O Modelo Da Costa Do Marfim Para Combater O Extremismo Violento

O País Implementa Eficazmente Respostas Militares, de Segurança e Sociais ao Terrorismo

EQUIPA DA ADF

Anos de paz na nação costeira da Costa do Marfim foram interrompidos em 2020 quando grupos extremistas violentos do vizinho Burquina Faso começaram a atravessar a fronteira e a organizar ataques. A Costa do Marfim registou pelo menos 20 ataques, incluindo assaltos a posições e colunas militares. As invasões foram apoiadas por campanhas de propaganda e ameaças contra civis.

O país estava preparado para a violência, escreveu o investigador William Assanvo num relatório de 2023 para o Instituto de Estudos de Segurança. A Costa do Marfim já tinha em preparação medidas para resolver o problema. Em 2018, desenvolveu uma estratégia nacional de combate ao terrorismo e, mais ou menos na mesma altura, criou um programa de informação para combater as tentativas de imposição de interpretações religiosas radicais.

Os terroristas causaram estragos no Mali e estão a tentar expandir-se pelo Sahel e mais para o sul. A Costa do Marfim, com a sua economia forte e o seu porto moderno em Abidjan, seria uma conquista importante para os extremistas. A principal ameaça terrorista na Costa do Marfim provém da filial da al-Qaeda, Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin. 

O grupo opera principalmente no Sahel, incluindo o Burquina Faso e o Mali, mas alargou o seu raio de acção para além da fronteira burquinabê com o norte e o nordeste da Costa do Marfim. O International Crisis Group (ICG) relata que, enquanto os grupos extremistas do Sahel se deslocam para sul, a Costa do Marfim “reforça o seu dispositivo de segurança no norte e lança uma série de projectos sociais para aliviar a pobreza e o desemprego dos jovens.”

A Costa do Marfim tem uma pequena dimensão e a sua economia continua a depender em grande medida da produção de sementes de cacau e de óleo de palma. Mas, para além disso, é um dínamo de comércio e desenvolvimento. O porto de Abidjan é um dos maiores e mais modernos da África Ocidental. A rede de telecomunicações do país inclui o smartphone Open G, fabricado localmente, que pode ser utilizado em 16 línguas locais. O país tem actualmente a segunda economia mais forte da África Ocidental, a seguir à Nigéria.

Um gendarme da Costa do Marfim monta guarda durante a inauguração de uma academia internacional em Jacqueville que forma especialistas em segurança civil e oficiais militares na luta contra o terrorismo. REUTERS

Os problemas da Costa do Marfim com o terrorismo têm origem sobretudo no Mali. Um relatório da Chatham House de 2021 refere que o Burquina Faso, o Mali e o Níger “sofreram sucessivos governos fracos, caracterizados pela corrupção, impunidade e desorganização.”

“No Mali, o exército e as milícias aliadas cometeram atrocidades nas regiões central e sul em 2018 e 2019, mas nunca houve julgamentos dos perpetradores,” afirma o relatório. “Esta falta de responsabilização e de justiça contribuiu para alimentar as hostilidades entre os governos das nações do Sahel e as suas comunidades marginalizadas, pobres e negligenciadas. As suas elites não conseguiram garantir a segurança de vários sectores da população.”

À medida que os extremistas continuam a expandir-se pelo norte e centro do Mali e pelo Burquina Faso, um em cada 11 habitantes fica deslocado, informa o ICG. 

O governo começou a restaurar a estabilidade política através do crescimento económico em 2011, após quase uma década de conflito civil que terminou com um exército e infra-estruturas enfraquecidos. Ao mesmo tempo, o ICG observou que as reformas de longo alcance no sector da segurança permitiram às autoridades “construir um exército capaz de afastar a violência jihadista que assola o Sahel.”

Desde o último ataque, a Costa do Marfim reforçou a presença militar e de segurança nos distritos de Savanes e Zanzan, que fazem fronteira com o Mali e o Burquina Faso. A Costa do Marfim continua a colaborar com os seus vizinhos no âmbito a Iniciativa de Acra para detectar e desmantelar o terrorismo regional.

Em 2021, a Costa do Marfim inaugurou a sua Academia Internacional de Combate ao Terrorismo. O campus de 1.100 hectares em Jacqueville situa-se a 50 quilómetros de Abidjan e inclui uma escola para funcionários do governo, um centro de formação para forças especiais e um instituto de investigação. Os dirigentes da Costa do Marfim e da França criaram o programa de formação antiterrorista em 2017. A instalação tem módulos de formação para polícias, militares, funcionários aduaneiros e administradores prisionais.

A cerimónia de abertura teve lugar três dias depois de extremistas terem atacado uma estação de segurança na cidade de Tougbo, no norte do país, matando um soldado costa-marfinense. Tratou-se do terceiro ataque na região em dois meses.

Soldados da Costa do Marfim chegam para a inauguração da Academia Internacional de Combate ao Terrorismo em Jacqueville, no dia 10 de Junho de 2021. AFP/GETTY IMAGES

Construindo Uma Estratégia Nacional

A Costa do Marfim tornou-se um líder em África no desenvolvimento de uma estratégia nacional para acabar com o terrorismo. Os seus passos incluem:

Uma iniciativa nacional de luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo.

