COMANDANTE OWONAM EQUERE, MARINHA NIGERIANA
África tem assistido a um aumento preocupante de golpes de Estado, que faz lembrar as primeiras décadas pós-coloniais em que eram comuns. De 2020 a 2023, houve nove golpes militares bem-sucedidos em África, seis dos quais na África Ocidental: dois no Mali (Agosto de 2020 e Maio de 2021), um na Guiné (Setembro de 2021), dois no Burquina Faso (Janeiro de 2022 e Setembro de 2022) e um no Níger (Julho de 2023). Durante este período, relatos de tentativas de golpe de Estado na Gâmbia, na Guiné-Bissau, no Mali, no Níger e na Serra Leoa revelam a possibilidade de uma maior instabilidade política.
A África Ocidental enfrenta múltiplos desafios em matéria de segurança, como o terrorismo, o extremismo violento, a violência intercomunitária e o banditismo. Há provas de que a vaga de golpes de Estado está a agravar a fragilidade da região. O Burquina Faso registou uma duplicação do número de vítimas mortais da violência extremista no ano que se seguiu aos golpes de Estado. No ano seguinte ao golpe de Estado, o Níger registou um aumento de 60% do número de vítimas mortais da violência extremista. O Mali registou um aumento de 70% dos ataques terroristas no ano que se seguiu ao golpe de Estado de 2021.
Principais Factores de Golpes de Estado na África Ocidental
Vários factores contribuíram para este ressurgimento dos golpes. Em primeiro lugar, o clima geopolítico. Muitos dos golpes de Estado recentes tiveram lugar em antigas colónias francesas, o que permitiu aos golpistas tirar partido do sentimento antifrancês e apresentarem-se como heróis na luta contra o colonialismo. Relacionado com este facto está a rivalidade geopolítica no Sahel entre o Ocidente, a Rússia e a China por recursos e influência. As juntas do Burquina Faso, do Mali e do Níger receberam apoio tácito ou explícito da Rússia, o que reforçou a legitimidade dos seus regimes, minou as reacções antigolpe e encorajou outros conspiradores militares da região que procuravam perturbar a democracia constitucional. A maior parte das nações sob domínio militar entraram na órbita de influência da Rússia e acolheram mercenários russos para operarem no seu território.
Outro factor é a falta de boa governação por parte dos líderes políticos eleitos nos países afectados por golpes de Estado. O facto de muitos líderes africanos não honrarem os contratos sociais com os seus cidadãos e não utilizarem o poder democrático para o bem público cria as condições para o apoio popular aos golpes militares. A corrupção generalizada, a pobreza extrema, o desemprego generalizado e a insegurança caracterizam os quatro países recentemente afectados por golpes militares. Não é de admirar que a maioria destes líderes golpistas tenha sido bem recebida pelos cidadãos que procuravam desesperadamente uma alternativa de liderança. Além disso, põe em evidência a crise da relação entre o Estado e a sociedade.
Os golpes de Estado na região foram favorecidos pela crise das relações civis-militares e pela politização do sector da segurança. Alguns dirigentes recorrem às forças armadas para proteger o regime ou torná-lo “à prova de golpes de Estado.” Esta estratégia inclui a criação de guardas presidenciais com enorme poder e autoridade para além da instituição militar. Na maioria dos casos, estas guardas são criadas fora da cadeia de comando militar reconhecida, sem responsabilidade nem transparência. Estão cheios de soldados que se acredita serem leais ao regime. O resultado é a erosão dos valores militares fundamentais do profissionalismo, da lealdade à Constituição e da disciplina organizacional. Assim, não é surpreendente que a maioria dos golpes de Estado na região tenha sido liderada por elementos da guarda presidencial, enquanto o exército, como instituição, se mantive afastado.
Do mesmo modo, a percepção da incapacidade do governo para garantir a segurança dos seus cidadãos cria condições favoráveis aos golpes de Estado. O dinamismo do ambiente de segurança expôs o enorme fosso entre a capacidade das instituições de segurança nacionais e as actividades crescentes dos grupos terroristas. De acordo com o Índice Global de Terrorismo, o Sahel é actualmente responsável por 43% das mortes causadas pelo terrorismo a nível mundial. A ineficácia da liderança civil, associada à capacidade limitada das forças de segurança para cumprirem as suas responsabilidades, aumenta a pressão pública sobre as forças armadas e justifica os golpes de Estado.
