Crise Fulani Mostra Como Grupos Terroristas Tiram Partido da Tensão Étnica
EQUIPA DA ADF
Em Agosto de 2022, uma gravação de áudio tornou-se viral no WhatsApp e nas redes sociais do Burquina Faso. A mensagem apelava aos burquinabês “nativos” que se revoltassem e “exterminassem” os membros do grupo étnico Fulani.
Lionel Bilgo, porta-voz do Governo, considerou a gravação “arrepiante.”
“Estas palavras são extremamente graves e equivalem aos excessos da Radio Mille Collines que conduziram ao genocídio no Ruanda, uma das piores tragédias da humanidade,” escreveu.
O incidente não foi isolado. Em todo o continente, os confrontos entre pastores Fulani e comunidades agrícolas estão a alimentar o ódio e a dar origem a uma violência mais ampla. Como os Fulanis estão isolados e estigmatizados, são vulneráveis ao recrutamento por grupos terroristas.
“O facto de atacar as comunidades Fulani — com base no argumento de que todas elas apoiam os insurgentes jihadistas — está a perpetuar o conflito, facilitando o recrutamento de Fulani pelos jihadistas e correndo o risco de espalhar a violência,” escreveu o investigador James Courtright, residente em Dakar, para a revista Foreign Policy.
Os Fulani são um grupo étnico com uma população de cerca de 30 milhões de pessoas que se estende pelo Sahel, do Senegal ao Sudão. Descritos como seminómadas, muitos ainda seguem tradições antigas, pastoreando o gado ao longo de centenas de quilómetros em busca de terras de pastagem.
Nos últimos anos, alguns Fulani têm sido responsabilizados pela insegurança na Nigéria, no Níger, no Burquina Faso e no Mali, uma crise que é, por vezes, designada por “rebelião Fulani.”
Os Fulanis detêm altas patentes em vários grupos terroristas. O grupo terrorista maliano, Frente de Libertação de Macina (FLM) foi fundado por um pregador Fulani, tal como o grupo Ansaroul Islam no Burquina Faso. Os Fulanis estão bem representados nas fileiras do Estado Islâmico no Grande Sahara, do Ansar Dine e da Jama’at Nusrat al Islam wal Muslimin (JNIM).
Mas os Fulanis também têm sido desproporcionadamente vítimas da violência no Sahel. Mais de metade dos civis mortos pelo exército ou por milícias étnicas no Mali e no Burquina Faso em 2022 eram Fulani, de acordo com dados recolhidos pelo Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos. A violência é alimentada por emissões de rádio e publicações nas redes sociais com conotações racistas que pintam todos os Fulani como terroristas. A região tem assistido a um aumento de grupos étnicos vigilantes, incluindo um na Nigéria que tem cometido assassinatos extrajudiciais de pessoas da etnia Fulani.
“Quando qualquer grupo de uma comunidade se sente alienado ou sujeito a qualquer forma de discriminação, cria-se um terreno fértil para a agitação social, o extremismo e as reacções violentas,” disse o analista de segurança ganês Adib Saani num fórum sobre a violência relacionada com os Fulanis.
Empurrados Uns Contra os Outros
As raízes do conflito no Sahel são complexas. A competição por recursos escassos, a marginalização e a necessidade de protecção contra ataques são citadas entre as causas que levam os Fulanis a pegar em armas.
“Há camadas e camadas disto tudo. É como uma cebola,” Aneliese Bernard, directora da empresa de consultoria Strategic Stabilization Advisors, disse à ADF. “As mudanças climáticas, o rápido crescimento da população, a urbanização e a seca –– tudo isso amplificou e exacerbou as tensões localizadas que já existiam.”
Nos últimos anos, os pastores e os agricultores têm vindo a aproximar-se uns dos outros, competindo pelas cada vez mais reduzidas áreas de pastagem. O resultado é frequentemente a violência entre os dois grupos. Mais de 15.000 pessoas morreram em conflitos entre agricultores e pastores na África Ocidental e Central entre 2010 e 2020, e o número de mortos está a aumentar.
“Há menos terra para as pessoas cultivarem e menos terra para as pessoas apascentarem,” disse Bernard. “Nos últimos 20 anos, os espaços que separam as comunidades diminuíram rapidamente. Agora, essas comunidades estão em conflito pela terra arável que resta.”
Ao mesmo tempo, a insegurança generalizada e a ascensão de grupos extremistas violentos levaram muitas comunidades Fulani a armarem-se. “A presença de jihadistas obriga os grupos, não só os Fulanis, mas também outros, a ter em conta o facto de o Estado não lhes proporcionar a segurança adequada,” disse Bernard. “Por isso, estas comunidades têm de se aliar aos jihadistas para ter uma segurança provisória ou criar uma milícia comunitária para a autodefesa.”
Os grupos terroristas estão a tentar capitalizar este sentimento de isolamento. Amadou Koufa, o fundador da FLM, em particular, tentou apresentar-se como o protector dos Fulani. Os observadores temem que os grupos radicais estejam a fazer incursões nas comunidades Fulani em países costeiros como Costa do Marfim, Gana, Togo e Benin.
‘Regresso Seguro ao Lar’
Não existe uma solução simples para o problema, mas Bernard disse que os programas que criam um canal para os combatentes desertarem e se reintegrarem têm tido algum sucesso no Níger. A chave, segundo ela, é que as comunidades na linha da frente do conflito, bem como o exército e as autoridades governamentais, devem encorajar os combatentes a deporem as armas.
“Queremos encorajá-los a sentirem que podem regressar a casa em segurança, porque se o processo funcionar de forma segura e eficiente, funciona como um ciclo de feedback – eles dirão aos amigos,” afirmou Bernard.
Nos últimos anos, o governo nigerino tem também patrocinado o diálogo intercomunitário e os esforços de mediação para promover a compreensão intercultural. Não se sabe como o recente golpe de Estado e a convulsão política no Níger irão afectar estes programas.
“Requer um esforço persistente, mas não uma tonelada de recursos para ser implementado,” disse Bernard. “É preciso mantê-lo, porque se parar, tudo desmorona.”
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