O turismo, a vida nocturna e as novas empresas regressaram à praia do Lido, em Mogadíscio, e a toda a cidade. Mas numa noite de sexta-feira, em Agosto de 2024, enquanto a música tocava e centenas de pessoas relaxavam na praia, um bombista suicida detonou o seu colete. Vários extremistas armados abriram fogo contra a multidão.
“Nas ruas próximas, as pessoas estavam a fugir de uma ameaça demasiado familiar,” refere uma reportagem do Channel 4 News. “O al-Shabaab, afiliado à al-Qaeda, disse ter efectuado este ataque, tal como tantos outros ao longo de quase duas décadas. Segundo a polícia somali, três dos atacantes foram mortos juntamente com o bombista suicida e um foi detido. Um soldado também foi morto no tiroteio.”
Quando terminou, 37 pessoas tinham morrido e 212 tinham ficado feridas. Tratou-se do ataque mais mortífero do al-Shabaab desde que dois veículos armadilhados mataram 121 pessoas e feriram 333 em Outubro de 2022.
Os ataques recordam-nos que, apesar de anos de intervenção militar estrangeira e de reforço das capacidades, o al-Shabaab consegue sair da sombra e infligir danos significativos.

AL-SHABAAB MOSTRA O SEU PODER
Samira Gaid, analista sénior do Corno de África na consultora Balqiis Insights, em Nairobi, disse à Deutsche Welle que o ataque de Agosto de 2024 foi a forma encontrada pelo al-Shabaab para “anunciar o seu regresso à cidade, anunciar a sua existência.”
O grupo, que se formou em 2006 como um movimento nacionalista em resposta a uma invasão etíope, acabou por evoluir para uma insurgência terrorista e para o afiliado da al-Qaeda na África Oriental. As forças da UA expulsaram o grupo de Mogadíscio em 2011, pelo que este se concentrou em ataques terroristas de alto nível e em emboscar as forças de segurança.
O al-Shabaab extorque impostos em toda a zona rural, o que faz do grupo o afiliado mais lucrativo da al-Qaeda.
“O seu modelo de governação não se limita aos impostos, mas têm escolas onde doutrinam os alunos desde tenra idade,” disse Gaid. “Mas o mais importante é a forma como são capazes de ter em conta as queixas que existem na sociedade somali e que levaram ao colapso do Estado há 30 anos.”
O al-Shabaab é também a maior e mais forte filial da al-Qaeda, com 7.000 a 12.000 combatentes.
Em 2007, a Missão da UA na Somália (AMISOM) foi destacada para proteger e defender as instituições nascentes do país contra o al-Shabaab, ajudando também o Exército Nacional da Somália e as forças policiais a garantir a segurança. A AMISOM deu lugar à Missão de Transição da UA na Somália (ATMIS) em Abril de 2022. Terminou em Dezembro de 2024.
Depois de as autoridades somalis terem solicitado um adiamento da retirada da ATMIS, o Conselho de Paz e Segurança da UA aprovou a Missão de Apoio e Estabilização da UA na Somália (AUSSOM). Centra-se na reconstrução pós-conflito, no desenvolvimento e na consolidação da paz, declarou o Conselho. A missão de quatro anos teve início a 1 de Janeiro de 2025 e prolonga-se até ao final de 2028.
As forças de segurança multinacionais e nacionais podem ajudar a manter o al-Shabaab à distância. Mas as autoridades terão de abordar as raízes da resistência do grupo terrorista, nomeadamente a sua capacidade de propaganda e comunicação, a sua proeza financeira e o recurso a combatentes estrangeiros.

