Os pescadores perto de Benguela, em Angola, puxavam as suas canoas artesanais das ondas banhadas pelo sol, enquanto os vendedores de peixe caminhavam ao longo da praia com cestos à cabeça.Nem as canoas nem os cestos estavam cheios de peixe.
“São os arrastões chineses que estão a fazer com que o peixe se afaste,” o pescador local José Caterca disse à Voz da América (VOA). “Por isso, é mais difícil para nós.”
Caterca é um dos cerca de 50.000 operadores de canoas artesanais em Angola, onde cerca de 100.000 pessoas trabalham no sector das pescas.
Tito Catumbela possui vários barcos de pesca artesanal e é membro da Cooperativa de Pesca Ondjalay local, que conta com cerca de 20 membros. O seu tom passou de neutro a severo quando questionado sobre a presença de arrastões chineses.
“Quando eles percebem que os peixes estão circulando mais nas águas baixas, eles se mudam para essa parte, arruinando todos os investimentos que fizemos,” disse Catumbela. “Quando encontram [as nossas redes de pesca], arrastam tudo. É demasiado caro para nós. Queremos ser ouvidos pelas [autoridades], porque os chineses ignoram-nos quando tentamos falar com eles.”
A falta de peixe fez com que os preços duplicassem, segundo o comerciante de peixe Pachi Sabino.
“As pessoas queixam-se do preço, é muito difícil,” disse à VOA. “Todos os tipos de peixe… o pargo das Caraíbas, as sardinhas e a cavala são ainda mais caros.”
‘Literalmente a Passar Fome’
A China lidera a maior frota de pesca em águas longínquas do mundo e é o pior infractor de pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) do mundo, de acordo com o Índice de Pesca INN. Entre as principais 10 empresas envolvidas na pesca ilegal, a nível global, oito são provenientes da China.
Os arrastões chineses em toda a África Ocidental são conhecidos por utilizarem tácticas ilegais, como a pesca com explosivos, a pesca com luzes artificiais, a pesca em zonas reservadas aos pescadores artesanais e a prática de “saiko,” o transbordo ilegal de peixe no mar.
A pesca de arrasto de fundo é talvez a prática ilegal mais destrutiva utilizada pelos arrastões chineses.
Esta prática destrói os ecossistemas de que os peixes necessitam para sobreviver e captura indiscriminadamente todo o tipo de vida marinha. Em África, a frota de arrasto de fundo da China captura cerca de 2,35 milhões de toneladas de peixe por ano, no valor de mais de 5 bilhões de dólares, segundo a Fundação para a Justiça Ambiental (EJF).
Os arrastões chineses também são conhecidos por terem como alvo a vida marinha ameaçada e vulnerável, incluindo tubarões e raias em Angola, onde também operam empresas de pesca industrial da Itália, Polónia, Portugal, Rússia, Espanha, Coreia do Sul e Taiwan.
O país poderá em breve enfrentar o declínio e o colapso das suas pescas se a pesca industrial não for correctamente gerida, de acordo com Steve Trent, PCA e fundador da EJF, que há anos acompanha a pesca ilegal da China em todo o mundo.
“Estamos a ver a frota chinesa de pesca em águas longínquas a recolher grandes quantidades de peixe, muito raramente para consumo local, muito mais frequentemente para venda internacional, o que deixa as comunidades costeiras de vários países da África Subsariana literalmente a passar fome,” Trent disse à VOA.
‘Uma Preocupação Séria’
As autoridades angolanas lutam para combater a pesca ilegal. O país conta com apenas 15 barcos de patrulha para cobrir os seus 1.650 quilómetros de costa.
Carmen dos Santos, Ministra das Pescas e dos Recursos Marinhos de Angola, reconheceu em Fevereiro que a pesca INN é “uma preocupação séria para o país.”
Nesse mês, o projecto SADC Atlantic, da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, começou a formar 50 agentes de monitorização, controlo e vigilância em Angola através do Centro de Coordenação de Monitorização, Controlo e Vigilância (MCSCC) da SADC e da Stop Illegal Fishing, uma organização africana sem fins lucrativos.
A Embaixada dos Estados Unidos no Botswana financiou o projecto SADC Atlantic, formado em 2022 para apoiar os esforços de combate à pesca INN em Angola, Namíbia e África do Sul.
Em Março, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) realizou um workshop nacional em Angola para desenvolver um plano de implementação do Acordo sobre Medidas do Estado do Porto, da FAO, do qual Angola se tornou parte em 2022.
O plano de desenvolvimento visa melhorar os quadros político, jurídico e institucional de Angola; reforçar o seu sistema de monitorização, controlo e vigilância dos navios de pesca; e aumentar a cooperação regional na luta contra a pesca ilegal.