EQUIPA DA ADF
As missões de manutenção da paz continuam a ser a resposta a muitos dos desafios de segurança mais difíceis do mundo. Mas há um consenso crescente de que, para continuar relevante, a manutenção da paz precisa de adaptar-se.
Em locais como República Democrática do Congo (RDC), Mali e Sudão do Sul, as missões das Nações Unidas prolongam-se há uma década ou mais. Estas grandes missões de estabilização multidimensionais incluem normalmente 10 ou mais países que contribuem com tropas e custam até 1,5 bilhões de dólares por ano.
Em vez de monitorizarem um cessar-fogo como muitas missões fizeram em décadas passadas, as forças de manutenção da paz estão a ser solicitadas para enfrentarem insurreições, milícias ou grupos extremistas. Estes inimigos utilizam tácticas assimétricas para atingir tanto as forças de manutenção da paz como os civis. Os resultados têm sido mistos e a raiva dos civis é palpável.
Em 2022, eclodiram protestos no leste da RDC, quando manifestantes atacaram cinco bases da MONUSCO, da ONU, e incendiaram veículos. Os manifestantes denunciaram a deterioração da segurança apesar dos 12.000 soldados da paz e das missões que duram há mais de 20 anos sob vários nomes.
“Por que não ficar zangado?” questionou um manifestante congolês chamado William Mbokani ao The New Humanitarian. “Tenho 22 anos … [e] nasci e cresci na guerra, apesar da presença da MONUSCO.”
Os apoiantes são rápidos a apontar provas de que a manutenção da paz é eficaz. Uma colecção de 16 estudos revistos por pares divulgados pela ONU concluiu que as forças de manutenção da paz reduzem as baixas civis, encurtam os conflitos e ajudam a manter os acordos de paz. “Se olharmos sistematicamente para todos os registos, na maioria das vezes, a manutenção da paz funciona,” disse Lise Howard, autora do livro “The Power in Peacekeeping (O Poder da Manutenção da Paz).”
Mas protestos como os da RDC estão a estimular a introspecção e novas ideias sobre como a manutenção da paz se pode adaptar para satisfazer as exigências urgentes do século XXI.
Menores e Mais Curtas
Tornou-se típico que os mandatos das missões da ONU se expandam para incorporar os esforços de reconstrução de “toda a sociedade.” Estes podem incluir tudo, desde o desarmamento e reintegração de rebeldes até à formação de agentes da polícia. São, por vezes, chamados “mandatos árvore de Natal,” porque os objectivos são acrescentados como se fossem ornamentos.
Num artigo para o Instituto de Estudos de Segurança, os investigadores Paul-Simon Handy e Félicité Djilo defendem que é altura de reduzir o seu âmbito.
“As missões de manutenção da paz são vitais para enfrentar as ameaças à segurança internacional,” escreveram. “Mas igualmente importante é repensar a sua forma e formato para garantir a sua eficácia e legitimidade local.”
Handy e Djilo defendem que os mandatos devem ser reduzidos a um máximo de três objectivos, sobretudo nos domínios político e da segurança. Apelam também a um limite temporal rigoroso para a presença de uma missão para “evitar a complacência interna” e “garantir uma conduta profissional e ética.”
“Longos períodos num país, muitas vezes, criam mais problemas para os soldados de manutençãcao da paz resolverem,” escreveram.
A ideia de missões menores e mais específicas está a ganhar força. A ONU não lança uma grande força de manutenção da paz desde 2014, na República Centro-Africana. Richard Gowan, director do Grupo Internacional de Crise, das Nações Unidas, escreveu que há um interesse crescente em missões de observação menores e “unidimensionais.”
“As missões maiores da ONU assumiram uma infinidade de tarefas … que, muitas vezes, têm dificuldade em implementar,” escreveu Gowan para a World Politics Review. “Parece sensato voltar a centrarmo-nos na realização de um conjunto mais limitado, mas realista de objectivos.”
