EQUIPA DA ADF
À medida que a indignação mundial crescia com a invasão da vizinha Ucrânia, a Rússia, em 2023, começou a intensificar os seus esforços para mudar a narrativa. Com o objectivo de influenciar a opinião pública, o Kremlin expandiu as suas operações de guerra de informação a nível mundial.
Em resposta, dezenas de países proibiram ou suspenderam os canais de televisão Russia Today (RT), Sputnik e outros meios de comunicação social estatais. As plataformas de redes sociais restringiram o acesso aos conteúdos produzidos pela máquina de propaganda do Kremlin.
No entanto, apesar do seu conteúdo carregado de desinformação e das suas claras ligações a Moscovo, os meios de comunicação social russos esperam encontrar um ponto de apoio em África.
“A Rússia sofreu um grande revés no início da invasão russa à Ucrânia, em Fevereiro de 2022, porque, em poucas semanas, a Europa impôs sanções à Rússia,” Steven Gruzd, especialista sobre Rússia, no Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais, disse à Voz da América.
“O feed da RT que chega aos mercados sul-africano e africano na DStv [serviço de televisão digital por satélite do operador sul-africano MultiChoice] … foi cortado.”
Uma outra plataforma de satélite digital, a StarSat, detida pela China, também abandonou a RT em 2023.
Mais recentemente, a RT respondeu lançando uma campanha publicitária com cartazes e vídeos em várias cidades africanas, incluindo a capital da Etiópia, Adis Abeba, onde um grande ecrã de vídeo promocional da RT dá as boas-vindas aos visitantes do Aeroporto Internacional de Bole.
A RT também visou o Gana, o Quénia, a Tanzânia, o Uganda e o Zimbabwe para promover um novo programa de televisão intitulado “Lumumba’s Africa,” centrado nas opiniões do proeminente advogado queniano P.L.O. Lumumba.
Gruzd caracterizou o ataque dos meios de comunicação social como “uma pequena reacção à frustração [que a Rússia tem] tido” com os seus canais de propaganda nos últimos anos.
Faz também parte da estratégia de longa data do Presidente Vladimir Putin para espalhar influência através dos meios de comunicação social apoiados pelo Kremlin.
“Estamos a propor um espaço comum de informação russo e africano, no qual informações objectivas e imparciais sobre os acontecimentos mundiais serão transmitidas ao público russo e africano,” Putin disse num discurso na cimeira Rússia-África de 2023, em São Petersburgo.
Outro esforço foi o anúncio feito pela RT em 2022 de um plano para abrir um centro de língua inglesa em Joanesburgo, dirigido pela jornalista sul-africana Paula Slier. Porém, demitiu-se da RT em meados de 2023 e afirmou que o canal não tem um escritório em Joanesburgo.
“Desde Março de 2022, a sede da RT em Moscovo tem os olhos postos em África, onde está a planear uma presença a longo prazo,” disse a Repórteres sem Fronteiras (RSF) num comunicado de 2023, observando que a RT está “disponível no Magrebe, Costa do Marfim, Senegal, Burquina Faso e Camarões.”
A Sputnik lançou uma plataforma em francês chamada Sputnik Afrique em Julho de 2022, pouco depois de a sua agência em França ter sido declarada falida e forçada a liquidar por um tribunal francês.
A Sputnik afirma ter aberto um gabinete na Argélia, onde cobre as notícias do Magrebe e da África Subsariana. Segundo a RSF, a Sputnik tem “dois correspondentes na Argélia, onde trabalham actualmente sem acreditação.”
A Rússia também utiliza representantes, como o canal de televisão Afrique Média, com sede nos Camarões, que divulga propaganda e desinformação a um grande público francófono na África Ocidental e Central.
“O conteúdo do Afrique Média é a filosofia de Moscovo,” o investigador Isaac Antwi-Boasiako, professor assistente na Escola de Comunicação Social da Universidade Tecnológica de Dublin, disse ao Instituto de Jornalismo da Reuters. “A Afrique Média segue a filosofia de Putin de promover a agenda da Rússia em África.”
Num relatório de 2023, a organização sem fins lucrativos de jornalismo de dados Code for Africa, sediada no Quénia, afirmou que a Afrique Média é responsável por amplificar as narrativas do Kremlin e por promover a propaganda a favor do Grupo Wagner.
Allan Cheboi, director sénior de investigações do Code for Africa, afirmou que os meios de comunicação locais, como o Afrique Média, pretendem dar legitimidade aos conteúdos russos e são mais valiosos do que os meios de comunicação russos como a Sputnik e a RT.
“Não é possível convencer o público local em África apenas por falar a sua língua. É preciso falar no tom deles,” disse ao Intituto da Reuters. “As pessoas ouvem mais e acreditam mais quando uma entidade local ou alguém que lhes é próximo fala realmente sobre um determinado assunto.”
Os especialistas duvidam que as acrobacias promocionais e as mensagens de anticolonialismo da Rússia consigam vingar no continente, enquanto os seus oligarcas extraem e contrabandeiam recursos naturais para fora de África e os seus mercenários do Grupo Wagner brutalizam impunemente civis.
“Penso que há muita gente que vê através disto e que consegue perceber a agenda por detrás do que está a ser promovido,” disse Gruzd.
O jornalista sul-africano Anton Harber disse à VOA que achava que a campanha publicitária da RT, que utilizava líderes africanos do passado, era “demasiado antiquada” para influenciar os jovens africanos.
“Há uma enorme ironia no facto de a RT se promover como uma voz do anticolonialismo numa altura em que a Rússia está a aumentar a sua influência no continente de uma forma que pode ser descrita como neocolonial,” afirmou. “Uma coisa que sabemos sobre a RT é que não é uma voz africana, mas sim o meio de comunicação de Putin, que existe para o servir a ele e ao seu país.
“Por isso, está a disfarçar as suas ambições de influência … com uma retórica paternalista anticolonial.”