EQUIPA DA ADF
A cidade histórica de Gondar, na Etiópia, foi palco de uma nova ronda de combates entre uma milícia de etnia Amhara e as forças governamentais. A batalha havida perto de um local que é património mundial ameaça mergulhar a Etiópia de novo no conflito, menos de um ano depois de ter sido assinado um acordo de paz para pôr fim à guerra no Tigré.
“Os receios de outra guerra que possa igualar ou mesmo eclipsar o que aconteceu no Tigré não são descabidos se não for encontrada uma solução,” escreveu Yohannes Gedamu, um cientista político e autor de um livro sobre o federalismo étnico da Etiópia, num ensaio para o The Conversation. “O impacto de uma outra guerra civil no Corno de África, ao mesmo tempo que no Sudão, seria catastrófico.”
Segundo a BBC Amharic, os últimos confrontos ocorreram quando membros da Fano, uma milícia Amhara cujo nome se traduz em “combatentes voluntários,” atacaram duas esquadras de polícia e libertaram prisioneiros no dia 24 de Setembro. Um residente relatou um forte tiroteio em várias partes da cidade e vítimas civis. O governo afirmou ter morto pelo menos 50 combatentes da Fano.
Os membros da Fano afirmaram que o ataque era uma demonstração da sua força.
“Lançámos um ataque para mostrar que podemos entrar na cidade de Gondar quando quisermos e para libertar centenas dos nossos membros detidos,” Tewodros, o responsável pelas relações públicas da Fano, disse à BBC Amharic.
Os combates têm origem no fim da guerra do Tigré. As milícias Amhara lutaram ao lado das forças governamentais durante a guerra, mas não foram autorizadas a participar nas conversações de paz. Os membros da Fano foram acusados de algumas das piores atrocidades do conflito e, no final da guerra, as forças federais começaram a prendê-los. O acordo de paz irritou muitos Amharas, que afirmaram não ter resolvido a questão das terras contestadas, conhecidas como Tigré Ocidental, que, segundo eles, deveriam ser suas por direito.
Após o acordo, o Primeiro-Ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, anunciou planos para desmantelar grupos de milícias, incluindo as forças especiais de Amhara, que estão alinhadas com o governo central. De acordo com o plano, os ex-combatentes seriam integrados nas forças armadas ou na polícia.
Mas a Fano rejeitou a iniciativa e cerca de 50% dos membros das forças especiais de Amhara juntaram-se a eles. Os combates prosseguiram durante todo o Verão e, em Agosto, com a Fano a controlar a capital regional Bahir Dar e outras cidades, Abiy declarou o estado de emergência de seis meses.
A agitação ocorre num contexto de crescente sentimento nacionalista Amhara, com muitos membros do grupo étnico a sentirem que estão a ser alvo de violência.
“Os Amharas acreditam que a actual Constituição e o acordo territorial de base étnica ignoram os seus interesses e a sua segurança,” Adane Tadesse, doutorando em ciência política na Universidade de Adis Abeba, escreveu num ensaio para o Wilson Center. “Os nacionalistas Amhara sublinham que as narrativas contidas na actual Constituição do país expõem os Amharas à ‘limpeza étnica’ e ao ‘genocídio.’”
Os analistas dizem que as perspectivas de paz são complicadas pelo apoio público à Fano e pelo facto de o grupo não ter uma hierarquia de liderança clara que possa negociar a paz.
Desde a declaração do estado de emergência, o governo federal recuperou o controlo de algumas cidades, mas os observadores temem que os combates continuem.
“O governo insiste que a vida voltou ao normal em Amhara, mas os combates continuam nas zonas rurais,” escreveu o Africa Report no dia 26 de Setembro. “A maior parte dos analistas prevê que o conflito evoluirá para uma insurgência de baixa intensidade profundamente enraizada que transformará enormes [faixas] desta vasta região economicamente vital em zonas sem lei e interditas às autoridades.”