EQUIPA DA ADF
Numa pista de aterragem num local não revelado na África do Sul, a empresa Milkor assinalou um marco histórico. No dia 19 de Setembro de 2023, o Milkor 380, um veículo aéreo não tripulado de média altitude e longa duração, subiu aos céus pela primeira vez.
O voo do VAN, com uma envergadura de 18,6 metros, colocou a África do Sul num grupo de elite de cerca de 10 países em todo o mundo capazes de produzir um drone com esta dimensão e sofisticação.
“Este é oficialmente o maior VANT alguma vez produzido, desenvolvido, pilotado e testado no continente africano,” afirmou Daniel du Plessis, Director de Comunicação da Milkor.
Com um alcance máximo de 4.000 quilómetros e uma autonomia de 35 horas, o VANT é ideal para missões de informação, vigilância e reconhecimento (ISR). Com uma carga útil de 220 quilogramas, também pode transportar armas emparelhadas com um sistema de câmara para identificar, seguir e atacar um alvo e avaliar a missão posteriormente.
Talvez o aspecto mais emocionante do lançamento seja o facto de 95% das componentes do Milkor 380 terem sido desenvolvidas localmente. Este é um grande avanço em relação às gerações anteriores de drones que dependiam fortemente de peças fabricadas no estrangeiro.
“Penso que uma das principais razões que tornam este projecto tão notável é o facto de muitos países, desenvolvidos ou não, terem tido dificuldade em reunir o pacote completo de uma solução totalmente localizada,” afirmou du Plessis. “E nós fizemo-lo.”
Milkor não é o único. A indústria dos drones no continente está em plena expansão, com 13 empresas africanas a produzir pelo menos 35 modelos, de acordo com dados compilados pelo site de segurança Military Africa. Os drones são utilizados para a vigilância das fronteiras, para monitorizar a caça furtiva e a pesca ilegal e para entregar medicamentos ou outros bens em regiões remotas. Os defensores acreditam que este crescimento no sector dos drones irá baixar os preços e permitir que os fabricantes africanos desenvolvam modelos adaptados às condições únicas e aos desafios de segurança do continente.
Mas o crescimento também acarreta riscos. Em 2023, as mortes de civis causadas por drones e ataques aéreos aumentaram para 1.418, em comparação com 149 em 2020, de acordo com dados do Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos. Os grupos extremistas também cobiçam os drones. O al-Shabaab na Somália, a Província da África Ocidental do Estado Islâmico na Nigéria e grupos terroristas em Moçambique utilizaram drones prontos a usar para vigilância e para fazer vídeos de propaganda. Há indícios de que os terroristas, sobretudo os ligados ao grupo Estado Islâmico (EI), planeiam utilizar drones comerciais como armas.
Os especialistas afirmam que o crescimento do sector africano dos drones deve ser acompanhado de supervisão, regras e medidas de segurança.
“Esta democratização de uma tecnologia relativamente acessível significa que [os drones] podem ser utilizados para fins nefastos, tanto em tempo de guerra como de paz,” alertou a investigadora Karen Allen, escrevendo para o Instituto de Estudos de Segurança (ISS). “O continente apresenta um ambiente vulnerável onde drones armados podem ser testados e utilizados tanto por militares como por insurgentes.”
A Necessidade de Soluções Locais
O primeiro drone de fabrico africano surgiu da investigação realizada em meados da década de 1970 pelo Conselho para a Investigação Científica e Industrial da África do Sul, financiado pelo governo e pela empresa de fabrico de equipamento de defesa anteriormente denominada Kentron. O Champion levantou voo em 1977 e foi utilizado pelos militares da antiga Rodésia para vigilância, tendo sido posteriormente adquirido pela Força Aérea da África do Sul.
Pelo menos 31 forças armadas africanas operam actualmente drones, com cerca de 200 novos drones adicionados todos os anos às frotas militares. Os drones fabricados internamente são ainda bastante raros, representando apenas cerca de 12% da frota total. Os líderes neste domínio incluem empresas no Egipto, Etiópia, Quénia, Nigéria, África do Sul e Sudão.
Ekene Lionel, director do site Military Africa, fez uma extensa pesquisa sobre a indústria e compilou uma lista de todas as aquisições de VANT pelas forças armadas africanas entre 1980 e 2024. Ao estudar as tendências, encontrou vários factores que levam os países africanos a investir na capacidade de produção interna:
CUSTO: A produção local pode reduzir os custos associados aos impostos de importação, à expedição e às taxas de câmbio.
PERSONALIZAÇÃO: Os fabricantes nacionais podem adaptar os drones às necessidades regionais específicas, às condições climáticas e aos requisitos operacionais.
AUTO-SUFICIÊNCIA: Os países acreditam que a sua segurança nacional é reforçada quando não precisam de depender de fornecedores estrangeiros para drones ou peças de drones.
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA: A construção de drones a nível local permite a transferência de conhecimentos, o desenvolvimento de competências e os avanços tecnológicos no país.
IMPLANTAÇÃO MAIS RÁPIDA: Os drones desenvolvidos internamente podem estar nas mãos dos profissionais de segurança e ser utilizados mais rapidamente do que os drones encomendados no estrangeiro.
Durante a sua investigação, Lionel ouviu falar de entusiasmo e orgulho no sector dos drones em expansão no continente.
“Talvez a parte que mais me interessa seja o facto de uma indústria de armamento nacional robusta reforçar a dissuasão militar de um país,” Lionel disse à ADF. “Ao produzirmos o nosso próprio armamento avançado, podemos assegurar um fornecimento fiável, adaptar o equipamento às nossas necessidades específicas e manter um estado de prontidão contra potenciais ameaças.”
