Pilhando A Generosidade da Natureza
Na República Centro-Africana, O Roubo De Madeira Valiosa Alimenta A Insegurança
EQUIPA DA ADF
A pesar de uma espantosa variedade de recursos naturais, a República Centro-Africana (RCA) tem sofrido anos de guerra civil, má governação e corrupção. Traficantes, terroristas, mercenários e ladrões estão a roubar a sua riqueza em diamantes, ouro e madeira de alta qualidade a uma escala industrial.
Mais de um terço do país é constituído por florestas, que contribuem com 13% das receitas de exportação, segundo o Enhancing Africa’s Response to Transnational Organised Crime (ENACT), um projecto da União Europeia que estuda o crime organizado em África. Mas isso é apenas o rendimento das operações legítimas de abate de árvores. Quantidades incalculáveis de madeira de alta qualidade para mobiliário saem ilegalmente do país, geralmente enviadas para a China para fabricar mobiliário artesanal.
Os países africanos perdem 17 bilhões de dólares por ano com o abate ilegal de árvores. As Nações Unidas informaram que a quota de África nas exportações de madeira de lei para a China aumentou de 40% em 2008 para 90% em 2018. Em tempos, o Sudeste Asiático teve as suas próprias florestas de pau-rosa, mas estas ficaram tão esgotadas que os madeireiros começaram a pilhar outras partes do mundo.
“Pau-rosa” é o nome geralmente utilizado para descrever a madeira de lei proveniente de África, mas o termo não é totalmente exacto. O termo pau-rosa é utilizado para designar várias centenas de espécies de madeira tropical encontradas na África Ocidental e Central, no Sudeste Asiático e na América Latina. Algumas variedades de pau-rosa são classificadas na China como “hongmu,” um padrão superior de qualidade de mobiliário.
O pau-rosa é a madeira de lei mais apreciada em toda a RCA e no resto de África, mas os madeireiros também exploram outras espécies. Na RCA, uma madeira de lei castanho-avermelhada chamada sapele tornou-se popular na China nos últimos anos. Os madeireiros também pilham teca, pau-brasil e mogno.
Os móveis de hongmu eram originalmente fabricados para pessoas como os imperadores Ming e os extremamente ricos. De acordo com a revista Foreign Policy, durante a Revolução Cultural chinesa, este tipo de mobiliário era desprezado e violentamente confiscado pelo Partido Comunista Chinês, que o considerava uma riqueza “burguesa.”
Actualmente, o pau-rosa é utilizado na China para mobiliário personalizado, que se tornou popular entre a classe média e é considerado um símbolo de estatuto e um investimento a longo prazo. O mercado de mobiliário de pau-rosa na China está estimado em 26 bilhões de dólares anuais.
A censura dos meios de comunicação social na China significa que a maioria dos cidadãos chineses não tem conhecimento da dimensão do problema da exploração ilegal de madeira nos países africanos. “Não há uma cobertura genuína do lado chinês,” Haibing Ma, especialista em política asiática, disse à Foreign Policy.
O pau-rosa tornou-se o produto silvestre ilegal mais comercializado no mundo. Segundo a Interpol, o tráfico de marfim, de chifres de rinoceronte ou de escamas de pangolim é muito maior. É vendido por até 50.000 dólares por metro cúbico e o seu valor aumenta 700 vezes desde o madeireiro até ao comprador final.
O abate de árvores começa geralmente com o suborno de funcionários locais e nacionais da RCA. A cadeia criminosa começa com traficantes dos países fronteiriços dos Camarões, do Chade, da República Democrática do Congo (RDC), da República do Congo, do Sudão e do Sudão do Sul, de acordo com um estudo de Julho de 2023 do ENACT.
“No entanto, os barões são cidadãos estrangeiros de países asiáticos,” informou o ENACT. “Embora a RCA seja o país de origem da exploração ilegal de madeira, a madeira e os produtos ilícitos são traficados através dos países vizinhos por múltiplos corredores de trânsito rodoviário e fluvial.”
As condições na RCA são ideais para o crime. O país sem litoral possui 5.200 quilómetros de fronteira com os seus seis países vizinhos, o que torna a fiscalização das fronteiras quase impossível. Com uma fiscalização negligenciável da lei, o país atraiu uma série de especuladores e terroristas que querem usar o dinheiro da exploração de madeira para comprar armas.
