Recursos Naturais Para O Benefício De Todos
Os Conflitos Relacionados Com Os Recursos E A Má Gestão Desestabilizam Os Países E Prejudicam As Relações Civis-Militares. Não Tem De Ser Assim.
EQUIPA DA ADF | FOTOS DE REUTERS
Na última década, o Sudão tornou-se o terceiro maior produtor de ouro em África. O sector ganhou ímpeto após a independência do Sudão do Sul em 2011, quando o país se voltou para a exploração mineira para compensar os dois terços dos poços de petróleo que perdeu na divisão.
Mas esta riqueza natural não beneficiou a população. Em vez de o ouro ser extraído pelo sector privado e tributado adequadamente, a extracção está nas mãos do exército.
As forças armadas do Sudão estão profundamente envolvidas na economia do país, desde as minas de ouro aos campos agrícolas e ao fabrico de armas. Entre elas estão as Forças Armadas do Sudão (SAF), lideradas pelo General Abdel Fattah al-Burhan, e as Forças de Apoio Rápido, lideradas por um general conhecido como Hemedti. Mesmo antes de os dois generais se terem confrontado numa guerra civil, os cidadãos do país protestavam contra a forma como o exército estava a gerir a exploração do ouro.
Em Março de 2023, os manifestantes do Estado do Mar Vermelho, do Sudão, exigiam que as SAF encerrassem uma mina de ouro que exploravam na base militar de Dordeib.
“Temos estado a questionar-nos como é possível que tenham sido criadas fábricas de mineração dentro de uma base do exército e porque é que o exército se desvia das suas verdadeiras tarefas e cria empresas comerciais,” disse um manifestante à Rádio Dabanga do Sudão.
Hemedti tem ligações com o Grupo Wagner, de mercenários russos, que iniciou as suas próprias actividades mineiras no Sudão durante o regime do antigo ditador Omar al-Bashir. O Grupo Wagner contrabandeia toneladas de ouro do Sudão todos os anos para ajudar a Rússia a contornar as sanções financeiras internacionais impostas após a invasão à Ucrânia, em 2022. O contrabando custa ao Sudão milhões de dólares em receitas públicas perdidas todos os anos.
O Sudão não é o único país cujo exército se encontra envolvido em actividades comerciais. Estas empresas controladas pelo exército são mais comuns nos sectores dos recursos naturais e das indústrias extractivas. No seu relatório intitulado “Military-owned businesses: corruption & risk reform,” a Transparência Internacional salientou que a posição privilegiada do exército na sociedade “permite-lhe capitalizar o seu poder e as suas redes de clientelismo.” Além disso, estando encarregues da segurança das fronteiras, os militares têm o poder de importar e exportar facilmente mercadorias “sem estarem sujeitas às alfândegas ou inspecções do Estado.”
VENDER-SE AO GRUPO WAGNER
Na República Centro-Africana (RCA), o Presidente Faustin-Archange Touadéra contratou o Grupo Wagner para lhe servir de força de segurança privada, entre outras coisas. Em troca do seu trabalho, o grupo obteve acesso directo aos recursos naturais da RCA.
O Grupo Wagner recorre regularmente à violência para se apoderar e lucrar com os recursos naturais em África.
“A história que o Grupo Wagner conta é que os mercenários estão lá para treinar os soldados da RCA e ajudá-los a esmagar os grupos rebeldes que querem derrubar o presidente,” noticiou a CBS News em Maio de 2023. “A realidade é que o Grupo Wagner dominou o país de tal forma que pode agir impunemente e é acusado de usar uma violência terrível para garantir que não haja concorrência para o seu fluxo de receitas por parte dos comerciantes de ouro locais.”
Os pormenores dos projectos na RCA mostram que os esforços mineiros do Grupo Wagner estão a tornar-se cada vez mais lucrativos para a organização e criam um canal de financiamento para a guerra da Rússia contra a Ucrânia.
“O Grupo Wagner instalou-se na RCA em 2018, criando um centro cultural e assinando vários acordos para ajudar a proteger os locais de mineração, incluindo a mina de ouro de Ndassima, localizada perto da cidade de Bambari, no centro do país,” escreveu a repórter de segurança nacional Erin Banco no início de 2023. “Desde então, o Grupo Wagner transformou a mina, outrora artesanal, num enorme complexo.”
No início de 2023, a mina englobava oito zonas de produção em vários estágios de desenvolvimento, sendo que a maior delas teria mais de 60 metros de profundidade.
Os observadores acreditam que o grupo está a construir o local para exploração a longo prazo e que o fortificou com pontes nas passagens dos rios e armas antiaéreas em pontos-chave. Os russos deixaram bem claro que não querem que nenhum avião de reconhecimento sobrevoe o local.
RECURSOS MAL UTILIZADOS
Há muitas razões para que os recursos naturais não sejam uma bênção para as economias nacionais. Em algumas partes de África, ladrões invasores e terroristas impedem os países de extrair os seus recursos. Noutros países, como o Burquina Faso, os terroristas tomam conta de operações inteiras de extracção de ouro. Na África Ocidental, florestas protegidas de pau-rosa, em vias de extinção, foram destruídas e enviadas para a China. Os funcionários locais são subornados para facilitarem o abate de árvores.
