Devido à persistente pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) por parte da China e de outras frotas estrangeiras, as unidades populacionais de atum albacora da Somália estão a enfrentar um colapso que poderá devastar a economia e afectar a segurança alimentar. A pesca INN custa à Somália 300 milhões de dólares por ano e ameaça a subsistência de cerca de 90.000 pescadores artesanais.A frota de pesca longínqua chinesa Liao Dong Yu, em particular, tem operado ilegalmente em águas somalis desde, pelo menos, 2019 e está a pescar ilegalmente o atum albacora, uma das espécies mais valiosas do mundo em termos comerciais. Pelo menos quatro dos navios da frota pilharam as águas da Somália, segundo a Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC).
A frota de Liao Dong Yu é propriedade do Liaoning Daping Fishery Group. Uma fonte do Ministério das Pescas e dos Recursos Marinhos de Puntlândia, na Somália, disse ao GI-TOC que as licenças de pesca da frota não foram emitidas através do ministério, como é prática corrente, mas através das autoridades centrais em Garowe, a capital de Puntlândia. É, pois, difícil avaliar a extensão total das actividades da frota Liao Dong Yu.
Pequim “fornece atum barato aos mercados internacionais, tornando-o altamente atractivo para os compradores globais,” a analista Helena Constela escreveu para o The Seaspiracy Observer. “Isso contribui para o esgotamento das populações de atum, visto que as suas frotas se dedicam frequentemente à pesca ilegal, sobretudo em regiões como a Somália, onde a fiscalização da lei é limitada.”
A emissão de licenças a partir de regiões semiautónomas, como a Puntlândia ou a Somalilândia, complica ainda mais a aplicação das licenças de pesca. Por exemplo, o Ministério das Pescas e dos Recursos Marinhos de Puntlândia pode emitir licenças de pesca por mais de um ano, o que é mais longo do que a norma do governo federal da Somália, que é de três meses.
Robert McKee, um perito em segurança marítima global que trabalhou anteriormente com o Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime, disse a Omolo e Okumu que a aplicação das leis de pesca da Somália exige melhores centros regionais de monitorização, controlo e vigilância e forças de intervenção específicas.
“A apreensão de embarcações ilegais, a detenção dos infractores e a confiscação de equipamento de pesca ilícito são essenciais para salvaguardar o atum albacora sobreexplorado da Somália,” Omolo e Okumu escreveram para o projecto Enhancing Africa’s Capacity to Counter Transnational Crime (ENACT). O projecto ENACT é liderado principalmente por ISS, GI-TOC e Interpol.
A China é o terceiro maior exportador mundial de produtos de atum e o seu maior consumidor. Pequim comanda também a maior frota de pesca em águas longínquas do mundo e é, de longe, o pior infractor da pesca INN, de acordo com o Índice de Risco da Pesca INN. Entre as principais 10 empresas envolvidas na pesca ilegal, a nível global, oito são provenientes da China.
A análise de imagens de satélite efectuada pela organização não-governamental International Justice Mission e o testemunho de pescadores locais confirmam que a frota da Liao Dong Yu opera habitualmente demasiado perto da costa. Nos termos da legislação somali, os navios de pesca estrangeiros não estão autorizados a pescar a menos de 24 milhas náuticas (mais de 44 quilómetros) da terra. Esta zona é destinada aos pescadores locais.
Muitas vezes, os navios da frota desligam os transponders do sistema de identificação automática (AIS), uma prática conhecida como “ficar às escuras.” A frota chinesa pratica também a pesca com explosivos e o arrasto de fundo, que consiste em arrastar uma rede maciça ao longo do fundo do oceano, apanhando indiscriminadamente todo o tipo de vida marinha.
“A utilização da pesca de arrasto é destrutiva por natureza, principalmente o arrasto de fundo que causa danos aos recifes de coral e a outros ambientes marinhos,” Omar Abdulle Hayle, um especialista em pescas em Mogadíscio, disse ao jornal Nation do Quénia.
Os navios da frota Liao Dong Yu também são acusados de violações de direitos humanos e do trabalho. Num caso, 13 membros da tripulação dos seus navios disseram que os seus passaportes foram retidos e que foram forçados a trabalhar meses depois de os seus contratos terem expirado.
Um membro da tripulação disse ao GI-TOC que também foram privados de comida e de sono e que foram espancados pelo capitão. Quatro membros da tripulação tentaram escapar saltando borda fora e nadando até à costa da Somália. Três deles foram trazidos de volta para bordo. O quarto terá morrido afogado.
No final de Novembro de 2024, um grupo de pescadores somalis, cansados de ver uma arrastão da frota Lia Dong Yu a pescar a 2 milhas náuticas (3,7 quilómetros) da costa, atacou o barco, desarmou os seus guardas e obrigou o capitão a navegar pela costa, fugindo as autoridades durante sete semanas.
No dia 13 de Fevereiro, o arrastão foi liberto, incluindo toda a sua tripulação. Fontes locais disseram à Al Jazeera que os sequestradores partiram e seguiram caminhos diferentes.