigativo David Hundeyin, editor do West Africa Weekly, disse que a maior parte da campanha das redes sociais é controlada por terceiros. Alguns usam vídeos baratos e de desenhos animados gerados pela inteligência artificial para atribuir falsamente progresso e desenvolvimento à nova liderança dos líderes da junta.
“Eles exageram muito, e é por isso que você vê muitos desses vídeos gerados pela IA com imagens incríveis de lugares de todo o mundo,” disse durante o podcast.
Desde os golpes em Burquina Faso, Mali e Níger, grupos terroristas baseados no Sahel, apoiados pela al-Qaeda e pelo Estado Islâmico, expandiram drasticamente as suas operações. Só em Burquina Faso, mais de 2 milhões de pessoas perderam as suas casas e o número de pessoas mortas por grupos terroristas quase triplicou desde o segundo golpe em 2022.
O terrorismo tem sido galopante nos três países assolados por golpes que se separaram do bloco regional da CEDEAO para formar a sua própria Aliança dos Estados do Sahel. Especialistas afirmam que a deterioração da segurança e a governação instável no Sahel prepararam o terreno para a Rússia lançar uma enxurrada de informações falsas.
De acordo com Vikram Kolli, num artigo publicado na Harvard International Review, em países com instabilidade significativa, as juntas militares já limitam a liberdade de expressão e a dissidência, abrindo caminho para o florescimento do sentimento pró-Rússia e da retórica anti-França. Isso não só muda a maré a favor das actividades do Kremlin nas regiões do Sahel, como também prepara o terreno para o florescimento de informações falsas.
A Rússia lançou a sua agência de notícias “African Initiative” para tirar proveito dos 300 milhões de africanos que aderiram às redes sociais nos últimos sete anos e dos 600 milhões de utilizadores da internet no continente.
A infra-estrutura inadequada dos meios de comunicação social, a distribuição de jornais e a fraca qualidade da internet criam lacunas nas notícias e na informação em todo o continente, com muitos africanos a dependerem das plataformas das redes sociais para a maior parte das suas notícias — uma vulnerabilidade que os divulgadores de notícias falsas procuram explorar.
A African Initiative difunde principalmente notícias falsas e informações falsas através de contas das redes sociais, sites como afrinz.ru e VKontakte, e canais do Telegram como “Smile and Wave.” O conteúdo é produzido por “unidades de propaganda russas e depois entregue a estes influenciadores, através de intermediários, para publicar nas redes sociais”, o jornalista nigeriano Philip Obaji disse à Agence France-Presse (AFP).
Malik Samuel, investigador sénior do grupo de reflexão pan-africano Good Governance Africa, disse que a campanha enganosa nas redes sociais se espalhou até à Nigéria.
“Esta admiração crescente por Traoré na Nigéria representa sérios riscos para a segurança nacional e a estabilidade democrática,” disse à AFP. “Isso normaliza a intervenção militar como uma solução política viável e abre a porta para a interferência ideológica estrangeira.”
Os especialistas notaram a ironia da Rússia em promover uma retórica anticolonial em países africanos onde tem agentes e mercenários infiltrados nas forças armadas e no governo, ajudando a impulsionar um enorme esforço para extrair recursos naturais. Só com a mineração de ouro, a Rússia “desviou 2,5 bilhões em receitas” desde 2022, de acordo com a Geopolitical Intelligence Services.
Kolli disse que os países do Sahel estão num caminho perigoso.
“Sem um compromisso genuíno de priorizar a estabilidade a longo prazo em detrimento da geopolítica a curto prazo, o ciclo vicioso de interferência externa e turbulência interna provavelmente continuará, deixando o Sahel preso numa batalha que compromete o seu futuro,” escreveu.