Procura Chinesa de ‘Maw’ Dizima Unidades Populacionais de Peixe no Lago Vitória
EQUIPA DA ADF
O sol brilhava nas águas do Lago Vitória em Kisumu, a terceira maior cidade do Quénia.
Victor Ndonga estava entre as multidões de pescadores que preparavam as suas canoas artesanais para um dia na água. Falando para a The Associated Press, Ndonga disse que estava confiante na captura de algumas tilápias, mas que esperava realmente apanhar uma perca do Nilo, cujas bexigas natatórias — ou maw — são muito valiosas. A bexiga natatória é um órgão interno cheio de gás que contribui para a capacidade de alguns tipos de peixes controlarem a sua flutuabilidade.
“A maw do peixe é muito mais valiosa do que a carne,” disse Ndonga.
A perca do Nilo, um predador forte e rápido que pode atingir o tamanho de um homem, foi introduzida no Lago Vitória na década de 1950. Devido à pesca ilegal e à pesca predatória para satisfazer a procura chinesa de maw, as suas unidades populacionais no Lago Vitória estão gravemente esgotadas.
Na China, a maw é considerada uma iguaria e é utilizada em produtos da medicina tradicional chinesa (MTC) com alegações médicas duvidosas de protecção dos rins, aumento da resistência e tratamento de problemas pulmonares e anemia. A procura de maw impulsionada pela MTC está a contribuir para a insegurança alimentar e económica das comunidades quenianas, tanzanianas e ugandesas que dependem das unidades populacionais de peixe do Lago Vitória.
Gladys Okumu é uma das muitas comerciantes de peixe de Kisumu, que retira a maw da perca do Nilo e a vende a correctores, que depois a passam a agentes chineses.
“No passado, o peixe era abundante, ao contrário do que acontece actualmente, em que um dia inteiro de pesca pode render apenas cinco percas do Nilo,” Okumu disse à AP. “Hoje em dia, a maw é considerada tão valiosa como o ouro.”
O envolvimento de intermediários no processo de venda provocou uma forte inflação dos preços de maw. Em média, as maws podem ter um valor de venda a retalho entre 127 e 287 dólares por quilograma, de acordo com uma reportagem de 2020 da revista Frontiers in Environmental Science, “Lake Victoria’s Bounty”: A Case for Riparian Countries’ Blue Economic Investment (A Abundância do Lago Vitória: Um Caso para o Investimento Económico Azul dos Países Ribeirinhos).”
A procura chinesa de maw levou a métodos de captura prejudiciais que visam as populações reprodutoras e juvenis, deixando menos percas do Nilo para se reproduzirem. Houve um verdadeiro boom da perca do Nilo nas décadas de 1980 e 1990, quando pescadores de todo o continente viajavam para o Lago Vitória em busca de alimento. Vendiam as suas capturas a fábricas de transformação à volta da margem do lago, no Quénia, na Tanzânia e no Uganda, que as exportavam para a Europa, o Médio Oriente e a Ásia.
Em meados da década de 1990, só na parte tanzaniana do Lago Vitória, os pescadores pescavam anualmente 200.000 toneladas de perca do Nilo. Era tão importante para a subsistência dos habitantes locais que passou a ser conhecido como “o peixe salvador.”
Um comerciante de peixe num mercado em Mwanza, na Tanzânia, disse à African Arguments em 2022 que o preço da perca do Nilo tinha triplicado nos últimos cinco anos. “A oferta está a diminuir, mas a procura continua a ser elevada,” disse o comerciante.
Chrispine Nyamweya, investigador do Instituto de Investigação Marinha e das Pescas do Quénia, disse à AP que o comércio de maw não está totalmente regulamentado, o que dificulta o controlo das exportações.
“As pessoas escolhem os grandes por causa da maw grande que obtêm deles e, ao fazê-lo, truncam a população de tal forma que só os pequenos dominam o lago, o que afecta o potencial de reposição das unidades populacionais de perca do Nilo no Lago Vitória,” disse Nyamweya, que propõe a formalização do comércio de maw para regular os volumes de captura e de comércio.
Nyamweya sublinhou a importância da monitorização contínua das unidades populacionais, da adopção de práticas de pesca sustentáveis e da valorização de outras partes da perca do Nilo para ajudar os pescadores a criar um meio de subsistência sustentável e a manter as futuras populações de peixes.
Outras espécies de peixes do Lago Vitória estão também gravemente esgotadas. Um comerciante em Mwanza vendia peixe-pulmão fumado, mas era importado da região de Tabora, no centro da Tanzânia, a mais de 300 quilómetros de distância. “No passado, havia peixes-pulmão no lago, mas agora há muito poucos,” o comerciante disse à African Arguments.
De facto, centenas de espécies de peixes do Lago Vitória foram extintas nas últimas três décadas devido à pesca predatória, à pesca ilegal, à desflorestação e à poluição.
Segundo a African Arguments, o preço da tilápia do Nilo, outro peixe popular para consumo, quintuplicou em cinco anos, apesar do aumento da concorrência das explorações piscícolas.
“Hoje em dia, é preciso trabalhar muito para apanhar apenas uma tilápia,” disse um pescador em Ukerewe, a maior ilha do Lago Vitória. “São muito difíceis de encontrar.”
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