Após anos de negociações, o Sudão concordou em permitir que a Rússia estabeleça a sua primeira base naval no continente, ao longo da costa do Mar Vermelho do país devastado pela guerra.
“Estamos totalmente de acordo sobre este assunto e não existem obstáculos,” o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Ali Youssif, disse numa conferência de imprensa conjunta com o seu homólogo russo, Sergei Lavrov, em Moscovo, no dia 12 de Fevereiro.
Após a destituição do ditador sírio, Bashar al-Assad, em Dezembro de 2024, o novo governo do país pôs termo a um tratado que concedia um contrato de arrendamento a longo prazo para a única base naval estrangeira da Rússia. Desde então, o Kremlin tem intensificado os seus esforços para estabelecer novos activos estratégicos em África.
Mas os especialistas dizem que há muitos obstáculos que podem impedir que a base naval no Sudão se torne uma realidade. O analista político do Médio Oriente, Platon Nikiforov, afirmou que a última tentativa de Moscovo de marcar presença no Mar Vermelho “está repleta de desafios.”
“Os esforços do Kremlin para garantir um acordo militar permanente e oficial na região com alguém que não seja Assad continuam longe de se concretizar,” escreveu num artigo publicado a 25 de Fevereiro na revista online Riddle Russia.
O governo militar do Sudão tem vacilado nos seus planos para o Mar Vermelho durante anos e cancelou recentemente um acordo portuário de 6 bilhões de dólares com os Emirados Árabes Unidos devido a alegadas transferências de armas dos EAU para as Forças de Apoio Rápido (RSF), a milícia sudanesa que tem lutado contra as forças governamentais desde Abril de 2023.
“Depois do que aconteceu, não daremos aos EAU um único centímetro na costa do Mar Vermelho,” o Ministro das Finanças das SAF, Gibril Ibrahim, disse aos meios de comunicação locais em Port Sudan, em Novembro de 2024.
O acordo original da Rússia de 2017 previa 300 militares e quatro navios em Port Sudan. As partes assinaram um acordo preliminar em 2020 para estabelecer um centro logístico naval russo com capacidade para atracar navios de propulsão nuclear, mas as autoridades sudanesas deixaram o plano no limbo.
Uma das vias navegáveis de maior importância estratégica do mundo, o Mar Vermelho liga o Canal do Suez ao Oceano Índico, por onde passa cerca de 12% do comércio internacional.
É outro alvo importante nos esforços da Rússia para projectar mais influência em África, visto que tem trabalhado para construir novas bases e expandir outras, como no sudeste da Líbia, perto das fronteiras com o Chade e o Sudão.
Uma base no Mar Vermelho, para além do seu potencial valor geopolítico e de defesa, proporcionaria à Rússia uma influência significativa sobre as rotas marítimas de petróleo e gás, vitais para o comércio mundial.
Nikiforov referiu vários desafios de alto custo que Moscovo enfrentará ao estabelecer uma nova base naval: o ransporte de longo alcance de equipamento pesado, maquinaria e sistemas de armamento; a falta de uma central eléctrica fiável com capacidade para alimentar uma nova e grande instalação; e a necessidade de dragar a costa.
“É difícil dizer se Moscovo, que está empenhado em restaurar as bases como um atributo essencial de uma superpotência militar, avaliou inicialmente os riscos ou agiu simplesmente por inércia,” escreveu. “Mesmo antes da mudança de poder na Síria e da invasão em grande escala da Ucrânia, abastecer uma instalação no Sudão não era tarefa simples. Agora, é ainda mais complexo.”
A Rússia enfrentaria enormes desafios logísticos no transporte de sistemas de defesa aérea e de guerra electrónica para a base, juntamente com as necessidades de infra-estruturas como uma central de dessalinização, disse Nikiforov, observando que a capacidade da Rússia para “tonelagem de carga em voos directos sem paragens de trânsito é severamente limitada.”
Outra opção é através de navios de carga navais, mas a Rússia tem poucos navios de guerra de longo alcance disponíveis para escolta — uma necessidade depois de um dos seus navios de carga ter sido atacado e afundado ao largo da costa da Argélia em Dezembro de 2024.
Com apenas uma central térmica de 337 megawatts, o fornecimento de energia em Port Sudan já é um desafio substancial e colocaria Moscovo perante mais um enorme obstáculo. O Ministro de Energia e Petróleo do Sudão, Muhyiddin al-Naim Said, referiu recentemente que o acordo sobre o porto incluía um pedido para que a Rússia enviasse plataformas flutuantes para apoiar o fornecimento de energia à cidade.
“A instalação russa teria de depender da auto-suficiência através de geradores a gasóleo instalados na base [como fez na sua antiga base aérea de Khmeimim, na Síria], com combustível importado da Rússia devido aos elevados custos locais do petróleo,” escreveu Nikiforov.
A Rússia sozinha também é incapaz de satisfazer outra necessidade — dragagem extensiva nas águas que rodeiam uma potencial base naval — que exigiria um contrato dispendioso com uma empresa ou parceiro internacional capaz de um grande projecto.
“As infra-estruturas de Port Sudan, e as do Mar Vermelho em geral, não são adequadas para a amarração e manutenção de submarinos nucleares,” escreveu Nikiforov.
Talvez mais problemático para o objectivo da Rússia de construir a base e mantê-la durante os 25 anos acordados seja o futuro político incerto do Sudão. Num artigo de 6 de Março para o instituto de investigação da Fundação Jamestown, o analista James McGregor apontou diferenças importantes e constantes entre as componentes civil e militar do governo de facto.
“A oposição aos líderes não eleitos do Conselho de Soberania de Transição e das Forças Armadas do Sudão é grande e não permite que se chegue a um acordo com grandes implicações para a soberania do Sudão,” escreveu. “Uma vez que o acordo não pode actualmente ser ratificado por nenhum órgão eleito no Sudão, existe uma forte possibilidade de que um futuro governo (eleito ou não) possa rejeitar totalmente o acordo por não ter legitimidade legal.”
O analista Ulf Laessing, que vive no Mali e dirige o Programa Sahel, do grupo de reflexão KAS Africa, continua muito céptico.
“Com a base naval russa em Port Sudan, é melhor acreditar quando se vê,” publicou no X. “Para começar, por que razão haveria Burhan de concordar quando a sua sorte no campo de batalha está a melhorar? [Faria] mais sentido fazer Moscovo esperar para obter mais ajuda militar.”