O pau-rosa é muito apreciado na China para o fabrico de mobiliário personalizado. A procura incessante dos fabricantes chineses transformou o pau-rosa no material natural mais traficado do mundo. A Interpol estimou, no início de 2023, que o pau-rosa valia 50.000 dólares por metro cúbico.
A China virou as suas atenções para a África Ocidental depois de esgotar as suas próprias unidades de pau-rosa. Os activistas ambientais afirmam que a cobiça da China pelo pau-rosa impulsiona um mercado negro que está a corromper funcionários do governo e líderes tribais, a minar as protecções internacionais e a devastar o ambiente. De acordo com Raphael Edou, antigo ministro do Ambiente do Benin, o abate ilegal de madeira de pau-rosa nos Camarões também enfraquece o Estado de direito no país. O Benin foi um dos primeiros alvos do comércio de pau-rosa impulsionado pela China.
“É quase como se África não pudesse lidar com os chineses em pé de igualdade,” o Professor Abel Esterhuyse, da Faculdade de Ciências Militares da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, disse à ADF. “Os paises africanos não podem dizer: ‘Olha, não nos vão explorar.’ A África precisa de articular a utilização dos seus próprios recursos como um instrumento para gerir os seus governos, como um instrumento de interesse para permitir que outros países concorram nas suas relações comerciais, como um benefício para a sociedade no seu todo.
“Para mim, é fascinante o que a China tem feito na parte norte da Namíbia, nos últimos 10 anos, tirando todos os pedaços de madeira, todas as árvores,” disse. “Também o fizeram na parte sul de Angola. O problema é que isso criou um enorme ressentimento entre as pessoas que perguntavam: ‘O que é que os chineses estão a fazer com a nossa terra?’ Isso cria esta economia política entre África e o resto do mundo, de tal forma que os africanos não beneficiam dos seus próprios recursos. É inacreditável.”
HISTÓRIAS DE SUCESSO
Países de todo o continente mostraram o valor de uma utilização correcta dos seus recursos nacionais, através da iniciativa privada, para o bem das suas populações. Estes activos extraídos e explorados proporcionaram fluxos de receitas e impostos para estabilizar e melhorar os governos civis:
A Costa do Marfim tem registado uma expansão económica forte e estável na última década e tem sido descrita como “um dos mercados emergentes subestimados de África.” O site Nomad Capitalist refere que a pandemia da COVID-19 interrompeu o crescimento do país, embora as previsões económicas continuem a ser positivas. Os recursos naturais do país incluem diamante, ouro, gás natural e petróleo. Outros recursos, como o minério de ferro, o cimento e o níquel, continuam em grande parte por explorar. O país tem um sector político relativamente estável, prevendo-se um forte crescimento nos próximos anos.
Os recursos naturais do Gana incluem o alumínio, a bauxite, o diamante e a madeira. O Gana é o maior fornecedor de ouro em África, produzindo cerca de 5 a 7 bilhões de dólares por ano. O Gana é considerado um dos países mais estáveis da África Ocidental desde a sua transição para uma democracia multipartidária, em 1992.
A Namíbia é um dos locais mais secos do mundo, com uma precipitação anual de cerca de 27 centímetros. Mas possui grandes reservas de diamante, cobre e urânio. O país ocupa o quinto lugar entre os países africanos na produção de diamante. Segundo o World Atlas, a Namíbia é o quarto maior produtor mundial de urânio, atrás da Austrália, do Canadá e do Cazaquistão.
A Namíbia ocupa o quarto lugar entre os países africanos no Índice de Democracia. De acordo com a Business Insider Africa, a pontuação do país “destaca o seu compromisso com a inclusão, os processos eleitorais e as liberdades civis.”
O Botswana é conhecido pela sua fauna selvagem, com 38% do seu território reservado para parques nacionais, reservas e áreas de gestão da vida selvagem. O país sem litoral, com cerca de 2 milhões de habitantes, foi descrito pela Business Insider Africa como “um daqueles países tranquilos, mas prósperos da planície africana.” Embora disponha de vários recursos, a sua principal exportação, cerca de 80%, é o diamante, o que o torna o segundo maior produtor de diamante a seguir à Rússia.
Esterhuyse cita o Botswana como exemplo de um país que sabe gerir os seus recursos.
“Eis algumas das coisas que estão a fazer bem,” disse à ADF. “Têm uma burocracia muito forte. Têm uma burocracia saudável que não só é bem formada, não só é bem qualificada, como também merece a confiança do povo e do Estado. Não estou a falar de políticos. Estou a dizer que têm um sistema administrativo maduro e burocrático.
“Existe uma história institucional no Botswana baseada na competência e no mérito,” afirmou. “A isso junta-se o aparelho de segurança, que não é diferente do resto do sector estatal. O sistema de segurança é bem financiado, cerca de 4% a 5% do [produto interno bruto]. O sistema de segurança é bem qualificado, bem formado e profissional. E inclui também os serviços de informação. Em muitos países, não se fala dos serviços de informação, porque, muitas vezes, estes não estão a fazer o seu trabalho. Não é esse o caso do Botswana.”
Esterhuyse afirmou que os problemas de exploração não são exclusivos dos países africanos.
“Não creio que África seja diferente de qualquer outra entidade política no mundo, onde existe um sistema político imaturo, onde se permite que os políticos capitalizem as oportunidades disponíveis, onde não existe um sistema parlamentar equilibrado e forte que faça as perguntas certas,” afirmou. “A prevenção da exploração tem a ver com a governação.”
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