EQUIPA DA ADF
Virginia Gamba alertou recentemente para o aumento do recrutamento de crianças pelas forças armadas estatais e por grupos armados não estatais em toda a África, em particular na República Democrática do Congo, no Mali, em Moçambique, na Somália e no Sudão.
“Os gritos destas crianças ecoam nas zonas de conflito, mas, com demasiada frequência, o mundo permanece em silêncio,” afirmou o Representante Especial das Nações Unidas para as Crianças e os Conflitos Armados num comunicado de 31 de Dezembro de 2024.
“A sua dor é uma mancha na nossa consciência colectiva. Temos de fazer melhor, porque cada vez que nos atrasamos, outra criança torna-se apenas mais um número na longa lista de baixas e violações relacionadas com conflitos nos relatórios sobre crianças e conflitos armados.”
Em 2023, 8.655 crianças foram recrutadas e destacadas para conflitos armados, de acordo com o último relatório anual do Secretário-Geral da ONU sobre Crianças e Conflitos Armados, publicado em Junho de 2024.
A ONU verificou um “aumento particularmente elevado” de recrutamento de crianças, principalmente por grupos armados não estatais, e analisou os números em vários países africanos.
República Centro-Africana: 103 casos, incluindo 23 casos de forças governamentais e pró-governamentais que utilizaram crianças em funções de apoio.
República Democrática do Congo: 1.861 crianças, incluindo 326 raparigas, foram recrutadas e destacadas por grupos armados não estatais. A ONU elogiou “a ausência contínua de casos verificados de recrutamento e utilização pelas Forças Armadas da República Democrática do Congo e pela Polícia Nacional Congolesa.”
Mali: 691 casos, incluindo 79 casos de crianças utilizadas em funções de apoio pelas forças de segurança do Mali. A ONU manifestou a sua preocupação com os níveis de recrutamento de crianças e instou a junta militar a criminalizar a sua utilização.
Nigéria: 680 crianças, incluindo 431 raparigas, foram raptadas, recrutadas e utilizadas por grupos terroristas.
Somália: Foram recrutadas e utilizadas 658 crianças, das quais 559 pelo grupo terrorista al-Shabaab, 23 pelas forças governamentais regionais e 15 pelas forças de segurança governamentais.
Sudão do Sul: 152 casos, incluindo 65 crianças recrutadas e utilizadas pelas Forças de Defesa Popular do Sudão do Sul.
Sudão: 209 casos, dos quais 87 pelas Forças de Apoio Rápido. A ONU registou 112 casos verificados de crianças utilizadas em funções de combate.
O relatório da ONU refere ainda 169 rapazes recrutados maioritariamente por grupos terroristas no Burquina Faso e 40 crianças recrutadas e utilizadas por grupos armados na província moçambicana de Cabo Delgado.
Naomi Haupt, antropóloga e investigadora da Universidade do Estado Livre, na África do Sul, afirmou que os grupos que recrutam crianças violam os seus direitos e o direito humanitário internacional.
“Os menores juntam-se normalmente a grupos armados através de rapto ou coerção — recrutados como combatentes, vigias, carregadores, espiões, cozinheiros ou escravos sexuais,” escreveu num artigo de 7 de Janeiro para o Instituto de Estudos de Segurança, sediado em Pretória. “As raparigas são especialmente vulneráveis, obrigadas a trabalhar como espiãs, cozinheiras e combatentes. Algumas são obrigadas a casar com combatentes.”
Haupt afirmou ainda que os países onde se recorre a crianças combatentes têm custos económicos elevados, descrevendo dificuldades significativas para o desenvolvimento nacional a longo prazo.
“A falta de escolaridade resulta na perda de capital humano e na redução da produtividade, contribuindo para a estagnação económica a longo prazo, a diminuição da participação da força de trabalho, o aumento das taxas de pobreza e a redução do investimento estrangeiro devido à instabilidade actual,” escreveu. “Os países também incorrem em custos acrescidos de serviços sociais relacionados com os cuidados de saúde e as necessidades legais das antigas crianças-soldado, juntamente com a instabilidade social resultante dos desafios da reintegração.”
Haupt instou os países africanos a reafirmarem o seu empenho na protecção das crianças e o seu apoio aos programas de desarmamento, desmobilização e reintegração.
A Convenção sobre os Direitos da Criança foi ratificada por 196 países e 173 ratificaram o protocolo facultativo da convenção que proíbe o recrutamento de crianças com menos de 18 anos de idade para conflitos armados.
As Comores, a Guiné Equatorial e São Tomé e Príncipe são os únicos países africanos que não assinaram o acordo. A Libéria, a Somália e a Zâmbia assinaram o acordo, mas não o ratificaram.
Apesar de vários conflitos aparentemente intratáveis no continente onde as crianças continuam a ser destacadas, Gamba continua esperançosa.
“Ao entrarmos em 2025, vamos escolher a compaixão em vez da indiferença e a paz em vez da guerra,” afirmou. “Vamos provar-lhes que os seus desejos são importantes, que elas são importantes. Juntos podemos reescrever as histórias destas crianças — não com medo e perda, mas com cura e esperança.”