EQUIPA DA ADF
O anúncio do Níger de que vai suspender a cooperação militar com os Estados Unidos está a repercutir-se em toda a região, com os observadores a recearem que a segurança no Sahel se deteriore ainda mais.
O Major-Coronel Amadou Abdramane, porta-voz do Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (CNSP) do Níger, fez o anúncio na televisão nacional no dia 16 de Março. A decisão foi tomada após uma reunião com uma delegação dos EUA que incluía o General Michael Langley, comandante do Comando dos EUA para África, e Molly Phee, Secretária-Adjunta de Estado para Assuntos Africanos.
Os EUA e o Níger estão a prosseguir as discussões diplomáticas para clarificar o futuro da parceria de segurança entre os EUA e o Níger, de acordo com um comunicado da secretária-adjunta de imprensa do Pentágono, Sabrina Singh.
Os EUA têm cerca de 1.000 militares e civis no país a apoiar as operações na Base Aérea 101 em Niamey e na Base Aérea 201 perto de Agadez. O Níger tem sido um baluarte contra o terrorismo na região há mais de uma década. Em 2013, os dois países assinaram um acordo sobre o estatuto das forças, que aprofundou a cooperação militar, permitindo aos EUA posicionar aeronaves tripuladas e não tripuladas no país, principalmente para monitorizar os extremistas.
A parceria tem sido mutuamente benéfica. Os EUA investiram 110 milhões de dólares para construir a Base Aérea 201 perto de Agadez e gastam cerca de 30 milhões de dólares por ano para manter o aeródromo e a sua pista de 1.890 metros. Os voos de informação, vigilância e reconhecimento a partir da base começaram em 2019 e forneceram informações vitais aos países do Sahel que lutam contra grupos terroristas conhecidos que operam na região da tríplice fronteira.
Os EUA doaram três aviões de transporte C-130 Hercules para transportar tropas e equipamento pelo vasto território do Níger e prestaram assistência a outros projectos, incluindo 20 milhões de dólares para apoiar o desarmamento, a desmobilização e a reintegração de ex-combatentes. No início de 2023, o Níger era o maior beneficiário da assistência militar do Departamento de Estado dos EUA na África Ocidental.
Os esforços parecem ter dado frutos. Em 2022, o Níger contrariou uma tendência regional e registou uma queda de 80% nas mortes relacionadas com o terrorismo. Durante o mesmo período, o Mali e o Burquina Faso registaram um aumento do número de ataques.
“O Níger tem-se apresentado como um oásis de estabilidade na região conturbada e um parceiro fiável,” referiu a Al Jazeera em 2022.
Os dois países associaram-se em numerosos eventos de formação bilaterais e multilaterais. O Níger foi anfitrião do Flintlock, um exercício anual de forças especiais liderado por África em 2014 e 2018 e acolheu uma parte do exercício em 2017. Durante estes exercícios e ao longo do ano, os dois países têm trabalhado em programas de envolvimento civil-militar, frequentemente em comunidades próximas das bases aéreas, oferecendo tratamento médico e veterinário gratuito, bem como outro tipo de apoio aos civis. Durante a pandemia da COVID-19, os EUA forneceram dois hospitais de campanha móveis no valor de 1,6 milhões de dólares, que foram utilizados para tratar doentes na região de Tillaberi e em Agadez.
Os observadores receiam que o fim da parceria possa significar problemas a longo prazo.
“Penso que isso deixa o Níger, bem como o Burquina Faso e o Mali, extremamente expostos,” Alexis Akwagyiram, director editorial do Semafor, disse à Al Jazeera. “Quando se expulsam todas as tropas ocidentais, é possível ver uma tentativa de compensar os números, formando um pacto de segurança entre si e voltando-se para a Rússia, mas não creio que isso vá compensar o défice. Não em termos de números, muito menos em termos de capacidades.”
Talvez o mais significativo seja a perda da vigilância aérea dos grupos terroristas em todo o Sahel. “Trata-se de uma enorme capacidade que está a ser retirada e que não está a ser substituída, pelo que a implicação é que, com o tempo, a situação de segurança se vai deteriorar,” disse Akwagyiram.
Também está a crescer a preocupação com o envolvimento russo no Níger. O Grupo Wagner de mercenários russos, agora conhecido como Africa Corps, foi destacado para o Burquina Faso e o Mali. Apesar das promessas de assistência na luta contra o terrorismo, a violência extremista aumentou em ambos os países e os mercenários foram acusados de cometer atrocidades contra mulheres, crianças e minorias étnicas. Em ambos os países, dizem os observadores, a presença russa tem sido um trunfo para o recrutamento de terroristas.
“Embora o Grupo Wagner seja utilizado por vários Estados para combater e enfraquecer os grupos jihadistas no Sahel, a sua presença crescente — e a sua reputação de brutalidade — está a ter o efeito oposto,” Colin Clarke, director de investigação do Soufan Group, uma empresa de consultoria em matéria de segurança e informações globais, escreveu num artigo para o The New York Times. “As organizações terroristas utilizaram o ressentimento crescente das tácticas de terra queimada do Grupo Wagner para recrutar novos membros, oferecendo-lhes protecção e uma oportunidade de vingança.”
Os peritos em segurança acreditam que os grupos extremistas estão agora a observar atentamente os desenvolvimentos no Níger e estão preparados para tirar partido de um vazio de segurança.
“Se a relação entre os EUA e o Níger for permanentemente cortada, a vigilância e a recolha de informações serão seriamente afectadas,” o Dr. Olayinka Ajala, professor sénior de política e relações internacionais na Universidade Leeds Beckett, escreveu num artigo para o The Conversation. “Os grupos terroristas podem tirar partido da situação e tornar-se mais ousados. Os drones de vigilância são um factor de dissuasão para os grupos terroristas.”