Mais de 100 soldados burquinabês em motas, camionetas e pelo menos dois carros blindados entraram na aldeia de Nondin, na província de Yatenga, no norte do país, entre as 8h30 e as 9h do dia 25 de Fevereiro.Os soldados ordenaram sistematicamente que as pessoas saíssem das suas casas e mandaram-nas mostrar os seus bilhetes de identidade. São acusados de terem disparado contra os aldeões que se tinham reunido em grupos. Quando partiram, 44 civis, incluindo 20 crianças, tinham morrido, de acordo com um relatório da Human Rights Watch (HRW).
Cerca de uma hora depois, os soldados entraram na aldeia vizinha de Soro, onde são acusados de terem chacinado 179 pessoas, incluindo 36 crianças.
“Separaram homens e mulheres em grupos,” um agricultor de 48 anos de Soro disse à HRW. “Eu estava no jardim com outras pessoas quando eles [soldados] nos chamaram. Quando começámos a avançar, abriram fogo contra nós indiscriminadamente. Corri para trás de uma árvore e isso salvou-me a vida.”
Alguns sobreviventes disseram acreditar que os ataques eram uma resposta a ataques terroristas contra as forças de segurança.
A Radiodiffusion Télévision du Burquina, a rede nacional de televisão operada pelo governo militar,
reportou “um grande ataque” de insurgentes a uma base militar em Ouahigouya, perto da fronteira com o Mali, por volta das 7 horas da manhã desse dia. A rede disse que uma unidade das forças especiais perseguiu os rebeldes em fuga, mas não registou quaisquer vítimas civis.
Testemunhas disseram à HRW que terroristas armados haviam passado por Nondin mais cedo naquela manhã.“Antes de os soldados começarem a disparar contra nós, acusaram-nos de sermos cúmplices dos jihadistas [combatentes islâmicos],” uma mulher de 32 anos, sobrevivente de Soro, que foi baleada na perna, disse à HRW. “Disseram para não cooperarmos com eles [o exército], porque não os informámos sobre os movimentos dos jihadistas.”
O relatório da HRW baseou-se em entrevistas com 14 testemunhas dos assassinatos, três activistas da sociedade civil local e três membros de organizações internacionais. Obteve também listas com os nomes das vítimas compiladas por sobreviventes e geolocalizou oito valas comuns utilizando imagens de satélite.
A junta no poder, liderada pelo Capitão Ibrahim Traoré, afirmou que o relatório da HRW era “infundado” e, subsequentemente, baniu os meios de comunicação social internacionais e regionais que divulgaram a sua investigação.
Os ataques militares contra civis burquinabês, incluindo os cometidos com a ajuda de milícias de autodefesa alinhadas com o governo e os mercenários russos, são comuns e raramente contabilizados.
Em Novembro de 2023, as forças de segurança mataram cerca de 70 a mais de 200 civis em Zaongo, na região Centro-Norte do Burquina Faso, de acordo com relatos de sobreviventes, as Nações Unidas e grupos de ajuda humanitária.
“O exército burquinabê tem cometido repetidamente atrocidades em massa contra civis em nome da luta contra o terrorismo, sem que quase ninguém seja responsabilizado,” a Directora-Executiva da HRW,
Tirana Hassan, disse no relatório. “As vítimas, os sobreviventes e as suas famílias têm direito a que os responsáveis por graves abusos sejam levados a tribunal. O apoio de investigadores e peritos jurídicos [da União Africana] ou da ONU é a melhor forma de garantir investigações credíveis e julgamentos justos.”A luta contra os grupos terroristas ligados ao grupo Estado Islâmico e à al-Qaeda foi a razão de ser de dois golpes militares no Burquina Faso em 2022. No entanto, o número de assassinatos perpetrados por grupos terroristas
triplicou nos primeiros 18 meses após o golpe de Estado de Janeiro de 2022 no Burquina Faso, de acordo com o Centro de Estudos Estratégicos de África.
O aumento da violência em 2023 foi responsável pela morte de 8.000 pessoas, segundo o Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos.
Os grupos rebeldes controlam mais de um terço do país e cerca de 500.000 pessoas em dezenas de cidades e aldeias rurais estão actualmente em estado de sítio. Segundo o Conselho Norueguês para Refugiados, a ajuda das organizações não-governamentais internacionais chegou apenas a 1% dos civis em metade das zonas bloqueadas.