O Gana é conhecido pela sua história de governo civil forte, respeito pelos princípios democráticos e envolvimento internacional a nível regional e mundial. O país funciona como uma ilha de estabilidade na África Ocidental, uma região assolada por golpes militares e extremismo violento.
Não está, no entanto, imune a alguns dos factores de tensão enfrentados pelos seus vizinhos, sobretudo no que diz respeito à desinformação. Os influenciadores malignos utilizam nada menos do que 72 campanhas para ofuscar, distorcer e falsear a realidade na África Ocidental, de acordo com um relatório de Março de 2024 do Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS). O Gana é vítima de pelo menos cinco destes esforços perpetrados pela China, Rússia, actores políticos nacionais e outros.
“Com o avanço dos meios de comunicação social, existe agora uma multiplicidade de canais em todo o país, e estamos muito orgulhosos disso,” o então Ministro da Informação do Gana, Kojo Oppong Nkrumah, disse ao FactCheckHub, sediado na Nigéria, no final de 2023. “O risco, portanto, é que as informações que não são íntegras se tornem do domínio público, e é isso que dá origem à desinformação.”
Harriet Ofori, que acompanha a desinformação como gestora de investigação e projectos na Penplusbytes, uma organização ganesa sem fins lucrativos, disse que a sua organização trabalha com os meios de comunicação social, instituições académicas, a UNESCO, a Comissão Nacional para a Educação Cívica e outros em diversos projectos e iniciativas. Ela lembra-se de uma campanha de desinformação particularmente perigosa.
“Em Julho de 2023, uma mensagem de áudio apelando a ataques contra o governo do Gana devido ao repatriamento forçado de requerentes de asilo Fulani espalhou-se via WhatsApp no norte do Gana,” disse à ADF por e-mail. “A mensagem afirmava falsamente que o governo estava a tentar exterminar a população Fulani e incitava à retaliação. Esta mensagem foi distribuída por uma ala dos meios de comunicação social do Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM).”
À medida que a desinformação aumenta a um ritmo quase exponencial por parte de organizações extremistas violentas, dos lacaios russos e dos interesses chineses, alguns países africanos estão a intensificar os seus esforços para empurrar o continente para a verdade. Trata-se de uma tarefa hercúlea que exige mecanismos de detecção extraordinários, sistemas de alerta precoce e uma forte colaboração entre grupos da sociedade civil, governos, meios de comunicação social e forças de segurança.
O Gana e o seu vizinho, a Costa do Marfim, destacamse neste domínio. Em Dezembro de 2023, o Gana concebeu um projecto de plano de acção nacional para combater a desinformação. O projecto surgiu na sequência de uma Conferência Nacional sobre Desinformação e Falsa Informação e é o trabalho de partidos políticos, grupos da sociedade civil, meios de comunicação social e parceiros de desenvolvimento, informou o FactCheckHub. Quando aprovado, o plano de acção visa proteger a integridade da informação, promover a literacia mediática e cultivar uma cidadania digital responsável.
A Penplusbytes também colabora com o governo do Gana. Realizou uma pesquisa sobre desinformação com o apoio do National Endowment for Democracy e, em seguida, envolveu funcionários, incluindo o Ministério da Informação, para partilhar os resultados da pesquisa e discutir recomendações para combater a desinformação enquanto a nação trabalha no seu plano de acção, disse Ofori.
A oeste do Gana, a Costa do Marfim está a sensibilizar o público para os perigos da desinformação. Amadou Coulibaly, Ministro da Comunicação e da Economia Digital, disse aos residentes da comunidade Adjamé, de Abidjan, em Julho de 2024, que, quando se partilham informações falsas nas redes sociais, isso faz deles “feiticeiros digitais,” de acordo com o site de notícias costa-marfinense Koaci.com. O seu discurso fez parte da campanha nacional #EnLigneTousResponsables (Online Todos Responsáveis).

SURGE UMA NOVA FERRAMENTA
À medida que a desinformação continua a crescer, surge um novo processo visando detectar a ameaça e virar a maré contra ela no panorama das comunicações em África. Chama-se “estrutura de vedação” e utiliza uma imagem familiar para explicar a interacção entre a recolha de informações, a partilha e o envio de mensagens.
O “desafio consiste em criar protecções de emergência — aquilo a que podemos chamar simplesmente ‘vedações’ — para impedir a desinformação e capacitar os utilizadores da internet para se protegerem de interferências manipuladoras,” escreveram o Dr. Mark Duerksen, investigador associado do ACSS, Vanessa Manessong, analista de dados de investigação do Code for Africa nos Camarões, e Ofori. Os três publicaram o seu artigo, “The fence framework,” no site Africa in Fact, em Julho de 2024.
A vedação é representada por postes, ripas e sinais e ilustra a forma de combater a desinformação de uma forma coordenada. Quando os três elementos trabalham em conjunto, as equipas de intervenção podem identificar, classificar e responder à desinformação de forma eficaz.