Uma Região em Perigo
O nexo de instabilidade no Sahel é a zona da tríplice fronteira partilhada por Burquina Faso, Mali e Níger. Este é o epicentro de uma crise em rápido crescimento, com níveis sem precedentes de violência armada e insegurança. Mais de 12,8 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária nestes países. Milhões de pessoas foram desalojadas e as escolas, os cuidados de saúde e a agricultura foram afectados de forma generalizada. Os três países são governados por juntas militares.
Os líderes dos golpes de Estado, muitas vezes, invocam esta insegurança para justificar as suas acções, mas os golpes de Estado tendem a agravar os problemas em vez de os resolver.
Capacidade de estado reduzida: O primeiro impacto óbvio dos golpes de Estado é o enfraquecimento da liderança política nacional e da capacidade do Estado. Muitas vezes, os golpes resultam em lideranças políticas fracturadas e fracas que podem não dar prioridade à cooperação em matéria de segurança regional. Os líderes militares, muitas vezes, carecem da credibilidade internacional, da vontade política e da experiência necessárias para enfrentar os desafios em matéria de segurança. Por exemplo, antes do golpe de Estado no Níger, o presidente democraticamente eleito, Mohamed Bazoum, desempenhou um papel importante na angariação de apoio internacional para a luta regional contra o terrorismo e a migração irregular. Também atraiu financiamento para iniciativas de desenvolvimento no Sahel. No entanto, desde que efectuou o derrube em 2023, a prioridade da junta tem sido consolidar o poder e proteger-se. Do mesmo modo, no Burquina Faso e no Mali, os desafios da transição política desviaram a atenção dos esforços de luta contra as insurgências regionais. Na mesma linha, as sanções internacionais impostas após os golpes de Estado enfraquecem a capacidade do Estado para responder à insegurança. Por exemplo, no Burquina Faso, no Mali e no Níger, houve uma cessação da assistência em matéria de defesa e segurança por parte dos aliados ocidentais, que foi exacerbada pelas sanções diplomáticas, comerciais e financeiras da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Este isolamento internacional não só afecta a capacidade dos Estados de contribuírem para os esforços de segurança regional, como também diminui a sua capacidade de responder às necessidades humanitárias. O vazio daí resultante permite que os terroristas se insinuem junto das populações locais, fornecendo serviços e bens básicos e prometendo garantir a protecção que o governo central não conseguiu assegurar.
Parcerias de segurança quebradas: Os golpes de Estado também estão a fazer descarrilar as parcerias de segurança. Nos últimos anos, os desafios colocados pelo terrorismo e pela insurgência no Sahel estimularam várias iniciativas de cooperação em matéria de segurança, incluindo a Força-Tarefa Conjunta Multinacional, a Operação Barkhane liderada pela França, a missão Takuba liderada pela União Europeia, a Força Conjunta do G5 Sahel e a missão de manutenção da paz da ONU no Mali. Os golpes de Estado minaram quase todos estes acordos de cooperação. Desde que assumiu o poder no Mali, em Agosto de 2020, a junta militar tomou medidas para alienar os seus parceiros de segurança regionais e internacionais. Estas incluem a detenção de soldados costa-marfinenses enviados para apoiar a missão da ONU, a expulsão de altos funcionários da ONU e a retirada unilateral do G5 Sahel. Esta situação reduziu a coordenação de segurança do Mali com os seus vizinhos e expôs as suas zonas fronteiriças a ataques. As juntas do Burquina Faso e do Níger também afastaram os parceiros de segurança tradicionais, o que levou a uma diminuição da pressão militar contra os grupos terroristas.
Quando os aliados ocidentais reduziram o seu apoio ao Burquina Faso, ao Mali e ao Níger em resposta aos golpes de Estado, ficou uma lacuna na arquitectura de segurança regional. A consequência é que os grupos insurgentes podem consolidar o controlo político, impor a ideologia conservadora nos territórios ocupados e complicar os esforços do Estado para restabelecer o controlo dessas áreas. Estas juntas procuraram parceiros alternativos, nomeadamente os mercenários russos do Grupo Wagner. A introdução do Grupo Wagner no complexo de segurança regional suscita preocupações, tendo em conta o seu historial de violações de direitos humanos e os seus esforços para obter lucros em zonas de conflito.