Lionel também acredita que a tecnologia dos drones, originalmente desenvolvida para fins de segurança, pode dar origem a todo o tipo de novas aplicações. Os drones estão a ser utilizados para cartografia, entrega de medicamentos e pulverização de culturas. Prevê-se que o mercado dos drones triplique entre 2022 e 2031.
“Investir na produção local de armas cria empregos, promove o desenvolvimento de competências e estimula várias indústrias, desde o fabrico à investigação e desenvolvimento,” afirmou Lionel. “Estes esforços conduzem a avanços na engenharia, na ciência dos materiais e noutras indústrias de alta tecnologia, que podem ter efeitos secundários, beneficiando outros sectores da economia.”
Inovadores da Defesa
O sector privado está a liderar a inovação em drones, mas, em alguns casos, as forças armadas africanas estão a entrar no negócio da investigação e desenvolvimento. O Instituto de Tecnologia da Força Aérea da Nigéria é o segundo maior fabricante de drones do continente e já produziu 20 unidades desde o início da produção no início dos anos 2000, de acordo com o site Military Africa.
Em 2018, revelou o VANT Tsaigumi, desenvolvido em colaboração com a UAVision de Portugal. Com a asa montada acima da fuselagem, pode voar a alturas até 4.600 metros e tem um raio de missão de 100 quilómetros. Foi criado para tarefas como ISR, patrulha marítima, monitorização de condutas e linhas eléctricas, previsão meteorológica e monitorização de habitats de vida selvagem para detecção de caçadores furtivos.
A Nigéria registou o terceiro maior número de aquisições de drones militares do continente, com 177, e é um dos poucos países que possui a sua própria escola de formação de pilotos de VANT.
Durante a anual Cimeira das Forças Aéreas Africanas, em Abuja em 2024, o Marechal Hasan Abubakar, chefe do Estado-Maior da Força Aérea Nigeriana, afirmou que o seu país quer ser um líder inovador nos domínios dos VANT, armas ligeiras, foguetes e radar. Referiu a recente criação do Centro de Desenvolvimento de Veículos Aéreos, que permitirá ao país desenvolver e fabricar componentes aeronáuticas a nível interno.
“Para manter a sua vantagem competitiva no cenário de segurança em constante evolução, a [Força Aérea Nigeriana] embarcou num robusto esforço de I&D para acompanhar as tecnologias emergentes e a sua aplicação na guerra moderna,” disse Abubakar.
Marrocos, que possui a segunda maior frota de drones militares do continente, também está a tentar produzir a aeronave. Em Março de 2024, anunciou que iria estabelecer uma parceria com a Israel Aerospace Industries e criar uma unidade de fabrico para produzir VANT a nível nacional. As instalações de Rabat produzirão os modelos WanderB e ThunderB, utilizados principalmente para ISR, de acordo com uma reportagem do Le Monde.
O Perigo do Boom
Embora a maioria dos VANT que estão a ser desenvolvidos e construídos em África se destinem à vigilância, os drones armados também fazem parte do menu. Os fabricantes nigerianos têm dois em fase de protótipo — um helicóptero VANT de seis braços, armado com uma bomba de 250 quilos e uma munição táctica Ichoku. O Egipto construiu o drone armado EJune-30, que pode voar durante 24 horas, e o Sudão construiu um drone de munições de localização Kamin-25.
Os drones armados construídos no estrangeiro foram utilizados em conflitos na Etiópia, na Líbia, na Nigéria, no Sudão e noutros locais.
Lionel afirmou que este aspecto do fabrico de drones deverá crescer “exponencialmente” nos próximos anos, e que os drones semiautónomos e com IA produzidos em África poderão não estar longe.
Existe o perigo iminente de os grupos terroristas adquirirem drones. Na Somália, o al-Shabaab tem utilizado drones para vigilância e os especialistas receiam que outros grupos planeiem utilizar drones para atacar alvos militares e civis. O custo não é um obstáculo à aquisição destas ferramentas. O drone mais comum utilizado pelo EI em ataques no Médio Oriente é o DJI Phantom, que pode ser comprado na Amazon por 400 a 500 dólares.
“O que vimos com os pequenos drones comerciais é que, quando utilizados por grupos sem equipamento, sem recursos e sem formação, essas organizações são muito mais eficazes,” a repórter Heather Somerville disse num podcast do Wall Street Journal. “E podem causar estragos mesmo em forças militares fortes e sofisticadas.”
Allen, da ISS, disse que os governos devem analisar a forma de criar sistemas de registo para drones e mecanismos para sinalizar a entrega de compras em massa de drones para amadores.
“Embora regulamentos mais rigorosos não impeçam necessariamente as utilizações nefastas da tecnologia dos drones, podem fornecer sinais de alerta precoce,” escreveu Allen. “Dadas as vastas aplicações dos drones, será necessária uma abordagem em que os departamentos governamentais coordenem as suas respostas.”
As forças armadas e as agências policiais também terão de desenvolver estratégias para proteger locais vulneráveis, incluindo aeroportos, centrais eléctricas e infra-estruturas de comunicações. Terão de investir em tecnologia anti-VANT para melhorar a sua capacidade de seguir os drones no ar e abatê-los quando representam uma ameaça.
“Pessoalmente, acredito que é inevitável que elementos não-estatais venham, com o tempo, a deitar a mão a drones comercialmente disponíveis, que poderão transformar em armas,” disse Lionel. “Os profissionais de segurança africanos devem ser proactivos na mitigação desta ameaça.”