EQUIPA DA ADF
Quase 15 meses de caos e guerra no Sudão prepararam o país para o potencial regresso da al-Qaeda, numa altura em que a rede terrorista procura reforçar as suas bases no Sahel e lançar ataques contra a navegação no Mar Vermelho, segundo os especialistas.
“O risco de a al-Qaeda ganhar terreno no Sudão é real e põe em perigo não só o país, mas também a segurança regional e potencialmente global,” escreveu recentemente a analista Maria Zupello no Substack.
De acordo com Hafed al-Ghwell, investigador principal da Escola de Estudos Internacionais Avançados, da Universidade Johns Hopkins, a mistura de insegurança, dificuldades económicas, agitação social e vizinhos instáveis do Sudão é uma receita para o crescimento dos extremistas no país.
“Partilhando uma fronteira com a Líbia, o Chade e a Somália, onde grupos extremistas violentos continuam a operar, as fronteiras porosas e as fracas infra-estruturas de segurança na região criam as condições perfeitas para os terroristas se deslocarem e transportarem armas, contrabando e outros fornecimentos ilícitos,” escreveu al-Ghwell no Arab News.
Uma das principais causas da instabilidade no Sudão é o vazio de poder criado pelos combates entre as Forças Armadas do Sudão (SAF), leais ao General Abdel Fattah al-Burhan, e as Forças de Apoio Rápido (RSF), controladas pelo General Mohamed Hamdan “Hemedti” Dagalo, em Abril de 2023.
A al-Qaeda esteve sediada no Sudão entre 1991 e 1996, sob o regime do ditador Omar al-Bashir, antes de ser forçada a sair. Em 2006, o antigo líder da al-Qaeda, Osama bin Laden, descreveu o Sudão como a chave para as operações internacionais da al-Qaeda. A al-Qaeda mantém laços com as RSF.
Ainda antes da eclosão da violência entre as SAF e as RSF, Abu Hudhaifa al-Sudani, uma figura proeminente da al-Qaeda, publicou em 2022 um livro de cartas de 83 páginas destinado, nas suas palavras, a “semear as sementes da jihad” no Sudão e a orientar os seus seguidores no restabelecimento de um bastião da al-Qaeda naquele país.
“Apesar de não ter actualmente uma presença clara no Sudão, a al-Qaeda continua a procurar o potencial para ter uma rede desse tipo, fornecendo este guia passo a passo sobre como formar um grupo jihadista, bem como cultivar e manter o apoio popular nesse esforço,” escreveu o analista Caleb Weiss sobre o manifesto de al-Sudani.
Em 2023, os grupos afiliados à al-Qaeda lançaram mais de 1.300 ataques terroristas em todo o mundo. Embora mais de 1.000 desses ataques tenham sido perpetrados pelo al-Shabaab na Somália e no Quénia, uma futura al-Qaeda sediada no Sudão pode ser ainda mais perigosa, concordam os especialistas.
A actual instabilidade no Sudão aumentou as possibilidades de o manifesto de al-Sudani dar frutos, segundo a analista Sara Harmouch.
“Estrategicamente ligado ao Norte de África e à África Subsariana, o Sudão é um local chave para os extremistas islâmicos que pretendem expandir a sua influência na região,” Harmouch escreveu recentemente para o The Conversation.
Para além da sua localização, a riqueza de recursos do Sudão — incluindo ouro e petróleo — torna-o um local privilegiado para a al-Qaeda se instalar.
A visão de al-Sudani para a al-Qaeda no Sudão exige um centro de comando em Cartum que supervisione os ataques militares desde Dongola, no norte, até Darfur, no sul.
Uma base da al-Qaeda no Sudão poderia tornar-se o elo entre as filiais da rede no Sahel ocidental e no Iémen, na Península Arábica, e permitir ao grupo ameaçar a navegação no Mar Vermelho, segundo Zupello.
“O ressurgimento das capacidades da al-Qaeda pode levar a um aumento da pirataria, bloqueios militarizados e fluxo de armas não regulamentado, aumentando as tensões regionais e causando uma agitação geopolítica mais ampla,” escreveu Zupello.