Quando as forças de segurança da Puntlândia, na Somália, fizeram uma rusga a uma coluna de veículos que viajava para o sul de Garowe, confiscaram uma colecção de drones capazes de transportar explosivos. Os dispositivos eram semelhantes aos utilizados pelos rebeldes Houthi do outro lado do Mar Vermelho, no Iémen.
Os chamados drones kamikaze são, na sua essência, dispositivos explosivos improvisados (DEI) voadores. São normalmente quadricópteros de baixo custo, disponíveis no mercado, capazes de transportar um único explosivo — geralmente um morteiro — que pode ser largado sobre um alvo ou enviado directamente para ele. A sua presença na Somália suscitou o receio de uma utilização alargada de drones por grupos terroristas. Até há pouco tempo, os grupos utilizavam os drones sobretudo para vigilância e para fazer vídeos de propaganda.
“Embora ainda seja limitado em comparação com outras regiões, há cada vez mais provas de que vários grupos procuram armar drones disponíveis no mercado para lançar ataques em diferentes países de África,” Bárbara Morais Figueiredo, investigadora do Instituto das Nações Unidas para a Investigação do Desarmamento, disse à ADF por e-mail.
A captura dos cinco drones armados na Puntlândia sugere que os grupos extremistas africanos estão a aprender com os seus homólogos do Médio Oriente a desenvolver a tecnologia, muitas vezes, através de canais online ou de redes sociais controlados pelo grupo Estado Islâmico (EI) ou pela al-Qaeda, segundo Morais Figueiredo.
“De facto, muitos dos grupos conhecidos pela utilização de drones em África têm ligações a grupos conhecidos pela utilização de drones noutras regiões, sobretudo no Médio Oriente, sendo o ISIL [EI] um exemplo proeminente,” afirmou.
Os grupos alinhados com o EI recomendaram aplicações de simuladores de voo para smartphones que ensinam os utilizadores a pilotar drones quadricópteros. Embora grande parte da transferência de conhecimentos tenha sido indirecta, a crescente instabilidade no Corno de África e no Sahel está a convidar a um contacto mais directo entre grupos terroristas sediados em África e combatentes estrangeiros mais aptos a utilizar drones como armas tácticas.
“À medida que alguns destes grupos continuam a crescer e a expandir-se, principalmente no centro do Sahel, a atractividade da região como destino para os combatentes estrangeiros pode aumentar ainda mais,” disse Morais Figueiredo.
Há provas de que os grupos terroristas, tal como as forças armadas que combatem, podem desenvolver as suas próprias unidades especializadas dedicadas exclusivamente à operação de drones, acrescentou.
“Esta é, sem dúvida, uma possibilidade ou uma tendência potencial a acompanhar, visto que teria um impacto importante tanto no âmbito como no número de ataques que estes grupos podem efectuar com drones,” avisou Morais Figueiredo.
No processo, o uso crescente de drones está a dar aos grupos terroristas uma vantagem psicológica que não tinham antes, a investigadora Karen Allen, do Instituto de Estudos de Segurança (ISS) da África do Sul, disse à Voz da América. “A lei nivelou o campo de acção entre as forças regulares e as forças irregulares,” sublinhou Allen.

