A guerra de dois anos no Sudão começou como uma luta pela supremacia entre os líderes das Forças Armadas do Sudão (SAF) nacionais e as Forças de Apoio Rápido (RSF) rivais, mas evoluiu para uma luta por procuração entre duas nações do Golfo Pérsico que procuram expandir a sua influência em África.
Do lado das SAF está a Arábia Saudita, cuja relação com o Sudão remonta há década de 1950. Os líderes sauditas cultivaram uma relação com o líder das SAF, o General Abdel Fattah al-Burhan, que é também o líder de facto do Sudão. Al-Burhan visitou a Arábia Saudita em Março para discutir o reforço das relações entre os dois países.
Os Emirados Árabes Unidos têm apoiado as RSF, canalizando armas para os combatentes baseados no Darfur através de operações humanitárias a favor dos sudaneses deslocados que vivem no Chade. Os EAU construíram a sua relação com as RSF em torno do ouro contrabandeado para os EAU a partir das minas controladas pelo líder da milícia, o General Mohamed Hamdan “Hemedti” Dagalo.
As estratégias das duas monarquias no Sudão reflectem as divergências entre as suas prioridades internacionais nos últimos anos, segundo o analista Elfadil Ibrahim. Duas nações que outrora estavam estreitamente alinhadas geopoliticamente tornaram-se rivais.
“Em última análise, o Sudão está a pagar o preço desta relação fracturada com o Golfo,” Ibrahim escreveu recentemente para o Responsible Statecraft. “Enquanto a rivalidade persistir, o Sudão continuará a ser tragicamente apanhado no fogo cruzado.”
A Arábia Saudita procura manter a estabilidade numa região volátil. Os líderes sauditas consideram o Mar Vermelho crucial para o seu crescimento económico, como local de turismo e como forma de proteger os carregamentos de petróleo, afastando alguns portos petrolíferos do Estreito de Ormuz. O estreito faz fronteira com o Irão, rival regional da Arábia Saudita, bem como com os Emirados Árabes Unidos e Omã.
“As acções dos EAU no Sudão parecem coerentes com um modus operandi regional mais vasto,” escreveu Ibrahim. “O manual de Abu Dhabi envolve a atribuição de poderes a actores não estatais, muitas vezes, com tendências secessionistas, para garantir o acesso a recursos e a uma geografia estratégica.”
A estratégia dos EAU no Sudão tem ecos no leste da Líbia, onde apoiou o Marechal Khalifa Haftar, e na Somália, onde armou e financiou forças em Puntlândia, Somalilândia e Jubbaland. Segundo Ibrahim, há indícios de que os EAU utilizam o porto de Bosaso, na Puntlândia, para abastecer as forças das RSF no Sudão.
Os EAU também apoiaram a proposta das RSF, em Fevereiro, de criar um governo paralelo para governar áreas do Sudão sob o seu controlo. Os oficiais sauditas juntaram-se às SAF na rejeição dessa proposta.
O apoio dos Estados do Golfo é uma das razões pelas quais os combates continuam no Sudão, segundo Federico Donelli, cientista político da Universidade de Trieste, na Itália.
“Enquanto Hemedti tiver o apoio dos EAU e al-Burhan da Arábia Saudita, receio que o conflito no Sudão não tenha fim,” Donelli escreveu recentemente para o Nordic Africa Institute. “Neste sentido, é uma espécie de guerra por procuração, porque estão a apoiar um dos lados do conflito para criar problemas ao seu rival.”
Segundo Donelli, as RSF precisam mais do apoio dos EAU para continuar a lutar do que as SAF precisam da ajuda da Arábia Saudita. A localização do Sudão torna-o uma encruzilhada a partir da qual ambas as nações do Golfo procuram estender a sua influência para o oeste, para o Sahel, e para o sul, para a África Subsariana. No entanto, a curto prazo, existe o risco de o seu envolvimento no Sudão poder contribuir para a instabilidade no Corno de África, segundo Donelli.
“O Sudão situa-se no meio de duas regiões com elevados níveis de instabilidade e conflito — o Sahel, a oeste, e o Corno de África, ligado ao Mar Vermelho, a leste,” escreveu Donelli. “O que acontece no Sudão é de interesse estratégico para muitos actores. A rivalidade entre os EAU e a Arábia Saudita no Corno de África é um barril de pólvora à espera de explodir.”