A construção de bases militares e o destacamento de unidades antiterroristas ao longo das suas fronteiras setentrionais com o Mali e o Burquina Faso.

Cooperação com outras nações na detenção de extremistas e sua entrega ao Mali, o que levou a um aumento das medidas de segurança e das patrulhas antiterroristas na região.

O país continua a desenvolver e a aperfeiçoar as suas medidas para manter o extremismo à distância. Em Janeiro de 2022, o então Primeiro-Ministro Patrick Achi lançou um programa especial para evitar que os terroristas recrutassem jovens das regiões fronteiriças. Segundo o Jeune Afrique, o programa foi concebido para “evitar que eles se juntem a grupos jihadistas nestas áreas onde o sentimento de abandono por parte do Estado está presente.” No final de 2022, cerca de 23.000 jovens tinham sido integrados no projecto, com um objectivo de 66.000 membros em 2024. O programa desenvolve estágios e outras oportunidades de emprego para os seus membros.

O projecto é apenas uma das formas de a Costa do Marfim se manter livre de ataques terroristas há mais de dois anos. O compromisso total inclui uma combinação de intervenção militar, segurança reforçada e maior investimento nas zonas fronteiriças.

“O objectivo é inverter a percepção das comunidades fronteiriças de que o Estado as abandonou,” escreveu Assanvo. “Se o fizerem, reduzirão o risco de serem explorados pelos insurgentes.”

Em 2022, a Costa do Marfim juntou-se aos seus vizinhos da Iniciativa de Acra, da África Ocidental, para criar a Força-Tarefa Conjunta Multinacional/Iniciativa de Acra, com 10.000 pessoas, inspirada numa força-tarefa semelhante que opera na Bacia do Lago Chade. Para além da segurança, o programa investe na educação e nos cuidados de saúde, bem como em infra-estruturas essenciais como estradas e água potável. O Banco Africano de Desenvolvimento disponibilizou 10,53 milhões de dólares em 2022 para ajudar a fornecer electricidade a 71.600 agregados familiares e a mais de 7.100 centros comerciais nos distritos de Savanes, Zanzan e Woroba, na Costa do Marfim. O programa de electrificação faz parte de um esforço mais vasto para reduzir a pobreza no norte e, por extensão, a tentação de radicalização.

Trabalhadores montam um smartphone Open G, com 16 línguas costa-marfinenses, numa fábrica em Grand Bassam. REUTERS

“Dependendo da redução das vulnerabilidades estruturais e da fragilidade no norte do país, o programa social poderia — ao complementar as operações militares e de segurança — reduzir as ameaças actuais e futuras,” escreveu Assanvo.

Mesmo com os seus êxitos, o país não tem margem para complacência. O grupo mercenário russo, Grupo Wagner, que agora se chama Africa Corps, não escondeu o seu desejo de expandir a sua influência militar para novas regiões de África, especialmente para a Costa do Marfim. O Grupo Wagner já está firmemente instalado na República Centro-Africana, onde faz parte da equipa de segurança presidencial do país. O Grupo Wagner também apoiou golpes de Estado no Burquina Faso e no Mali.

“Cada vez mais, parece que o Grupo Wagner está a observar outros três países da África Ocidental: Libéria, Serra Leoa e [Costa do Marfim],” escreveu o investigador Michael Rubin para o American Enterprise Institute, no início de 2023. “Cada um deles sofreu perturbações no passado. Enquanto, muitas vezes, as missões de manutenção da paz das Nações Unidas custam bilhões de dólares, estendem-se por décadas e apenas alcançam resultados marginais, a Libéria, a Serra Leoa e [a Costa do Marfim] … são os três países que a ONU aponta como a excepção que prova a regra.”

José Naranjo, escrevendo par o El País, em Janeiro de 2024, afirmou que o principal desafio do país é distribuir a sua nova riqueza por todos os cidadãos.

“De 2015 a 2020, a taxa de pobreza diminuiu de 46% para 39%, o que indica que uma parte significativa da população continua a enfrentar graves desafios,” referiu. “Em cidades como Abidjan, o elevado custo de vida é uma queixa comum devido a uma inflação que ronda os 4%. O impacto da Covid-19 e da guerra na Ucrânia agravou a inflação nos últimos anos.” Além disso, o governo anunciou um aumento de 10% nas tarifas de electricidade.

O International Crisis Group afirma que a dupla aposta da Costa do Marfim na segurança e no desenvolvimento económico “está a render dividendos importantes para a população do norte.” O país deve aumentar os investimentos sociais e continuar a reforçar a confiança entre os militares e os civis. A Costa do Marfim, segundo o grupo, deve continuar a desenvolver a sua relação crítica com o Burquina Faso e apoiar iniciativas multilaterais de partilha de informações. A Costa do Marfim deve igualmente continuar a desenvolver relações de cooperação com o Benin, o Gana e o Togo, entre outros.  

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