MUDANÇA DE TECNOLOGIA E DE UTILIZAÇÃO
A tecnologia dos drones tem crescido exponencialmente desde que o Boko Haram se tornou o primeiro grupo terrorista africano a utilizá-la em 2018, de acordo com o Middle East Media Research Institute. O instituto tem acompanhado a utilização de drones no Médio Oriente, no Norte de África e na África Ocidental desde 2017. “Mais grupos jihadistas ganharam acesso à tecnologia dos drones e os que foram examinados em 2017 melhoraram a tecnologia existente e aumentaram a sua utilização,” escreveram os investigadores do instituto em 2023.
Em 2018, o Boko Haram utilizou drones para fins de informação, vigilância e reconhecimento (ISR). O perfil pequeno e as câmaras sofisticadas dos drones tornaram-nos ideais para espiar as forças militares e de segurança ou para vigiar alvos civis. Funcionaram bem para fazer vídeos de batalhas que poderiam ser publicados mais tarde nas redes sociais como ferramentas de recrutamento.
O Boko Haram tornou-se rapidamente o modelo para outros grupos extremistas. Em 2020, o Ansar al-Sunna de Moçambique começou a utilizar drones para identificar alvos na província de Cabo Delgado, enquanto o Ahlu-Sunnah wal Ja’maa os utilizou em Mocímboa da Praia. O al-Shabaab não tardou a seguir o exemplo, utilizando drones para ajudar a planear ataques na Somália e no Quénia.
Na altura, os drones eram difíceis de encontrar, pelo que era preferível utilizá-los para ISR do que como plataformas de armamento ou em ataques kamikaze, segundo os analistas Keaton O.K. Bunker e John P. Sullivan.
“Os drones utilizados para ISR podem ser reutilizados desde que não sejam destruídos por acção inimiga. Os drones totalmente armados têm muito mais probabilidades de serem destruídos pelas forças da oposição,” Bunker e Sullivan escreveram no Small Weapons Journal. “Além disso, a utilização de ISR ajuda a facilitar as operações terroristas, ao passo que os ataques com drones de utilização única têm um impacto muito mais reduzido nas operações terroristas enquanto evento ‘pontual.’”
Essa filosofia começou a mudar em 2022 e 2023, quando o rival do Boko Haram, a Província da África Ocidental do Estado Islâmico (ISWAP), começou a fazer experiências com a utilização de drones para transportar cargas explosivas na Bacia do Lago Chade.
O interesse do ISWAP em drones armados surgiu da sua necessidade de ultrapassar as perdas de território e de combatentes para os militares nigerianos e para o Boko Haram, segundo o investigador do ISS, Malik Samuel. “Estas contrariedades podem estar a obrigar o ISWAP a adaptar a sua estratégia, como já fez anteriormente,” escreveu Samuel.
Entretanto, como sugere a coluna da Puntlândia, outros grupos terroristas estão a adoptar rapidamente os drones como armas de eleição. Em Abril de 2024, a filial da al-Qaeda no Mali, Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin, utilizou quadricópteros disponíveis no mercado, armados com granadas de mão e morteiros, para invadir o acampamento de uma milícia dozo aliada do governo.

‘MUDANÇA FENOMENAL’
Com os drones disponíveis no mercado a tornarem-se mais comuns, os governos de toda a África estão a perder uma vantagem de que outrora gozavam. Uma corrida ao armamento baseada em drones equipou ambos os lados com apoio aéreo de baixo custo e altamente eficaz.
Embora o equipamento dos governos possa ser mais sofisticado — os populares drones Bayraktar de fabrico turco são um exemplo — o acesso dos grupos terroristas à tecnologia permite-lhes intimidar os civis e perseguir os militares com drones de baixa altitude e difíceis de abater. Com a adição da inteligência artificial, esses mesmos drones podem operar de forma independente ou em enxames.
“Podem surgir a qualquer altura, em qualquer lugar, a velocidades incrivelmente elevadas, sem que se tenha qualquer controlo,” Lindy Heinecken, professora da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, disse a uma plateia na feira African Aerospace and Defence. “Podemos ter defesas aéreas, mas não sabemos onde é que elas vão entrar. Representa uma mudança fenomenal na natureza da guerra.”
O facto de os drones comerciais serem, essencialmente, uma ferramenta civil complica ainda mais os esforços para os regulamentar, segundo Allen. A professora descreve-os como uma tecnologia de dupla utilização, comparável aos telemóveis, que podem ser utilizados para fazer chamadas, mas também para activar bombas à beira da estrada.

Por essa razão, sugere Allen, os drones comerciais podem ser objecto de restrições ao abrigo do Acordo Internacional de Wassenaar, concebido para controlar a exportação de tecnologia de dupla utilização.
Heinecken explicou um desafio mais fundamental que os governos enfrentam quando lutam contra os drones terroristas: “Qualquer pessoa pode transformar um drone numa arma,” disse. “Estamos a viver literalmente no tempo da guerra líquida.”
Enquanto os países africanos continuam a combater os grupos terroristas, têm de acrescentar tecnologia anti-drone aos seus arsenais, segundo Allen. Isso pode incluir bloqueadores de sinal, que interrompem a ligação de rádio entre os drones e os seus operadores, e lasers de alta energia que podem derrubar os drones do céu, derretendo-os em voo.
De acordo com Morais Figueiredo, manter-se à frente da rápida evolução da tecnologia dos drones e dos grupos que a utilizam irá manter os governos africanos atentos.
“Em suma, à medida que a tecnologia dos drones se torna mais acessível e continua a evoluir e a difundir-se a um ritmo acelerado em África, é provável que estas tendências se acelerem ainda mais nos próximos anos,” Morais Figueiredo disse à ADF. “Por conseguinte, é provável que vejamos mais grupos a utilizar drones com maior frequência e de formas cada vez mais diversificadas e sofisticadas em todo o continente.”