EQUIPA DA ADF
Cinco homens entraram numa estrutura de betão sem tecto e sem janelas na ilha de Lamu, ao largo da costa queniana. Sentaram-se no chão cheio de lixo do edifício e usaram lâminas para cortar heroína com marijuana, enrolando-a num cigarro fino e fumando-a.
Entre os homens encontrava-se Mohamed Tai, um dos cerca de 27.000 consumidores de heroína no Quénia, que falou abertamente sobre a sua dependência. Ao seu lado, dois homens sentavam-se curvados, de olhos postos no chão, enquanto outro puxava calmamente o cigarro fino.
“É uma dependência muito má, mas é ignorada pela comunidade, pelo governo e por outras organizações que pensam que é a vontade da pessoa continuar a consumir,” Tai disse à The Associated Press. “Mas são as pequenas razões que nos levam a começar a consumir. Deixa-nos em transe e não nos compreendemos a nós próprios. O tempo voa, e tu estás lá. Tu não pensas.”
O Quénia foi outrora um centro de trânsito de heroína do Afeganistão para outras regiões, devido à sua longa costa porosa. De acordo com a Reuters, o número de quenianos que injectam drogas, sobretudo heroína, aumentou mais de 50% entre 2011 e 2019, à medida que Mombaça, a maior cidade portuária da África Oriental, emergia como a capital de uma nova rota internacional de tráfico de droga.
“Temos o que chamamos de rota sul, que é a rota mais longa a partir dos campos de produção de heroína no Afeganistão,” Boniface Wilunda, Oficial de Gestão de Programas do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC), disse à AP.
O baixo custo da heroína — tão pouco como Ksh200 ($2) por dose — levou à sua crescente popularidade, particularmente nas comunidades costeiras, onde a dependência emergiu como um problema crítico de saúde pública. Em 2019, observadores disseram à Reuters que os jovens de todas as classes sociais estavam a consumir heroína.
Foi nessa altura que a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) iniciaram um programa holístico nas prisões e nas comunidades locais para as pessoas que consomem drogas em Kiambu, a cerca de 30 quilómetros de Nairobi. Em 2024, a MSF entregou as suas clínicas ao Departamento de Saúde do Quénia e aos Serviços Prisionais do Quénia.
As clínicas fornecem metadona e buprenorfina, um medicamento para tratar a dependência do ópio, como terapia que substitui os opiáceos, uma componente da redução de danos. Esta abordagem visa travar os muitos efeitos negativos da toxicodependência.
“As clínicas de terapia medicamente assistida [adoptam] uma abordagem de instalações médicas únicas, com uma abordagem holística do tratamento para além da substituição de opiáceos,” o Dr. Edi Atte, director nacional da MSF no Quénia, disse na página da internet da organização.
A abordagem visa prevenir infecções e a transmissão de HIV e hepatite viral que são causadas pela utilização de agulhas contaminadas. Oferece apoio psicossocial e de saúde mental e ajuda os toxicodependentes a reintegrarem-se nas suas famílias e comunidades.
Em Lamu, onde Tai vive, o Hospital King Fahd também criou uma clínica de metadona para ajudar os toxicodependentes a deixarem de consumir heroína.
“É um desafio muito grande para nós, e tentámos vários meios para combater o uso de drogas, por isso começámos a ter a clínica de metadona,” Aziza Shee Mubarak, uma funcionária clínica do hospital, disse à AP.
Para os toxicodependentes em recuperação como Bui Kitaa, a metadona tem sido uma tábua de salvação.
“A dependência foi muito má para mim,” Kitaa disse à AP. “Não tinha amigos; os meus irmãos em casa e mesmo os desconhecidos na estrada não confiavam em mim. Ninguém me contrataria,” diz Kitaa. “Mas desde que comecei a consumir metadona, há quatro anos, tem-me ajudado muito.”