Um pastor Fulani chamado Musa estava a dormir na sua casa, no nordeste da Nigéria, no início de Abril, quando ele e a sua família ouviram tiros e fugiram para o mato. Quando foi seguro regressar, Musa descobriu que os terroristas tinham roubado o seu meio de subsistência: 36 bovinos e 40 ovinos.
A situação de Musa, conforme relatada pela Agence France-Presse (AFP), não é única entre os pastores da Bacia do Lago Chade, em toda a África Ocidental e no Sahel, onde o gado é cobiçado e os ladrões vendem animais roubados nos mercados locais.
“O roubo de gado é uma importante fonte de financiamento para grupos armados,” um especialista da Universidade de Maroua, nos Camarões, disse ao projecto Reforçar a capacidade de África para responder de forma mais eficaz ao crime organizado transnacional. “Se dissermos, por exemplo, que uma vaca vale 200.000 CFA [mais de 346 dólares], num curto período de tempo, um grupo que roubasse 25.000 cabeças teria acumulado 5 mil milhões de CFA [mais de 8,6 milhões de dólares].”
A Nigéria é o país mais afectado pelo roubo de gado em África e o Mali é o segundo, de acordo com Flore Berger, investigadora da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional. Berger disse à AFP que o comércio ilícito de gado alimenta conflitos em curso, enquanto rouba os rendimentos dos pastores.
Os ladrões de gado têm estado cada vez mais activos na Nigéria desde 2011, resultando em milhares de mortes, perda de meios de subsistência, destruição generalizada e deslocamento de pessoas. “Isso teve um impacto debilitante na estabilidade do país,” escreveu o investigador da iniciativa, Kingsley L. Madueke.
O comércio ilícito tem sido uma marca registada da economia de guerra do Mali há anos.
“Ao contrário de outros mercados criminosos (como cocaína ou sequestros), o roubo de gado provou ser uma fonte de renda resiliente e estável para grupos armados, porque o Mali é um importante produtor e exportador regional de gado,” Berger disse à Associated Press (AP). “É provável que o roubo de gado continue a fornecer fontes de receita porque os países da região continuarão a comprar do Mali.”
Os terroristas são conhecidos por vigiar os charcos onde o gado vai beber. “Eles instalam-se junto aos poços durante vários dias e, sempre que os animais sedentos vêm beber água, os terroristas levam-nos,” Mahamad Ag Moustapha, presidente da comunidade de Inekar, na região de Menaka, no Mali, disse à AP.
Pai de nove filhos, Moustapha disse que foi forçado a viver num campo de deslocados depois de perder mais de 84.000 dólares em gado quando terroristas atacaram Inekar. Os animais roubados do Mali são normalmente escondidos misturados com rebanhos de gado legal e depois enviados para países como o Burquina Faso, a Costa do Marfim ou o Níger, Berger contou à AFP.
No Burquina Faso, no Mali e no Níger, o grupo terrorista Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin domina o comércio ilícito devido ao vasto território sob seu controlo e às suas conexões locais. Berger disse à AFP que o gado roubado no Sahel central é normalmente vendido através de canais bem estabelecidos que envolvem agentes, intermediários, transportadores, comerciantes, talhantes e funcionários locais corruptos.
“Através destes ‘parceiros comerciais,’ os jihadistas têm acesso a informações e sustentam-se nas florestas,” William Assanvo, investigador do Instituto de Estudos de Segurança, explicou à AFP.
Berger escreveu num estudo que o grupo Ansarul Islam declarou ganhar entre 25 milhões e 30 milhões de CFA (41.100 a 49.400 dólares) por mês através do roubo de gado no Burquina Faso.
Em 2024, terroristas roubaram mais de 600 animais de uma aldeia na região de Ouallam, no Níger, perto da fronteira com o Mali. Um proprietário de gado foi morto num incidente, uma fonte local disse à AFP.
De acordo com o Centro de Estudos Estratégicos de África, o roubo de gado alimenta significativamente as tensões e conflitos étnicos, visto que alguns grupos podem considerar o roubo de gado de comunidades com as quais estão em conflito como uma forma de justiça. Isso levou a um aumento do número de grupos armados comunitários que protegem contra o roubo de gado — e, por vezes, envolvem-se em violência de represália. Grupos terroristas do norte do Burquina Faso, centro do Mali e partes da Nigéria têm explorado as tensões intercomunitárias para promover o recrutamento.
Este flagelo aprofundou-se recentemente na África Ocidental. O Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos relatou que o roubo de gado pelo Boko Haram nas zonas fronteiriças dos Camarões e do Chade aumentou de dois incidentes em 2015 para 131 entre Janeiro e Agosto de 2024.
No Gana, o gado roubado é normalmente vendido em mercados de gado perto da fronteira com o Burquina Faso, de acordo com Clement Aapengnuo, que trabalha com a COGINTA, uma agência não-governamental financiada pela União Europeia. Ele disse que o gado roubado é normalmente vendido a preços mais baixos do que o gado vendido legalmente.
“Então, você vai lá, há muito gado à venda e as pessoas ficam satisfeitas, acham que é gado barato que podem comprar e fazer ABCD, mas não percebem que, ao comprar esse gado, estão a financiar o terrorismo,” Aapengnuo disse à agência de notícias alemã Deutsche Welle.
Madueke disse à AFP que as autoridades precisam de combater as redes que apoiam o roubo de gado. Analistas afirmam que a natureza transfronteiriça do comércio ilícito também exige cooperação regional. Isso pode ser complicado, pois Burquina Faso, Mali e Níger abandonaram a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental e formaram a Aliança dos Estados do Sahel.