Polícia Visa ‘Topo da Pirâmide’ Para Combater Tráfico de Animais Selvagens Pela China
EQUIPA DA ADF
Na videochamada, o contrabandista Phan Quan deixou bem claro: precisava que lhe enviassem 20 toneladas métricas de escamas de pangolim para o Vietname. As autoridades tinham-lhe apreendido o carregamento anterior.
Sem saber, Phan Quan estava a falar com um agente infiltrado da Wildlife Justice Commission, uma organização não-governamental criada em 2015 para desmantelar as redes criminosas que lucram com o tráfico de animais selvagens.
A comissão alertou os Serviços Aduaneiros da Nigéria, que se lançaram sobre Phan e os seus associados. Para além de Phan, a operação também capturou o seu patrão, Phan Chi; um outro contrabandista vietnamita chamado Duong Thang; e Morybinet Berete, um contrabandista guineense estabelecido na Nigéria. Os homens acabaram por se declarar culpados e foram condenados a seis anos de prisão.
As escamas de pangolim deixaram de ser incluídas nas receitas oficiais das fórmulas da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), mas isso pouco fez para impedir o tráfico ilícito dessas e de outras partes de animais entre os países africanos, através do Vietname, para a China, em benefício da indústria da MTC, que vale 100 bilhões de dólares.
Os pangolins, também conhecidos como tamanduás escamosos, são mamíferos com escamas espessas feitas de queratina, a mesma substância presente no cabelo e nas unhas. As escamas não têm propriedades medicinais.
Apesar da proibição oficial da utilização de escamas de pangolim na MTC, muitos praticantes continuam a fazê-lo, o que faz dos pangolins os animais mais traficados do mundo. As oito espécies de pangolins — quatro em África e quatro na Ásia — estão em declínio devido à procura chinesa das suas escamas.
Nos últimos anos, a China começou a promover a MTC nos países africanos, o que só pode aumentar a procura das escamas.
Os pangolins asiáticos estão classificados como estando criticamente ameaçados de extinção. Os pangolins africanos estão classificados como vulneráveis. As autoridades sul-africanas manifestaram a preocupação de que os pangolins estejam em vias de extinção em África, visto que a procura no mercado da MTC aumenta o tráfico das suas escamas.
A Nigéria tornou-se um centro de contrabando de pangolins na última década. Entre 2010 e 2021, as autoridades nigerianas interceptaram mais de 190.400 quilogramas de escamas, representando cerca de um milhão de animais, segundo investigadores da Universidade de Cambridge.
Os contrabandistas chineses e vietnamitas recorrem frequentemente a intermediários africanos como Berete para consolidar os produtos dos caçadores furtivos locais. As escamas do pangolim africano são então passadas como sendo provenientes de pangolins asiáticos, que continuam a ser legais na MTC.
As autoridades fizeram uma rusga ao complexo de Berete em 2021 e encontraram 7.000 quilogramas de escamas de pangolim.
De acordo com Alexia Tata, uma investigadora dos Camarões, a caça furtiva impulsionada pela procura chinesa de escamas de pangolim e de outras partes de animais aumenta a insegurança das comunidades que vivem perto dos parques e reservas onde a caça furtiva ocorre frequentemente.
O porto de Douala, nos Camarões, constitui um outro ponto de passagem para o contrabando de partes de animais provenientes da República Centro-Africana, da República Democrática do Congo e da República do Congo. Em alguns casos, militares e agentes da polícia corruptos participam no tráfico, segundo Tata.
“A corrupção facilita o tráfico, e o tráfico incentiva a corrupção,” escreveu recentemente Tata para o Instituto da Paz dos EUA. “É necessário prestar mais atenção aos que orquestram os grandes negócios e gerem estas redes transnacionais. Estes incluem os patrocinadores de elite do tráfico, que nem sempre são os mais visíveis no tráfico quotidiano, mas que se encontram entre os mais influentes.”
Na maioria dos casos, os caçadores furtivos locais sentem o peso da lei, enquanto os cabecilhas ficam impunes. Steve Carmody, investigador principal da Wildlife Justice Commission, disse à BBC que as condenações dos contrabandistas vietnamitas resultantes da operação da comissão são inovadoras.
“Não posso subestimar o valor deste julgamento,” disse Carmody. “Esses tipos constituem o topo da pirâmide.”
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