POSTES: OS DADOS
Na ilustração da vedação, os postes formam a base da resposta. Representam os dados que os inquiridos têm sobre a desinformação. O quadro ABCDE coloca uma série de questões cruciais nesta fase: Que actores estão envolvidos? Que comportamento é apresentado? Que tipo de conteúdo está a ser distribuído? Qual é o grau da distribuição e quais são os públicos-alvo? Qual é o efeito global da desinformação?
Académicos, jornalistas, verificadores de factos, organizações não-governamentais, vários grupos da sociedade civil e forças de segurança podem recolher este tipo de dados. A colecção oferece informações sobre as campanhas que se estão a tornar virais ou a causar os danos mais imediatos no ambiente informativo. Que narrativas específicas estão a ser difundidas? Os autores dos crimes utilizam técnicas simples de copiar e colar nas redes sociais ou técnicas mais sofisticadas? Todas estas informações são reunidas para formar uma imagem que é útil no segundo elemento do quadro.
RIPAS: COOPERAÇÃO
As ripas ligam os postes e mantêm-nos unidos. Elas representam a cooperação que ajuda as pessoas a partilhar e a dar sentido aos dados que recolheram sobre a desinformação que está a ser difundida.
“Para ter impacto, a investigação sobre as campanhas de desinformação deve poder ser trocada e interpretada pelos profissionais,” afirma o artigo. Para tal, são necessárias normas estabelecidas, terminologia comum, redes e colaboração para que a informação possa ser partilhada de forma fiável entre as pessoas e as agências que precisam vê-la.
A partilha de terminologia, compreensão e abordagens permitirá que uma ONG de um país comunique com uma organização de verificação de factos dos meios de comunicação social de outro país sobre as ameaças que está a observar. A esperança é que, através deste processo, surja um quadro mais alargado sobre a natureza da campanha de desinformação e sobre quem a está a difundir. Visto que a desinformação transcende as fronteiras nacionais, este tipo de colaboração é essencial.
Uma ferramenta de colaboração útil é um centro de análise e partilha de informações (ISAC). A visão é ter uma rede de ISACs criada em todo o continente para servir como centros de análise e combate à desinformação. Em meados de 2024, nenhum ISAC existia em África, mas a Debunk.org, um grupo de reflexão lituano independente contra a desinformação, tem fundos para criar um ISAC em Kinshasa, na República Democrática do Congo.
SINAIS: RESPOSTA
Assim que os dados forem recolhidos, organizados, analisados e partilhados, pode dar-se início a uma resposta adequada. Esta é a componente de sinais da estrutura da vedação. Os dados e as relações têm de funcionar “para um fim, quer se trate de fazer uma campanha de sensibilização em que se tenta apenas divulgar o que está a acontecer, quer se trate de fazer lobby junto de algumas das plataformas das redes sociais, dizendo-lhes o que está a acontecer, tentando trabalhar com elas para retirar determinados conteúdos ou para bloquear ou retirar algumas destas redes de bots,” Duerksen disse à ADF.
É nesta fase que as autoridades alertam o público para as campanhas de desinformação activas. Isso pode incluir combater a falsa informação com boas mensagens ou dizer às plataformas de informação que as forças hostis as estão a utilizar para espalhar desinformação. Este tipo de comunicação e de reforço das capacidades também pode ser feito antes da divulgação da desinformação.
“A sua resposta é tentar criar literacia digital na sociedade, ajudando as pessoas a compreenderem que estes ataques estão a acontecer,” disse Duerksen. Fazê-lo antes de um ataque pode, por vezes, evitar a desinformação.

O PAPEL DAS FORÇAS DE SEGURANÇA
Na luta contra a desinformação, é essencial a cooperação entre uma série de agências e interesses. As forças armadas têm um papel a desempenhar. A desinformação é uma preocupação legítima na área da segurança, porque constitui uma forma de guerra híbrida e pode representar uma ameaça real e tangível para os soldados, incluindo as forças de manutenção da paz, que operam em áreas repletas de mensagens tóxicas. Foi o caso da missão de manutenção da paz das Nações Unidas na RDC.
Nessa missão, a desinformação e a falsa informação eram uma ameaça constante, o que levou os líderes a criarem aquilo a que chamaram um “exército digital” para combater o problema. Através da estratégia, a missão capacitou civis, sobretudo jovens, para detectarem notícias malignas e publicações nas redes sociais e responderem com informações exactas.
Bintou Keita, representante especial das Nações Unidas para a RDC e chefe da missão de manutenção da paz da ONU no país, disse numa entrevista de 2023 à UN News que os grupos armados espalham deliberadamente mentiras para incitar as pessoas a oporem-se à missão.
