EQUIPA DA ADF
Dois grandes atentados contra as forças de segurança malianas e mercenários russos em 2024 deixaram alguns habitantes de Bamako nervosos.
O sentimento na capital do Mali afasta-se das anteriores manifestações públicas de apoio à junta militar no poder, liderada pelo Coronel Assimi Goïta, antes dos ataques, e sugere que a aceitação contínua dos militares poderá depender da sua capacidade de garantir a segurança.
Isso segundo Mvemba Phezo Dizolele, director e investigador do Programa para África do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), e Cameron Hudson, investigadora do programa.
Os investigadores produziram um relatório baseado em entrevistas com líderes civis representando a juventude, as mulheres e vários grupos étnicos e regionais; políticos actuais e antigos; jornalistas independentes; analistas políticos e académicos locais; oficiais militares; diplomatas internacionais; e representantes de organizações internacionais sediadas em Bamako.
Os entrevistados foram questionados antes e depois dos ataques, o primeiro dos quais ocorreu em Julho de 2024, quando a Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM), afiliada à al-Qaeda, e combatentes rebeldes Tuaregues mataram 47 soldados das Forças Armadas do Mali (FAMa) e 84 mercenários russos durante uma feroz batalha de três dias perto da fronteira com a Argélia.
Em Setembro, a JNIM matou pelo menos 77 pessoas durante um ataque a uma escola de formação militar e ao aeroporto internacional de Bamako, onde estão baseados os mercenários russos. Tratou-se do primeiro ataque a Bamako desde 2016.
Os investigadores escreveram que o Mali vive actualmente uma “crise de confiança” que existia durante o regime democrático e que continua a minar as relações entre os militares, os legisladores, a sociedade civil e os civis.
“Os malianos precisam de uma compreensão fundamentalmente nova do papel do Estado, e o Estado precisa de repensar a sua relação e responsabilidades para com o seu povo,” escreveram Dizolele e Hudson. “A possibilidade de que isso possa ser alcançado a curto prazo com a actual disposição política do país parece remota.”
O quarto golpe militar do Mali instalou a liderança do Comité Nacional para a Saúde do Povo (CNSP) em 2020. Desde então, o CNSP expulsou as forças francesas e das Nações Unidas.
Os militares têm tentado influenciar a opinião pública através de uma combinação de propaganda, desinformação e aumento das restrições impostas aos meios de comunicação social e às organizações da sociedade civil. O objectivo é controlar a narrativa e manter o seu poder, dizem os observadores.
Alguns entrevistados argumentaram que “os civis estão drogados pelas mentiras do CNSP” e acreditam que os militares foram capazes de “envenenar a sociedade, impossibilitando a governação e apresentando-se como a única opção para governar,” através do corte das instituições públicas e da limitação do espaço cívico.
Depois de a Missão Multidimensional Integrada de Estabilização das Nações Unidas no Mali (MINUSMA) ter sido mandada sair do país em Dezembro de 2023, os ataques terroristas aumentaram. Desde então, até Novembro de 2024, os ataques de grupos extremistas mais do que duplicaram, de acordo com o Global Conflict Tracker.
O Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED) informou que os ataques a civis malianos aumentaram 38% desde a partida da MINUSMA, tendo as batalhas e os ataques se alastrado para novas áreas no norte do Mali. Segundo o ACLED, o exército maliano e os mercenários russos cometem “torturas, execuções sumárias, decapitações, expulsão de prisioneiros de aviões e armadilhas de cadáveres.”
As crises de segurança do país estão associadas a questões sociais e políticas, e os analistas políticos, membros da sociedade civil e activistas da democracia entrevistados para o relatório do CSIS afirmam que os líderes militares do Mali não ofereceram soluções.
Muitos entrevistados consideraram as forças armadas como um actor colonial de facto que actua na defesa e nos interesses da sua própria classe de elite. Outros argumentaram que cerca de 90% dos actuais militares são parentes dos actuais oficiais. Assim, as forças armadas não reflectem a diversidade tribal, regional ou linguística do país.
“Este processo de recrutamento nepotista afectou gravemente a qualidade dos soldados e dos oficiais,” escreveram Dizolele e Hudson.
Durante o governo de Goïta, não se registaram progressos na realização de eleições nacionais. A junta planeou mais recentemente a realização de eleições em Fevereiro de 2024, mas a data foi adiada indefinidamente em Setembro de 2023 devido a “razões técnicas.”
“Só os mais ingénuos ficaram surpreendidos com o anúncio,” escreveram os analistas do Centro de Estudos Estratégicos de África.
Dizolele e Hudson apresentaram várias recomendações que podem ajudar o Mali a lançar as bases para um regresso ao regime civil, nomeadamente:
* Reconstruir a confiança entre o Estado e os civis através da despolitização da instituição de defesa e segurança.
* Implementar medidas de reforço da confiança para ajudar os civis a identificarem-se com as instituições de defesa e segurança e vice-versa, aumentando as acções de cooperação civil-militar e promovendo o diálogo.
* Aumentar o número de comités consultivos de segurança — compostos por civis e agentes de segurança — e garantir que os participantes possam falar livremente sem represálias.
* Criar plataformas que permitam o diálogo com as organizações da sociedade civil sobre segurança e ordem pública.
* Formar os membros da Assembleia Nacional, a fim de desenvolver os conhecimentos necessários para uma supervisão eficaz das instituições de defesa e segurança.