EQUIPA DA ADF
Richard Kanu serviu nas forças armadas da Serra Leoa durante mais de 10 anos, mas nada o preparou para o exército russo, para o qual diz ter sido induzido a alistar-se.
Enquanto emigrante em São Petersburgo, candidatou-se a um emprego assinando alguns documentos em russo. Só se apercebeu que tinha assinado um contrato de serviço militar quando chegou a uma base em Rostov-on-Don, nos arredores da Ucrânia.
“Puseram-nos num camião e dei por mim em Donetsk”, disse ao site de notícias Kyiv Independent em 2024. “Disseram que o contrato que assinei era para ir para a guerra.”
A propaganda russa, muitas vezes, destaca histórias de voluntários de nações africanas “amigas” ou “neutras” que se juntaram ao exército para combater na Ucrânia, mas muitos destes recrutas não se voluntariaram de todo. Foram enviados para a linha da frente através do engano e da coerção.
Desde o início de 2024, um total de 3.344 cidadãos estrangeiros que foram combater na Ucrânia receberam a cidadania russa, de acordo com o Ministério do Interior russo.
The Insider, um meio de comunicação social independente e centrado na Rússia, estima que cerca de 2.000 cidadãos de mais de 50 países combateram na região de Donbas, 75% dos quais apoiam a Rússia.
Os campos de prisioneiros de guerra ucranianos albergam algumas dezenas de combatentes estrangeiros, segundo o The Insider.
“Nenhum foi trocado no último ano”, escreveu num relatório de 7 de Novembro. “Isto deve-se em parte ao facto de as autoridades russas não terem solicitado a sua troca e de, nos seus países de origem, muitos destes indivíduos enfrentarem processos criminais pela sua actividade mercenária.”
Os horrores da guerra chocaram Kanu. Muitos dos homens com quem treinou em Rostov-on-Don, alguns deles trabalhadores emigrantes de África, jaziam mortos no chão em Donetsk.
Ao perder centenas e, por vezes, até 1.000 soldados por dia na sua invasão da Ucrânia, a Rússia recorreu ao desespero nas suas tentativas de reforçar as suas tropas caídas. De acordo com as autoridades europeias e membros da comunidade internacional de informações, utilizaram combatentes estrangeiros em ataques de onda humana, tratando imprudentemente os homens como carne para canhão.
Mesmo depois de ter ferido o pé, Kanu foi forçado a atacar uma posição ucraniana fortemente defendida com dois outros homens quando foi capturado.
“Eu disse: ‘um tanque está lá, RPG está lá, drones, toda a diferente artilharia. Como é que esperam que consigamos capturar aquele lugar?’ O comandante disse: ‘Não me interessa. Têm de enfrentar o vosso inimigo,’” contou Kanu. “O comandante empurrou-nos para fora e disse-nos para irmos.”
O somali Adil Muhammad também disse ter sido enganado para se alistar nas forças armadas enquanto migrante na Rússia. Aceitou uma oferta de emprego para ser segurança. Pensou que estaria a guarnecer um banco ou um hospital.
“Ninguém me disse que se vai para a linha da frente, que se vai matar,” disse ao Independent. “Quando estamos a ir para a linha da frente, já sei que algo está errado.”
Aí, viu outros estrangeiros entre as fileiras das forças russas, incluindo homens do Gana, Egipto, Marrocos e Nigéria.
Depois da formação em Rostov-on-Don, foi enviado para Donetsk. Foi capturado após quatro dias do que ele chamou de “correr pela vida.”
Actualmente, como prisioneiro de guerra na Ucrânia, diz-se arrependido de ter ido para a Rússia e espera que a sua história dissuada outros de seguirem o mesmo caminho.
“Meti-me nesta situação porque não conheço a língua”, disse. “Meti-me num grande problema.”