A exploração ilegal de madeira pode multiplicar a corrupção e o crime em todo o país. Os investigadores do Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS) afirmam que o abate de árvores amplifica o crime organizado e as ameaças extremistas e, por sua vez, torna a governação mais difícil, porque envolve o conluio entre altos funcionários do governo e redes criminosas. O conluio enfraquece o controlo dos recursos naturais.
“A actividade criminosa organizada pode ocorrer em qualquer fase da cadeia de abastecimento, durante a extracção, a serração, o transporte, a comercialização ou o branqueamento dos lucros,” informou o ACSS.
Embora a RCA seja um dos focos de exploração ilegal de madeira em África, está longe de ser o único país africano a lidar com este tipo de problemas:
• Em 2021, a Comissão Anticorrupção da Zâmbia apreendeu 47 camiões cheios de pau-rosa extraído ilegalmente. O ACSS informou que a madeira se dirigia para as fronteiras da Namíbia e do Zimbabwe e que se tratava de um dos vários casos de exploração ilegal de madeira envolvendo membros do governo zambiano.
• O ACSS também informou que, na Guiné Equatorial, um alto funcionário do governo “lucrou imenso” com o transporte e a exportação de madeiras de lei raras. O centro informou que ele vendeu algumas florestas nacionais a empresas privadas e utilizou uma empresa fantasma ligada ao Ministério da Agricultura para cobrar taxas de processamento, carregamento e transporte da madeira.
• No Gabão, as autoridades apreenderam mais de 390 contentores carregados com toros de Kezavingo, um tipo de pau-rosa, avaliados em 250 milhões de dólares, o site sobre economia global, Quartz, reportou em 2019. Um mês depois, 350 contentores desapareceram, expondo a corrupção e a falta de regulamentação na indústria madeireira local. Depois de 200 dos contentores desaparecidos terem sido encontrados e novamente apreendidos, o então presidente do Gabão demitiu o seu vice-presidente e o ministro das florestas.
• No Mali, os madeireiros ilegais têm extraído grandes quantidades de um tipo de pau-rosa conhecido como kosso, que é particularmente popular na China. Entre Maio de 2020 e Março de 2022, a China importou 148.000 toneladas de kosso do Mali, apesar da proibição da extracção e do comércio das árvores, informou a Agência de Investigação Ambiental (EIA). Segundo a agência, foram necessárias 220.000 árvores para produzir essa quantidade de madeira, que enche mais de 5.500 contentores de transporte. O relatório da EIA refere que os carregamentos ilegais são o resultado de uma “corrupção profundamente enraizada” no Mali, incluindo licenças inválidas e funcionários públicos que recebem subornos.
• Em meados de 2023, o jornal nigeriano This Day noticiou que o Estado de Taraba, na Nigéria, tinha imposto uma proibição total do abate de um tipo de pau-rosa popularmente chamado Madrid. O governador alargou a proibição de modo a incluir a transformação e a venda da valiosa madeira. O jornal refere que milhares de árvores foram cortadas no Estado nos últimos oito anos, com uma grande parte dos lucros a ir parar “aos bolsos privados e não aos cofres do Estado.”
A exploração ilegal de madeira em África há muito que está associada a grupos extremistas e a redes criminosas. Na Nigéria, são exportados anualmente bilhões de dólares de pau-rosa, grande parte dos quais provenientes de florestas controladas pelo grupo terrorista Boko Haram. Na Gâmbia, os troncos de pau-rosa exportados são contrabandeados de rebeldes separatistas da região de Casamança, no vizinho Senegal.
As redes de tráfico de madeira na Tanzânia e na RDC, ligadas a grupos militantes em Moçambique, ganharam milhões de dólares por mês com o abate ilegal de árvores, noticiou o The Conversation. No Senegal, o Movimento das Forças Democráticas da Casamança tem financiado a sua insurgência através do abate ilegal de árvores de pau-rosa. As milícias da Libéria e da RCA também utilizam a exploração madeireira para financiar as suas operações. A Global Witness denunciou que os grupos armados da RCA têm estado a utilizar a “cobertura do conflito” para destruir as florestas tropicais do país.
No Mali, os extremistas utilizam a questão do tráfico de madeira como meio de propaganda, dizendo à população que vão proteger as florestas do país dos madeireiros. “Os apoiantes dos rebeldes exploram a crise florestal e a frustração entre a população das províncias do sul como forma de promover a sua causa,” informou a EIA, segundo a Voz da América. “Alegam frequentemente que só a disciplina rigorosa dos jihadistas pode pôr fim à crise do pau-rosa e aos círculos de grande corrupção que esta alimentou.”