MENSAGEIROS TALENTOSOS
A extensa campanha de comunicação do al-Shabaab é a pedra angular da sua eficácia. O grupo utiliza as redes sociais, a rádio e um site chamado Shahada News Agency, o seu meio de comunicação oficial em língua árabe.
Em Julho de 2024, a Shahada indicou que iria publicar relatórios que incluam todos os países islâmicos, e não apenas a Somália e a África Oriental, para mostrar “a aceleração e o entrelaçamento dos acontecimentos e a universalidade do conflito,” segundo o Middle East Media Research Institute. No mesmo dia, o braço de propaganda lançou contas no X e no Facebook.
O Governo da Somália está a trabalhar para reduzir a proliferação e a eficácia da propaganda do al-Shabaab. Em Outubro de 2022, o governo proibiu oficialmente “a difusão de mensagens de ideologia extremista tanto nos meios de comunicação social oficiais como nas redes sociais,” de acordo com um comunicado de imprensa. Além disso, referiu que tinha suspendido mais de 40 páginas de redes sociais. A Agência Nacional de Inteligência e Segurança da Somália monitorizou as plataformas e informou as empresas de tecnologia para que estas pudessem remover os conteúdos.
“Foi uma tarefa difícil quando começámos, exigiu conhecimentos, competências e muito trabalho,” o Vice-Ministro da Informação, Abdirahman Yusuf al-Adala, disse à Voz da América (VOA) em Março de 2024. “Formámos pessoas com as competências necessárias, foram criados gabinetes especiais, foi disponibilizado equipamento e foi aprovada legislação pelo Parlamento. Mais de um ano depois, estamos numa boa posição e acreditamos ter atingido muitos dos nossos objectivos.”
O governo disse que tinha encerrado 20 grupos de WhatsApp e 16 sites que se pensava estarem ligados ao al-Shabaab. Mesmo assim, os extremistas criam constantemente novas contas nas redes sociais e ajustam os nomes de domínio. O grupo também se destaca pelo volume de material que produz e divulga.
Numa determinada semana, cerca de 20% a 25% do conteúdo que encontramos na internet foi provavelmente criado pelo al-Shabab,” Adam Hadley, director-executivo da Tech Against Terrorism, com sede em Londres, disse à VOA. “É essencialmente o maior produtor individual de material terrorista na internet.”

PROEZA FINANCEIRA
O al-Shabaab é famoso pela riqueza que gera através do comércio ilícito, da extorsão e da tributação. Alguns estimam que o seu consumo anual pode atingir os 150 milhões de dólares. A maior parte do dinheiro provém da tributação dos cidadãos, dos agricultores e das empresas. Outros financiamentos provêm das portagens rodoviárias e do comércio de carvão, açúcar e pesca, segundo o The Africa Report. Os extremistas apoiam os fluxos de receitas com ameaças de violência.
As autoridades governamentais encerraram centenas de contas e os aliados ocidentais visaram redes de branqueamento de capitais na África Oriental, na Europa e no Médio Oriente. Mas as empresas de fachada do al-Shabaab adquiriram participações em alguns bancos e exigem que os funcionários libertem o dinheiro congelado.
“Os bancos congelaram o dinheiro nas contas bancárias, mas estão a permitir-lhes levantar dinheiro mais facilmente, pois não querem que saiam do banco,” Matt Bryden, analista político canadiano e antigo colaborador de organizações das Nações Unidas na região, disse ao The Africa Report. “Falaram com o director do banco e ele não quer perder o seu negócio. Estão a pressionar os gestores dos bancos para que libertem os fundos.”

COMBATENTES ESTRANGEIROS
Ironicamente, um grupo extremista que se formou em reacção a uma incursão de forças estrangeiras conta agora com combatentes da África Oriental para aumentar as suas próprias fileiras. O al-Shabaab tem vindo a produzir mensagens em Swahili desde pelo menos 2010 para atrair recrutas, de acordo com o Centro de Combate ao Terrorismo de West Point, em Nova Iorque.
Uma avaliação confidencial da UA afirmava que, à medida que a ATMIS continuava a sua retirada, o al-Shabaab “criou uma força pan-africana” com combatentes do Burundi, da República Democrática do Congo, da Etiópia, do Quénia, do Ruanda, da Tanzânia e do Uganda, de acordo com uma reportagem de Junho de 2024 do jornal The EastAfrican.
Muitos destes combatentes vêm do Quénia, que tem uma população somali significativa e um certo número de cidadãos muçulmanos descontentes, desejosos de melhorar a sua situação económica. Três pessoas do bairro suburbano de Pumwani, em Nairobi, falaram à PBS em 2016. Um homem, usando o pseudónimo Abdul, disse que os quenianos que tinham combatido com o al-Shabaab o radicalizaram na prisão.
“Começaram a falar, dizendo que o negócio deles era bom,” Abdul disse à PBS. “O seu negócio era o al-Shabaab.” Recebeu 500 dólares para aderir e 100 dólares por semana depois disso.
Robert Ochola trabalhou ao nível das bases para contrariar o ensino radical. “É uma batalha,” disse à PBS. “É uma batalha de corações e mentes, e depende de quem oferecer mais a essas pessoas por quem se está a lutar.
“Quando não se tem nada, não se tem nada a perder. Quando se abandona a escola, provavelmente na escola primária, a mente está, de alguma forma, fechada numa caixa. E depois vem alguém que alimenta e enche a nossa mente com coisas radicais.”

