Desde o ressurgimento, em 2022, do grupo rebelde M23 no leste, a República Democrática do Congo tem procurado defender a sua soberania através de uma estratégia militar que se tem apoiado fortemente em representantes, coligações, mercenários e forças aliadas.
Esta situação deu origem a uma mistura confusa de combatentes, longe da capital, Kinshasa. Nenhuma das forças regionais da África Oriental e Austral trouxe estabilidade, enquanto as milícias locais pró-governamentais chamadas Wazalendo (palavra Swahili para “patriotas”) e os rebeldes do M23 se têm combatido mutuamente e aterrorizado os civis com impunidade. Continuando a procurar formas de complementar as forças armadas congolesas (FARDC), o governo criou em 2023 uma reserva do exército, conhecida como Reserve Armée de la Défense (RAD), composta por grupos armados e membros de milícias.
O Parlamento aprovou o projecto de lei por unanimidade, mas criticou-o durante o debate. Um membro advertiu contra a construção de um “exército paralelo ao exército republicano.”
A RAD continua a ser conceitual dois anos depois, mas alguns peritos alertaram a RDC para a necessidade de utilizar grupos armados como auxiliares. Judith Verweijen, professora assistente de estudos de desenvolvimento internacional na Universidade de Utrecht, e Michel Thill, oficial de programa sénior do Instituto de Investigação Swisspeace, disseram recentemente que o exército de reserva da RDC iria perpetuar os erros do passado.
“A primeira versão da rebelião do M23 em 2012 foi o resultado de uma integração rebelde que correu mal,” escreveram num artigo de 27 de Janeiro para a revista The Conversation Africa. “O exército de reserva corre o risco de desencadear a mesma dinâmica de recompensa da rebelião, distribuindo posições aos líderes dos grupos armados e concedendo-lhes impunidade pela violência passada.”
A tomada da capital do Kivu do Norte, Goma, pelo M23, no final de Janeiro, representou uma grande escalada no que foram dois anos de combates quase diários. A presença de forças ruandesas aumentou o risco e a ameaça para os civis.
Rigobert Minani, do Centro de Estudos de Acção Social, sediado em Kinshasa, disse que nos últimos 30 anos se assistiu à participação de um número impressionante de forças armadas estatais e regionais e de grupos armados não estatais no conflito do Kivu.
“A diferença agora é que o M23 ocupa um território três vezes maior do que ocupava em 2012,” disse numa entrevista a Nathaniel Oakes, do Wilson Center, no dia 30 de Janeiro. “Há um envolvimento muito claro e muito pronunciado das forças especiais ruandesas que não hesitam em atravessar a fronteira e apoiar a rebelião para lutar contra o exército congolês.”
Um relatório de peritos das Nações Unidas, publicado em Julho de 2024, descreveu em pormenor o aumento de 3.000 a 4.000 soldados ruandeses e de armamento pesado para o leste da RDC. O apoio directo do Ruanda permitiu a expansão do M23, o que, por sua vez, deu aos líderes do governo congolês o ímpeto para legitimar os grupos armados como uma força voluntária de defensores do território.
Verweijen e Thill disseram que muitas das centenas de grupos armados no Kivu do Norte e do Sul se rebaptizaram como Wazalendo, mesmo que não façam parte da luta contra o M23.
“A maior parte dos grupos Wazalendo podem circular livremente e expandiram drasticamente as suas zonas de influência e sistemas violentos de geração de receitas,” escreveram. “Isso inclui a tributação nos mercados e a rápida proliferação de bloqueios de estradas, mas também raptos com resgate e assassinatos por encomenda. Há também provas de que os grupos Wazalendo estão envolvidos em tortura, violência sexual e detenções arbitrárias, e recrutam frequentemente crianças-soldados.”
Os peritos da ONU explicaram em pormenor como as autoridades governamentais e militares transportaram de avião os líderes de 48 grupos Wazalendo para Kinshasa em Abril de 2024 e lhes disseram para “permanecerem unidos” e continuarem a mobilizar “jovens” recrutas. As autoridades também disseram aos líderes Wazalendo que preparassem listas dos seus combatentes para que pudessem ser integrados no novo exército de reserva após o conflito com o M23.
Os oficiais das FARDC e as autoridades governamentais disseram repetidamente aos peritos da ONU que o fornecimento e a utilização de grupos Wazalendo em combate era um “mal necessário.” O presidente congolês, Felix Tshisekedi, também o afirmou, admitindo em 2024 ao jornal francês Le Monde, que os combatentes Wazalendo eram “civis não treinados.”
“A reserva do exército pode ser lida como a última tentativa de resolver o problema, com décadas de existência, de se livrar dos muitos grupos armados no leste da RDC, desta vez trazendo-os para o seio do Estado, mas não para o exército,” escreveram Verweijen e Thill.
“No entanto, esta solução corre o risco de desencadear muitas das mesmas dinâmicas prejudiciais que a integração do exército. Pode alimentar a mobilização armada e a militarização em vez de contê-la.”