GRUPO WAGNER ENVOLVIDO
Os mercenários russos do Grupo Wagner estão a entrar em acção. O grupo tem apoiado vários líderes em África, nomeadamente na RCA, na Líbia, no Mali e no Sudão, em troca de direitos minerais. Na RCA, os mercenários do Grupo Wagner servem como guardas pessoais do Presidente Faustin-Archange Touadéra.
A organização de investigação All Eyes on Wagner, que investiga as actividades do grupo em todo o mundo, descobriu que o governo da RCA deu a uma empresa chamada Bois Rouge uma concessão de exploração madeireira de 30 anos, em 2021, para abater árvores em cerca de 186.000 hectares — uma área com mais do dobro do tamanho do Parque Nacional Mbaéré-Bodingué, do outro lado do Rio Mbaéré. A empresa, embora supostamente gerida por um cidadão da RCA, também apareceu numa exposição comercial em Xangai e foi registada como sendo russa. Se o Grupo Wagner explorar apenas um terço da área contratada, segundo algumas estimativas, poderá colher quase 900 milhões de dólares com a venda dos toros no mercado internacional.
Em 2023, a CBS News filmou secretamente camiões do Grupo Wagner a saírem da base militar do grupo perto da capital, Bangui, carregados de madeira. Os mercenários russos garantiram a segurança da coluna até à fronteira com os Camarões, onde lhes foi dada passagem.
“Na fronteira, os condutores apresentaram um documento de passagem segura carimbado pelo governo da RCA,” informou a CBS. “O documento funciona como um distintivo diplomático — significa que os veículos não podem ser revistados.”
Segundo o ENACT, um relatório de investigação concluiu que, “para extrair a madeira quase sem custos, os mercenários cometeram graves violações de direitos humanos, incluindo a invasão e o ‘esvaziamento’ de cidades e aldeias. Os mercenários estrangeiros são, portanto, parcialmente responsáveis pela instabilidade na região da floresta tropical.”
IMPEDINDO A EXPLORAÇÃO DE MADEIRA
Uma das estratégias para resolver o problema da exploração ilegal de madeira tem sido a declaração de moratórias por parte dos países relativamente a qualquer tipo de abate de árvores. Em geral, essas restrições não têm funcionado; é fácil contorná-las quando os sistemas de segurança e de justiça do Estado estão envolvidos nos crimes. Vários países impuseram moratórias e depois abandonaram-nas, alegando que não dispunham de recursos para as fazer cumprir.
Acabar com a exploração ilegal de madeira exigirá uma determinação que poucos países foram capazes de reunir. O ENACT afirma que o ponto de partida seria a demonstração, pelos mais altos níveis de governo de cada país, da vontade política de acabar com a corrupção extractiva no sector madeireiro, em particular os madeireiros ilegais que as autoridades estatais protegem.
Segundo um relatório do The Conversation, para pôr termo à exploração ilegal de madeira é necessário desmantelar as redes criminosas de alto nível que a conduzem e travar os actores governamentais que a permitem. O controlo e a responsabilização são fundamentais.
O Instituto de Estudos de Segurança diz que o maior desafio da exploração ilegal de madeira é acabar com a corrupção que permeia todo o processo. Os países não podem fazer isso sozinhos. Referindo-se à RCA, o instituto disse que seria uma “tarefa hercúlea” impedir que actores, empresas e facilitadores estrangeiros explorarem ilegalmente e trafiquem madeira.
“É provável que seja necessário pressionar a comunidade internacional para que sejam aplicadas sanções contra as empresas do sector madeireiro mundial,” salientou o instituto.
O ACSS afirma que para acabar com a exploração ilegal de madeira será necessário reforçar a responsabilização independente, em vez de confiar apenas nos governos para fazerem o correcto. Para esse fim, o centro disse que isso pode incluir o destacamento de inspectores-gerais, a criação de procuradores florestais designados junto dos gabinetes dos procuradores gerais e a criação de organismos sub-regionais de supervisão judicial.
Uma vez que a cumplicidade dos funcionários do governo impede o poder dos tribunais nacionais de perseguir a exploração ilegal de madeira, é necessária uma forte supervisão externa, concluiu o centro. “Isso pode ser feito através da sociedade civil nacional e, em certos casos, da cooperação internacional, na partilha de informações e nos processos judiciais.”
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