O CAMINHO A SEGUIR NA SOMÁLIA
Apesar dos altos e baixos da batalha contra o al-Shabaab, a Somália e os seus parceiros internacionais continuam a obter vitórias significativas. Em Outubro de 2024, o Exército Nacional da Somália e as forças locais realizaram uma operação na zona de Qeycad, na região de Mudug, na qual foram mortos 30 militantes, segundo o site de notícias HornLife.com. Dois comandantes, Mohamed Bashir Muse e Madey Fodey, foram capturados, segundo relatos. Quarenta combatentes do al-Shabaab também ficaram feridos na batalha de dois dias.
Os soldados somalis conduziram a operação com a ajuda das forças do Estado de Galmudug e das milícias dos clãs locais. Muitas das vitórias contra o al-Shabaab resultaram do aproveitamento do descontentamento dos clãs com os extremistas. De acordo com um relatório do International Crisis Group de 2023, esta medida tem funcionado especialmente bem na região central do país. O al-Shabaab alienou muitas comunidades com as suas “exigências persistentes e onerosas de dinheiro e de recrutas” e com a violência que exerce quando se recusam a obedecer.
Os soldados somalis forneceram às milícias dos clãs munições, alimentos e evacuações médicas, e os combatentes voluntários, conhecidos como macawisley devido aos sarongues que usam, ajudam os soldados a navegar no terreno local e na sua população. Este facto, combinado com o apoio da ATMIS, os ataques aéreos dos EUA e outras ajudas estrangeiras, tem sido um multiplicador de forças contra os extremistas.
No entanto, nem todos os clãs têm sido tão prestativos e o al-Shabaab tem demonstrado capacidade para infligir danos através de carros-bomba suicidas e outras tácticas nas áreas que perdeu, informa o Crisis Group. O grupo também adaptou a sua abordagem às populações locais, “oferecendo mais incentivos do que penalizações” e integrando na sua retórica um compromisso com o bem público.
De acordo com o Crisis Group, “a colaboração do governo federal com o macawisley terá provavelmente motivado a mudança de tom do al-Shabaab.” “No passado, o grupo esteve mais disposto a fazer concessões aos clãs quando se sentia fraco, para depois as reverter quando estava numa posição mais forte.”
O desafio para o governo da Somália é encontrar uma forma de manter as áreas libertadas. Quando as forças governamentais, ajudadas por milícias baseadas em clãs, expulsam os extremistas de uma área, arriscam-se a perder os ganhos sem um plano para manter a presença e, ao mesmo tempo, cumprir os compromissos de serviço, de acordo com o Crisis Group. Se não o fizerem, o al-Shabaab tem a oportunidade de regressar.
A AUSSOM iniciou as suas actividades em Janeiro de 2025. Rosalind Nyawira, queniana, especialista em segurança e ex-directora do Centro Nacional de Combate ao Terrorismo do Quénia, disse que é bom que exista uma nova missão para colmatar as lacunas de segurança.
“Teremos de esperar e avaliar qualquer sucesso porque o inimigo com que vão lidar também tem uma forma de se ajustar — ajustando-se aos destacamentos de segurança, ajustando-se às estratégias,” Nyawira disse ao Centro de Combate ao Terrorismo de West Point em Setembro de 2024.
“O que é bom é que, pelo menos quando há outra missão a assumir, não há um vazio; qualquer vazio daria aos terroristas mais espaço para actuar. Esperemos que, com uma boa estratégia, consigam manter-se firmes e ser bem-sucedidos. Todos esperamos que funcione bem.”
VIOLÊNCIA NA SOMÁLIA
A Somália representa cerca de um terço das mortes relacionadas com o islamismo militante em África, apenas atrás do Sahel.
Os 6.590 óbitos registados em 2024 são mais do dobro do total de 2020.
Este aumento do número de vítimas mortais deve-se, em grande parte, a uma ofensiva governamental lançada em 2022 e contra-ataques do al-Shabaab. Estas batalhas diminuíram nos últimos 12 meses.
Praticamente todos os eventos e mortes registados estão ligados ao al-Shabaab. O Estado Islâmico na Somália é responsável por menos de 1% desta actividade na Somália e no Quénia.
Os drones e os atentados suicidas, que constituem “violência à distância,” aumentaram nos últimos anos.
Registaram-se 640 incidentes no período de um ano. As mortes relacionadas com o recurso à violência à distância por parte do al-Shabaab mais do que duplicaram desde 2020, atingindo 1.950.
Fonte: Centro de Estudos Estratégicos de África usando dados do Projecto de
Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (até 30 de Junho)