O analista político e militar Gregoire Cyrille Dongobada escreveu mais de 75 artigos em dois anos e meio, reportando sobre mais de uma dezena de países da África Ocidental.
Originário da República Centro-Africana, ele agora vive em Paris. Dongobada utilizou a sua análise especializada para se concentrar nos papéis da França e da Rússia no sector da segurança africana, com manchetes como “As razões do sentimento antifrancês na África Ocidental” e “A inveja da França pelo sucesso da presença russa no Mali.”
No entanto, há um problema: Gregoire Cyrille Dongobada não existe.
Uma investigação recente sobre “repórteres fantasmas” realizada pela Al Jazeera descobriu mais de 15 escritores cujos nomes apareceram em pelo menos 200 artigos desde 2021 em publicações em toda a África Ocidental. Os artigos encaixam-se num perfil bem conhecido da propaganda russa, que critica a França e as Nações Unidas enquanto glorifica a presença de mercenários russos.
“O chamado analista, [Dongobada], aparece do nada em Fevereiro de 2021,” a Al Jazeera reportou num vídeo de 19 de Março. “Não há registos da sua formação, nenhum sinal de que esteja ligado a grupos de reflexão ou universidades e nenhum histórico profissional.”
Para a sua reportagem, a Al Jazeera analisou fotos usadas por Dongobada nas redes sociais e descobriu que elas correspondem às de um homem da República Centro-Africana chamado Jean Claude Sendeoli, professor e árbitro de futebol que morreu em 2020.

JEAN CLAUDE SENDEOLI FACEBOOK
“Alguém, seja um agente estatal ou não estatal, está a usar a identidade de alguém que morreu para fazer a sua própria propaganda,” Michael Amoah, cientista político da London School of Economics, disse à Al Jazeera.
A investigação revelou uma rede de intermediários que lavam propaganda russa e pagamentos para colocar conteúdos em publicações africanas com autores falsos que parecem ser residentes locais autênticos. Um dos intermediários, Seth Boampong Wiredu, mudou-se do Gana para a Rússia em 2008 para estudar na cidade de Novgorod antes de se tornar cidadão russo em 2019.
Wiredu já foi associado a campanhas de desinformação russas semelhantes no passado, de acordo com a Al Jazeera. A investigação descobriu uma presença russa crescente em cada um dos países da África Ocidental onde os artigos de propaganda lavada apareceram. Entre eles estão Burquina Faso, Mali e Níger, que são liderados por governos de juntas militares que trabalham com grupos mercenários russos.
Os combatentes russos, no entanto, não conseguiram conter a onda mortal de terrorismo que assola o Sahel e ameaça os Estados costeiros da África Ocidental. Na verdade, provas credíveis de crimes de guerra, incluindo execuções sumárias, violação e tortura, seguem os mercenários do Grupo Wagner e do Africa Corps onde quer que eles operam.
Juntamente com a sua influência militar e política, a estratégia híbrida do Kremlin também inclui a extracção sistemática de recursos naturais preciosos e uma avalanche de informações falsas destinadas a induzir deliberadamente em erro as populações africanas visadas sobre os seus governos, políticas e notícias do dia. Um relatório de 2024 publicado pelo Centro de Estudos Estratégicos de África mostrou que a Rússia é o principal fornecedor dessas campanhas patrocinadas pelo Estado no continente, atribuindo 80 das quase 200 campanhas à Rússia — muito mais do que outros países activos no espaço da informação, como China, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar.
Aldu Cornelissen é co-fundador da Murmur Intelligence, com sede na África do Sul, que analisa as redes sociais. Ele descreveu a estratégia da Rússia nas redes sociais no continente como uma “rede global de contas importantes que estão interligadas com outras contas importantes no contexto africano.”
“A partir daí, influenciadores locais em cada país assumem as mensagens e adaptam a narrativa ao contexto local,” explicou à Deutsche Welle.
Enquanto anteriormente a Rússia utilizava fábricas de trolls locais para espalhar conteúdos nas redes sociais, Cornelissen disse que as campanhas de propaganda do Kremlin agora têm origem em pessoas que partilham ou estão familiarizadas com aspectos linguísticos e culturais das comunidades locais. Ele chama-os de “nano influenciadores” e documentou as suas actividades na África do Sul.
“Todos eles são pagos,” disse. “Se você pagar mil pessoas 200 rands (ou 11 dólares) cada, é uma campanha muito barata para estabelecer uma narrativa num dia.”
Beverly Ochieng, pesquisadora do programa África, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, com sede em Dakar, no Senegal, aponta um exemplo semelhante:
“Quando um grupo de direitos civis do Mali publica na língua Bambara, não parece que vem de um funcionário público russo,” disse à DW. “Parece uma opinião genuína de alguém que fala a língua local e conhece as sensibilidades do povo.”