EQUIPA DA ADF
Hania vivia em Fayu, no Estado sudanês do Cordofão do Sul, quando os combatentes das Forças de Apoio Rápido (RSF) chegaram à comunidade.
Grávida de três meses na altura, Hania foi raptada com outras mulheres e raparigas e levadas para um campo onde foram presas com outras 30 mulheres da região.
“Fizeram um curral, como para os animais, com arames e paus,” Hania, de 18 anos, disse à Human Rights Watch (HRW). “Depois acorrentaram-nos. Dez raparigas para um conjunto de correntes.”
Tal como outras mulheres Nuba entrevistadas pela HRW, Hania foi feita escrava sexual. Os combatentes das RSF violaram-na várias vezes por dia durante três meses. A HRW utilizou um pseudónimo para Hania para a proteger.
Por fim, Hania escapou do campo. Mas ela nunca mais será a mesma.
“Não consigo funcionar normalmente,” disse à HRW. “Não consigo terminar nem as tarefas mais simples, ao ponto de as pessoas perguntarem se perdi o juízo. Digo-lhes que depois de todo o sangue e mortos que vi, a minha cabeça não poderia estar bem.”
Em todo o Cordofão do Sul, os defensores dos direitos humanos documentaram quase 80 violações de mulheres e raparigas por combatentes das RSF na primeira metade de 2024. A idade das vítimas variava entre os 7 e os 50 anos.
O número real de crimes sexuais cometidos pelas RSF é provavelmente mais elevado do que o que foi relatado, escreveram os investigadores da HRW.
Desde que a guerra eclodiu entre as RSF e as Forças Armadas do Sudão (SAF) em Abril de 2023, os árabes étnicos que dominam as RSF concentraram grande parte da sua energia em atacar as comunidades não árabes nos territórios que ocupam.
Uma missão de apuramento de factos das Nações Unidas, em Outubro de 2024, descreveu a violência sexual das RSF como “espantosa.”
No Darfur, os combatentes das RSF violaram mulheres das comunidades étnicas Fur, Masalit e Zaghawa.
Uma vítima em El Geneina, a capital do Darfur Ocidental, contou aos investigadores da ONU que o seu violador apontou-lhe uma arma e disse: “Vamos obrigar-vos, as raparigas Masalit, a dar à luz crianças árabes.”
No Cordofão do Sul, Hania contou que uma das suas amigas engravidou depois de ter sido violada. A sua família disse à HRW que a tinha escondido depois de o seu tio ter ameaçado matá-la.
O Cordofão do Sul está em grande parte sob o controlo do Movimento Popular de Libertação do Sudão-Norte (SPLM-N), de maioria Nuba, que tem lutado contra as RSF e as SAF para proteger os residentes do Estado do conflito em curso.
As vítimas de agressão sexual disseram aos investigadores que os seus agressores usavam uniformes das RSF. Em alguns casos, as vítimas conheciam os seus agressores. Noutros casos, os agressores violavam as vítimas nas suas casas depois de terem matado outros membros da família.
Uma mulher Nuba não identificada disse aos investigadores da HRW que o seu marido e filho tentaram protegê-la dos atacantes das RSF que invadiram o complexo familiar.
“Um dos combatentes das RSF disparou e matou-os,” disse. “Depois continuaram a violar-me, todos os seis.”
De acordo com Belkis Wille, directora-adjunta da HRW para crises e conflitos, as histórias das vítimas de violação ilustram a magnitude da violência sexual que os combatentes das RSF estão a cometer nas áreas que controlam.
“A violência sexual relacionada com conflitos é uma violação grave do direito humanitário internacional, ou das leis da guerra, e um crime de guerra,” escreveram os investigadores da HRW no seu relatório. “Quando as pessoas são mantidas em condições de escravidão — quando os seus captores exercem um controlo semelhante ao direito de propriedade sobre elas — e sujeitas a violência sexual, isso constitui escravatura sexual.”
Os investigadores da HRW apelaram à ONU e à União Africana para lançarem uma missão para proteger os civis da violência que assola o Sudão. A missão deve incluir a documentação dos casos e a prestação de ajuda aos sobreviventes de agressões, escreveram. A ONU deve reforçar o apoio a uma missão de apuramento de factos para ajudar a levar os autores dos crimes à justiça, acrescentaram.
“As vítimas sudanesas mal têm tido acesso a serviços, quanto mais a indemnizações ou a esforços significativos para pôr termo a estes crimes horríveis,” Wille afirmou no relatório da HRW.