EQUIPA DA ADF
Todos os dias 14 de Fevereiro, numa região remota do noroeste dos Camarões, os habitantes da aldeia de Ngarbuh reúnem-se para rezar à volta das campas dos 21 civis mortos em 2020 por um grupo de soldados e milicianos, numa das piores atrocidades da guerra civil ainda em curso.
Depois de ter inicialmente negado a responsabilidade, o exército investigou e divulgou uma declaração em que considerava que se tratava de “um acidente infeliz, resultado colateral das operações de segurança na região.”
Ma-Shey Margaret sobreviveu, mas todos os seus vizinhos foram mortos, incluindo um tio e toda a sua família. Uma fila de cinco casas queimadas fica nas proximidades como uma lembrança assombrosa do massacre.
“Choro sempre que vejo as valas comuns de pessoas inocentes,” disse o homem de 49 anos à HumAngle Media num artigo publicado em Setembro de 2024. “Neste momento, ainda não estamos seguros. Os militares querem que lhes comuniquemos a presença dos combatentes separatistas, o que é uma coisa arriscada. Vivemos num medo constante.”
As raízes do conflito remontam a mais de 100 anos, no rescaldo da Primeira Guerra Mundial, quando o país foi dividido entre o controlo colonial britânico e francês. Actualmente, os falantes de Inglês representam quase um quinto dos 24 milhões de habitantes dos Camarões, cuja maioria fala Francês.
O que começou nas duas regiões anglófonas dos Camarões como uma série de protestos pacíficos contra a marginalização em 2016 transformou-se numa guerra civil devastadora. Nas regiões do Noroeste e do Sudoeste, anos de queixas contra a discriminação sentida resultaram numa declaração de independência em 2017 e numa repressão militar.
Ao fim de oito anos de combates, os Camarões estão presos num conflito latente, incapaz de pôr termo à tensão e à violência entre os seus povos de língua francesa e inglesa. Mais de 6.000 pessoas morreram às mãos das forças separatistas e governamentais e pelo menos um milhão de pessoas ficaram sem casa.
“A violência em toda a região anglófona tem vindo a aumentar em 2024,” o Dr. Ladd Serwat, do Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED), disse num webinar de 10 de Setembro. “O segundo trimestre de 2024 foi, de facto, o mais violento do conflito até agora.”
Nalova Akua, que trabalha para o site nigeriano HumAngle, visitou as duas regiões anglófonas e disse que os assassinatos por represália entre separatistas e forças de segurança são uma ocorrência regular.
“O governo intensificou a procura de uma solução militar para o conflito, na esperança de aproveitar a fragmentação crescente entre os grupos separatistas armados,” escreveu.
Serwat disse que os dados do ACLED mostram um aumento das lutas internas entre grupos separatistas que, muitas vezes, tentam controlar pequenas áreas. Juntamente com o aumento das suas actividades económicas ilícitas, os raptos com pedido de resgate e os ataques a civis, os separatistas parecem estar a afastar-se do objectivo da independência e a aproximar-se mais da auto-preservação, considera.
“Temos visto que os interesses dos grupos armados estão a tornar-se cada vez mais localizados,” afirmou. “Penso que há cada vez menos interesse em criar um país separado. A fragmentação deste conflito está a aumentar os níveis de violência, mas também está a enfraquecer a posição negocial do movimento separatista, o que, na minha opinião, torna as negociações de paz mais difíceis. Há mais grupos com mais interesses concorrentes, pelo que trazer esses grupos para a mesa pode ser um grande desafio.”
Simon Munzu, presidente reformado do comité de direcção da Coligação dos Grupos Federalistas e Activistas dos Camarões e antigo secretário-geral adjunto das Nações Unidas, criticou as tentativas de diálogo e de estabelecimento da paz nos Camarões, que fracassaram nos últimos anos.
“Todas essas medidas falharam porque o governo está a agir de má-fé,” disse ao HumAngle. “Recusa-se a reconhecer a natureza exacta do problema anglófono. Por conseguinte, recusa-se a adoptar soluções reais que poderiam resolver o problema e pôr fim à crise. As medidas que tomou até agora são meramente cosméticas.”