EQUIPA DA ADF
O ciclo vicioso de conflito e fome continua em algumas das regiões africanas devastadas pela guerra. Em nenhum outro país a situação foi pior em 2023 do que no Burquina Faso, no Mali, na Somália e no Sudão do Sul.
Estes são os únicos países do mundo designados como Fase 5, descrita como catástrofe/fome — o nível mais grave no sistema de Classificação Integrada das Fases de Segurança Alimentar (IPC).
Falando perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas, a Coordenadora da ONU para Prevenção e Resposta à Fome, Reena Ghelani, sublinhou que os conflitos e a insegurança continuam a ser os principais factores da fome e da carestia.
“É uma crise provocada pelo homem que se tem vindo a agravar há anos,” afirmou em Agosto. “Estamos agora num ponto de viragem.”
O número de africanos que enfrentam uma insegurança alimentar aguda aumentou de 137 milhões em 2022 para um recorde de 149 milhões em 2023. Estima-se que 82% destes se encontram em países afectados por conflitos. O sistema IPC define a insegurança alimentar aguda como a Fase 3 ou superior.
Nicholas Haan, criador da escala IPC, afirmou que a fome ocorre quando mais de 20% da população não consegue obter alimentos suficientes para se sustentar.
“A fome é um colapso total do sistema,” afirmou. “Não se trata apenas de uma questão alimentar. Toda a sociedade se está a desmoronar. É uma questão de saúde. É uma questão de água. É uma questão de saneamento.
“É uma questão de protecção, porque em ambientes tão extremos as pessoas são altamente vulneráveis à exploração e à violência de todos os tipos.”
Em Agosto de 2023, o número de pessoas na Fase 3 ou superior da IPC incluía 2,7 milhões de quenianos, 3,7 milhões de somalis, 7,7 milhões de sul-sudaneses, 20,3 milhões de sudaneses, 990.000 tanzanianos e 582.000 ugandeses.
A fome não foi oficialmente declarada no Burquina Faso, no Mali, na Somália ou no Sudão do Sul, mas estes países estão à beira do abismo.
Burquina Faso
O Programa Mundial de Alimentação (PMA) estimou que 3,4 milhões de burquinabês — 15% da população — enfrentaram a Fase 3 da IPC, o nível de crise de insegurança alimentar aguda, ou pior, durante a estação magra entre Junho e Agosto de 2023.
Cerca de 605.000 pessoas das regiões de Boucle du Mouhoun, Centre-Nord, Est, Nord e Sahel, do Burquina Faso, estão a passar fome a um nível de emergência (Fase 4). Prevê-se que a região do Sahel também tenha cerca de 43.000 pessoas adicionais a enfrentar níveis de fome de catástrofe/carestia (Fase 5).
“Nestas regiões, as pessoas são levadas a uma situação de insegurança alimentar aguda devido a níveis de violência extremamente elevados, a deslocações relacionadas com conflitos e a tácticas de cerco por parte de grupos armados que privam a população do acesso à assistência humanitária,” afirmou o PMA.
Mali
Com as organizações extremistas violentas a expandirem o seu alcance nas regiões centro e leste, cerca de 1,3 milhões de malianos estão a enfrentar níveis de fome de crise ou piores. Segundo o PMA, cerca de 1,48 milhões de crianças com menos de 5 anos sofrem de desnutrição aguda, o que representa um aumento de 20% em relação a 2022.
A insegurança e as deslocações continuam a aumentar, numa altura em que a junta militar no poder mobiliza tropas para enfrentar os rebeldes Tuaregues no norte.
Na zona da tríplice fronteira, também conhecida como a região de Liptako-Gourma, onde o Mali faz fronteira com o Burquina Faso e o Níger, mais de 76.000 pessoas enfrentam níveis de fome de emergência (Fase 4). Cerca de 2.500 pessoas da região de Ménaka estão a sofrer de níveis de Fase 5.
Somália
As forças governamentais, uma força regional liderada pela União Africana, denominada ATMIS, e as milícias aliadas continuam a travar uma batalha contra os terroristas do al-Shabaab, que estão ligados à al-Qaeda.
Os insurgentes estão profundamente consolidados em vastas áreas das regiões central e meridional, o que torna a ajuda humanitária quase impossível de prestar. A ONU calcula que pelo menos 3,8 milhões de somalis estejam deslocados internamente.
O PMA afirma que cerca de 40% da população, quase 6,6 milhões de pessoas, registou níveis de insegurança alimentar de crise ou piores até Junho.
Sudão do Sul
Entre Abril e Junho, 63% de todos os sul-sudaneses (7,8 milhões de pessoas) enfrentaram níveis agudos de fome, incluindo 2,9 milhões de pessoas que sofreram níveis de emergência (Fase 4) em todo o país e 43.000 que enfrentaram níveis de catástrofe (Fase 5) no Estado de Jonglei.
“A situação está a ser impulsionada por níveis crescentes de violência subnacional que também perturbam a prestação de ajuda humanitária,” afirmou o PMA.
Desde o início do conflito no Sudão, em Abril, cerca de 293.000 repatriados sul-sudaneses e refugiados sudaneses entraram no Sudão do Sul, agravando uma situação humanitária já grave.
No Dia Mundial da Alimentação, 16 de Outubro, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, instou os países a agir.
“As causas a longo prazo da crise alimentar mundial incluem os conflitos, os extremos climáticos, a desigualdade e a instabilidade económica,” afirmou num vídeo.
“Em 2015, após anos de progresso, os governos definiram o objectivo de erradicar a fome até 2030. Mas oito anos depois, o número de pessoas que sofrem de fome aumentou significativamente. Esta crise exige acção.”