“Só para dar um exemplo, enquanto decorria o segmento de alto nível da Assembleia Geral, eu estava em Kinshasa quando alguém decidiu criar uma notícia falsa que era uma fotografia minha de há três anos, quando eu era secretário-geral adjunto para África [na sede da ONU], em Nova Iorque, e tinha o texto que dizia basicamente que eu, como chefe [da missão], estava a resistir à partida da missão,” Kieta disse à UN News. “Isso é falso porque, em primeiro lugar, eu não estive presente na Assembleia Geral. Eu estava em Kinshasa.
“Tivemos uma discussão sobre o que fazer, dizemos que isto é falso? O que é que fazemos no final? Penso que os colegas decidiram que era falso e o assunto seguiu.”
As forças militares e de segurança, muitas vezes, dispõem de mais recursos e conhecimentos técnicos do que os seus parceiros civis, mas devem ter cuidado quando operam no ambiente de informação pública. De facto, há boas razões para que os militares não devam, de todo, liderar estes esforços.
Por vezes, os cidadãos não confiam nas forças militares dos seus países. Se essas forças começarem a dizer às pessoas que informação é boa e qual não é, isso pode gerar cepticismo. Isso prejudicará as tentativas genuínas de combater a desinformação.
É por isso que os jornalistas, os verificadores de factos e os investigadores podem ser melhores mensageiros na linha da frente para as populações civis, sobretudo se forem fontes de confiança, como rádios ou repórteres locais.
Ainda assim, Duerksen disse que as forças militares precisam de estar conscientes e manter o seu “dedo no pulso” do ambiente de informação onde estão a servir, monitorizando a rádio local e as redes sociais. Desta forma, podem seguir as falsas narrativas e informar os jornalistas e influenciadores locais. O que não devem fazer é dar a impressão de estarem a fazer lobbying junto deas plataformas públicas ou a divulgarem eles próprios a informação.
“Então, quando vemos estas coisas, a quem recorremos?” Duerksen indagou. “A quem as levar? Qual é o melhor porta-voz para o efeito? Quem está em melhor posição para responder? E o mais provável é que não sejam os militares.”
DEFINIÇÃO DE TERMOS
DISINFORMAÇÃO é falsa e fabricada para prejudicar deliberadamente pessoas, grupos sociais, organizações ou um país. Um exemplo é a difusão de um falso rumor de que as forças de segurança estão a fornecer armas a terroristas.
INFORMAÇÃO INCORRECTA também é falsa, mas não tem a intenção deliberada de causar danos. Por exemplo, os líderes comunitários podem, inadvertidamente, espalhar uma afirmação falsa que acreditam ser verdadeira.
FLASA INFORMAÇÃO, embora baseada na realidade, é utilizada para causar danos. Pode incluir a fuga de informação que deveria ter permanecido privada. Também pode incluir discursos de ódio.
Fonte: “Information Disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policy making,” 2017, de Claire Wardle, Ph.D., e Hossein Derakhshan
OS PERIGOS DOS DEEPFAKES
EQUIPA DA ADF
À medida que a tecnologia de inteligência artificial (IA) continua a crescer, as autoridades africanas terão de estar atentas a uma ferramenta de desinformação particularmente insidiosa: os deepfakes.
Os deepfakes são uma forma de media digital criada por ferramentas de IA que podem ser utilizadas para manipular fotografias, áudio e vídeo. Isso pode ser perigoso, porque podem ser utilizados para criar conteúdos que pretendem mostrar uma figura política ou conhecida a dizer ou a fazer algo que normalmente não diria nem faria.
Os ataques de desinformação que incorporam deepfakes colocam outro problema, visto que certas aplicações de software gratuitas e descarregáveis podem facilitar a sua criação por quase qualquer pessoa.
As implicações para a utilização por terroristas e organizações extremistas violentas são terríveis.
“Um cenário futuro pode envolver bots automatizados que espalham vídeos deepfake que incitam a protestos ou violência, disseminando-se rapidamente em várias plataformas, cada uma adaptada para ressoar com subgrupos específicos,” de acordo com o artigo de Lidia Bernd de 2024, “AI-Enabled Deception: The New Arena of Counterterrorism,” para a Georgetown Security Studies Review.
Os governos, as empresas de tecnologia e as instituições académicas terão de trabalhar em conjunto para desenvolver e actualizar continuamente ferramentas alimentadas pela IA para detectar falsificações profundas, escreveu Bernd.
O investigador sul-africano Layckan Van Gensen, professor júnior de direito comercial na Universidade de Stellenbosch, promove leis para proteger os direitos de imagem como forma de combater as falsificações profundas. A legislação sobre direitos de imagem, segundo escreveu para o jornal Daily Nation, definiria claramente a imagem de uma pessoa, especificaria quando essa imagem foi violada e forneceria ao detentor da imagem soluções legais para o uso não autorizado.