No final de Março, o líder das Forças Armadas do Sudão (SAF), General Abdel Fattah al-Burhan, apareceu em frente ao Palácio Republicano e ergueu o punho, numa demonstração de que as forças rivais das Forças de Apoio Rápido (RSF) tinham sido expulsas de Cartum.
Enquanto a guerra no Sudão entra no seu terceiro ano, analistas afirmam que o regresso de al-Burhan à capital do país marcou um ponto de viragem na guerra entre o líder de facto do Sudão e o chefe das RSF, Mohamed Hamdan “Hemedti” Dagalo, que começou no dia 15 de Abril de 2023. O governo de al-Burhan opera a partir de Port Sudan durante a maior parte do conflito.
“A reconquista da cidade de Cartum marca, assim, um momento decisivo no conflito: as SAF ganharam agora vantagem, particularmente no centro do Sudão,” analistas do Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED) escreveram recentemente.
A reconquista de Cartum pelas SAF foi o resultado de uma campanha de seis meses que começou em Setembro de 2024 e tinha como objectivo romper as linhas de abastecimento das RSF na capital e expulsá-las do centro do Sudão. Desde então, as SAF e os seus aliados retomaram mais de 430 locais no centro e sul do Sudão, de acordo com o ACLED.
“A derrota das RSF [em Cartum] é um dos vários reveses recentes que deixaram o grupo na defensiva,” Mariam Wahba, analista de pesquisa da Fundação para a Defesa das Democracias, escreveu para o The Long War Journal.
Ao mesmo tempo, as RSF e seus aliados intensificaram os ataques contra civis, com relatos de violência sexual e execuções. Combatentes das RSF bombardearam bairros de Cartum enquanto recuavam pelo Nilo em direcção a Omdurman.
As vitórias das SAF dividiram efectivamente o Sudão, com as forças governamentais controlando o leste e as RSF dominando o oeste — com uma excepção. O norte de Darfur e a sua capital, el-Fasher, permanecem nas mãos das SAF e milícias aliadas, apesar de meses de bombardeios das RSF.
Em meados de Abril, combatentes das RSF atacaram o campo de deslocados de Zamzam, no norte de Darfur, “destruindo-o completamente,” nas palavras de um observador. Os combatentes mataram centenas de civis que procuravam abrigo em Zamzam e levaram milhares de outros residentes a procurar refúgio em comunidades vizinhas.
A destruição do campo de Zamzam complicou ainda mais a maior crise humanitária de África. Desde 2023, mais de 12 milhões de pessoas — cerca de um quarto da população do Sudão antes da guerra — fugiram das suas casas. Mais de 3 milhões de pessoas fugiram do país, com muitos vivendo em campos no Chade ou buscando refúgio no Egipto, Etiópia e Sudão do Sul.
A destruição de infra-estruturas de saúde do Sudão levou à propagação de cólera, dengue, malária e sarampo em dois terços dos Estados do Sudão. Só a cólera já matou 1.500 pessoas.
Mais da metade da população do Sudão precisa de ajuda humanitária, de acordo com as Nações Unidas. A falta de financiamento deixou grandes partes do país fora do alcance das operações de ajuda, levando à fome e à inanição.
“Sem assistência imediata, sobretudo em áreas afectadas pela fome ou em risco de fome, milhares de vidas estão em risco,” Makena Walker, directora interina do Programa Mundial de Alimentação no Sudão, disse à ONU.
A ONU estima que 146.000 crianças sudanesas sofrerão de desnutrição aguda este ano, o que as torna até 11 vezes mais propensas a morrer do que uma criança saudável. Organizações internacionais de ajuda humanitária acusam ambos os lados do conflito de bloquear colunas de ajuda e usar alimentos como arma.
De acordo com analistas do ACLED, as recentes vitórias das SAF são o resultado de três factores principais: as SAF recrutaram milhares de novos soldados nos últimos 12 meses, reduzindo a sua anterior escassez de mão-de-obra; as SAF atraíram aliados entre as milícias locais repelidas pela brutalidade das RSF; e começaram a formar-se fracturas dentro das próprias RSF.
O aumento do apoio militar sob a forma de drones Bayraktar da Turquia ajudou as SAF a virar a maré a seu favor, dizem os especialistas.
No dia 16 de Abril, Hemedti declarou a criação de um governo paralelo no território controlado pelas RSF. A declaração do chamado Governo de Paz e Unidade inviabilizou a mais recente tentativa de negociar um acordo de paz entre os dois lados. A reunião em Londres terminou em acrimónia quando os apoiantes das SAF, Arábia Saudita e Egipto, não conseguiram chegar a um consenso com o principal apoiante das RSF, os Emirados Árabes Unidos.
Al-Burhan recusou-se repetidamente a negociar com as RSF. Pouco depois de as SAF retomarem Cartum, al-Burhan anunciou: “Continuaremos no caminho da vitória até limpar cada centímetro do país [dos combatentes das RSF].”
O analista Mohy Omer, do Instituto Nacional Democrático, disse à Al Jazeera que não vê caminho para uma vitória militar de nenhum dos lados.
“Os últimos dois anos provaram isso,” disse Omer. “Portanto, a única maneira de resolver este conflito é através de negociações directas entre estes dois exércitos em combate, lideradas pela comunidade internacional.”