Num mercado da cidade de Sébabougou, numa região do oeste do Mali que há anos é disputada por terroristas, o exército e os seus mercenários russos parceiros prenderam, no dia 12 de Abril, 100 homens, na sua maioria da etnia Fulani, e levaram 60 deles para um local não revelado.
Mais de uma semana depois, sem receberem qualquer informação, os familiares foram à procura dos seus entes queridos e descobriram dezenas de corpos perto de uma base das Forças Armadas do Mali, a 31 quilómetros de distância.
“Estavam todos em estado avançado de decomposição, o que torna a sua identificação muito difícil,” uma testemunha disse à Radio France Internationale. “É preciso estar muito perto da pessoa para a reconhecer. Pelas roupas ou pelos sapatos. … Caso contrário, pelo corpo, é impossível. Alguns corpos permanecem amarrados mesmo depois de decompostos.”
Peritos das Nações Unidas expressaram indignação e pediram uma investigação imediata.
“De acordo com relatos não confirmados, os detidos foram torturados e interrogados sobre supostas ligações com ‘terroristas’ no campo militar de Kwala,” afirmaram os peritos no dia 30 de Abril. “As vítimas teriam sido chicoteadas durante os interrogatórios. Posteriormente, militares e agentes de segurança recrutados pelo Grupo Wagner teriam levado as vítimas para fora do acampamento e as executado a tiro.”
Massacres, execuções sumárias e desaparecimentos forçados tornaram-se muito comuns desde que a junta do Mali trouxe mercenários do notório Grupo Wagner da Rússia para ajudar a combater várias insurgências, incluindo o Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin, apoiado pela al-Qaeda, e o IS-Sahel, afiliado ao Estado Islâmico.
Especialistas afirmam que os mercenários russos no Mali expandiram o seu âmbito de operações à custa de vidas civis e relatam que comunidades inteiras foram arrasadas, mulheres foram despidas e abusadas, homens foram decapitados e pessoas foram queimadas vivas.
Após a morte do fundador do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, em 2023, o Ministério da Defesa russo assumiu o controlo e renomeou as operações do grupo no continente como Africa Corps. Mas no Mali, os combatentes continuam a identificar-se como “Wagner,” de acordo com os analistas que acompanham os seus canais do Telegram.
No último trimestre de 2023, após a Rússia assumir o controlo do grupo, as actividades do Grupo Wagner no Mali duplicaram em comparação com o trimestre anterior, de acordo com uma análise do monitor de conflitos ACLED. A tendência continuou em 2024, quando grupos armados mataram cerca de 400 pessoas, enquanto o Grupo Wagner e as forças malianas mataram mais de 900 pessoas, segundo o ACLED.
Num relatório de Dezembro de 2024, a Human Rights Watch revelou que, entre Maio e Dezembro daquele ano, o exército maliano e as forças russas “mataram deliberadamente pelo menos 32 civis, incluindo 7 num ataque com drones, forçaram o deseparecimento de outros 4 e queimaram pelo menos 100 casas em operações militares em cidades e aldeias no centro e norte do Mali.”
Alguns especialistas acreditam que o aumento da violência decorre da necessidade da junta de mostrar progressos contra os grupos armados, mas o seu impacto a longo prazo está a prejudicar as pessoas que o governo precisa de conquistar para estabelecer a paz regional.
Constantin Gouvy, investigador do Sahel no Instituto Clingendael, descreveu “a estratégia cruel do Grupo Wagner [como] caracterizada pela violência gratuita contra civis.”
“Por enquanto, é razoável esperar que a Rússia continue a usar o Grupo Wagner e o Africa Corps para espalhar a sua influência no Sahel de uma forma ou de outra,” disse à Al Jazeera.
Em Abril, os especialistas da ONU salientaram que os países têm a obrigação legal internacional de conduzir investigações eficazes e garantir a responsabilização e reparações eficazes por violações de direitos humanos.
“Estamos profundamente preocupados com a aparente impunidade total e a falta de julgamento ou prevenção dessas violações atribuídas tanto às forças de defesa e segurança do Mali quanto ao pessoal militar e de segurança estrangeiro do Grupo Wagner e/ou do Africa Corps,” afirmam os especialistas. “A não responsabilização dos supostos autores de violações de direitos humanos pode minar a confiança do público nas forças armadas e ser explorada por grupos extremistas violentos.”
Nos termos da Estratégia Global de Combate ao Terrorismo das Nações Unidas, os governos devem abordar as causas profundas da violência, tais como conflitos prolongados e não resolvidos, fraqueza do Estado de direito, violações de direitos humanos, impunidade, discriminação e má governação.
“Estas mortes ilegais podem constituir crimes de guerra, e os desaparecimentos forçados podem constituir crimes contra a humanidade se fizerem parte de ataques generalizados ou sistemáticos contra civis,” afirmou a ONU. “A falta de investigação por parte do Estado constitui, por si só, uma violação do direito à vida.
“Os responsáveis por homicídios ilegais e desaparecimentos forçados, seja por envolvimento directo ou cumplicidade, devem ser processados, e devem ser tomadas medidas para evitar a sua repetição e proporcionar reparação às vítimas.”