Prejuízo para o comércio transfronteiriço: Os golpes de Estado estão a perturbar as iniciativas de desenvolvimento transfronteiriço no Sahel. Alguns dos principais projectos de desenvolvimento incluem a Auto-Estrada Trans-Sahariana, o Gasoduto Trans-Sahariano e o Gasoduto Marrocos-Nigéria. Estes projectos são essenciais para a conectividade e a integração regionais, o que reduz o potencial de conflitos em torno dos recursos, aumenta a resistência regional às ameaças à segurança e contribui para a estabilidade a longo prazo. Os golpes não só limitam a capacidade de os parceiros internacionais trabalharem com os países afectados, como também prejudicam os acordos de segurança transfronteiriços, tais como os sistemas de vigilância e o desenvolvimento conjunto de infra-estruturas nos postos fronteiriços. Limitam igualmente a aplicação de mecanismos conjuntos de controlo das fronteiras para verificar a circulação de mercadorias ilícitas, armas e indivíduos envolvidos na criminalidade ou no terrorismo. Os terroristas e os criminosos transnacionais podem explorar as lacunas criadas por disposições de segurança transfronteiriça enfraquecidas.
Blocos regionais enfraquecidos: A proliferação de golpes de Estado na África Ocidental é susceptível de enfraquecer a CEDEAO. A incapacidade da CEDEAO para impedir ou inverter golpes de Estado, através de sanções ou de intervenções militares, pode levar a uma perda de confiança no bloco regional. As Juntas do Burquina Faso, da Guiné, do Mali e do Níger foram encorajadas e formaram uma aliança para diluir a eficácia das sanções da CEDEAO, como o encerramento das fronteiras. Os três países do Sahel aumentaram a fasquia ao anunciarem a sua retirada do bloco regional e a formação da Aliança dos Estados do Sahel, complicando os compromissos da CEDEAO com os respectivos líderes militares de transição. Esta divisão e fractura no seio da CEDEAO poderá enfraquecer a sua influência e a sua posição antigolpes, aumentando a possibilidade de futuros golpes de Estado. O enfraquecimento da CEDEAO tem implicações para o seu papel na prevenção de conflitos, na mediação e na manutenção da paz. Do mesmo modo, as iniciativas de segurança regional no domínio da luta contra o terrorismo, o crime organizado e as ameaças à segurança transfronteiriça poderão ficar comprometidas.
O Caminho a Seguir
A actual situação na Guiné, no Mali, no Burquina Faso e no Níger afectou a capacidade dos Estados de contribuírem para a luta regional contra o terrorismo, fez descarrilar os esforços de cooperação regional, perturbou as iniciativas de desenvolvimento transfronteiriço e pode vir a enfraquecer a CEDEAO. Perante este cenário, a União Africana, a CEDEAO e a comunidade internacional precisam de uma abordagem mais matizada. O regime de sanções contra as juntas não está a ter o efeito dissuasor desejado, mas antes isola estes países que são cruciais para a arquitectura de segurança regional. Por conseguinte, a UA e a CEDEAO devem intensificar os contactos diplomáticos com os líderes militares de transição para um rápido regresso à ordem constitucional. Quando a ordem constitucional for restabelecida, a UA e a CEDEAO devem promover uma reforma abrangente do sector da segurança nestes países, a fim de garantir que as forças armadas sejam profissionais, adequadamente financiadas e capazes de responder aos desafios de segurança que enfrentam.
Além disso, é imperativo que a UA trabalhe em estreita colaboração com a CEDEAO para liderar a luta contra o terrorismo e o extremismo violento no Sahel, reduzindo a dependência excessiva dos parceiros internacionais e os riscos associados à sua retirada prematura. Dadas as fragilidades dos países afectados e a possibilidade de alastramento da violência, os países costeiros como o Benin, a Costa do Marfim, o Gana e o Togo têm de fazer análises de risco regulares para aumentar o seu estado de preparação para responder às ameaças do Sahel e às crises humanitárias daí resultantes. Para desencorajar novos golpes de Estado, a UA e a CEDEAO devem aplicar de forma rigorosa e imparcial as normas democráticas e de governação consagradas nos vários quadros normativos. A UA e a CEDEAO devem tomar medidas rápidas e decisivas contra os dirigentes que violam os princípios da governação democrática.
Sobre o autor: O Comandante da Marinha Owonam Equere é um oficial marinheiro no ramo executivo da Marinha Nigeriana. Faz parte da Missão Permanente da Nigéria junto da União Africana. Possui uma licenciatura em ciências biológicas pela Academia de Defesa da Nigéria, um mestrado em gestão ambiental pela Universidade de Lagos e um mestrado em defesa e política internacional pelo Instituto de Gestão e Administração Pública do Gana. Equere está a tirar outro mestrado em paz e gestão de conflitos no Instituto Internacional de Formação de Apoio à Paz em Adis Abeba, Etiópia.