Ad Hoc e Adaptativas
Os grupos insurgentes e extremistas não respeitam as fronteiras nacionais. Muitas vezes, actuam em regiões fronteiriças porosas onde podem escapar à captura. No entanto, a maioria das operações de manutenção da paz são mandatadas para operar num único país. A Força Africana em Estado de Alerta também está limitada, porque os países que respondem estão divididos pelas suas Comunidades Económicas Regionais (CER).
O Dr. Cedric de Coning, da África do Sul, é um conselheiro sénior do Centro Africano para a Resolução Construtiva de Litígios (ACCORD). O Dr. Cedric de Coning acredita que as futuras operações de manutenção da paz serão coligações de países regionalmente próximos com interesse em restaurar a paz num único país ou numa região mais vasta. Ele designa estas coligações “ad hoc” ou “temporárias.”
“Muitos dos mecanismos padrão pré-concebidos que criámos funcionam bem no papel, mas não se adaptam às necessidades cristalizadas do momento,” de Coning disse à ADF.
Há alguns indícios de uma mudança para este modelo ad hoc. As nações da Comissão da Bacia do Lago Chade formaram a Força-Tarefa Conjunta Multinacional para enfrentar o Boko Haram e outros grupos extremistas que operam num local onde quatro países se encontram. Na Força Conjunta G5 do Sahel, cinco nações juntaram-se para combater o extremismo no Sahel.
De Coning disse que estas missões ad hoc podem ser particularmente eficazes quando as forças podem operar dentro das suas próprias fronteiras ou quando têm autorização para atravessar a fronteira para um país vizinho. Isso elimina alguns problemas de jurisdição, simplifica as regras sobre o uso da força e torna menos provável que as tropas sejam consideradas invasoras.
Outras coligações recentes, como a Força Regional da Comunidade da África Oriental na RDC e a Missão da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral em Moçambique, eram constituídas por grupos de nações regionais motivados para intervir em países com segurança em deterioração.
“Os vizinhos têm interesse na segurança da região, ao contrário de uma operação da ONU que vem e vai e tem países que contribuem com tropas de muito longe,” disse de Coning. “Isso funciona bem quando se está a implementar um cessar-fogo, mas quando se trata de lidar com insurgência, queremos pessoas com interesse próprio numa solução.”
No futuro, poderá haver um menu de opções e modelos de manutenção da paz que podem ser utilizados consoante o tipo de ameaça. De Coning acredita que existe também uma tendência para a ONU fornecer apoio logístico e financeiro às missões da União Africana ou das CER.
“Veremos vários tipos diferentes de operações a coexistir e pessoas a escolher que operações usar, dependendo do contexto e do que é politicamente viável e logisticamente possível”, disse de Coning.
Contributo Local
Uma das queixas predominantes dos residentes da RDC é que as suas vozes não estão a ser ouvidas. Um advogado congolês que está a organizar os protestos criticou a “má comunicação” da missão da ONU e disse que as forças de manutenção da paz não responderam aos alertas do público sobre ameaças iminentes.
A ONU tem mecanismos para a participação de civis, tais como conselhos de protecção local, redes de alerta comunitário e pessoal da missão responsável pela sensibilização da comunidade. Porém, de acordo com Fred Carver, um conselheiro da Associação das Nações Unidas – Reino Unido, eles têm poucos recursos. Para ele, as futuras missões devem considerar a comunidade de acolhimento como seu cliente. Isso significaria que os membros da comunidade podem estabelecer prioridades e objectivos para a ONU.
“A manutenção da paz da ONU pode tornar-se mais liderada a nível local ou continuar a sofrer resistência a nível local,” escreveu para a página da internet Pass Blue. “Está na altura de uma grande mudança.”
Da mesma forma, Handy e Djilo disseram que as avaliações semestrais das missões devem envolver as partes interessadas dos governos locais e da sociedade civil para garantir “um grau de apropriação local dos mandatos.”
A ONU deve dar prioridade à compreensão da forma como é percepcionada pelo país anfitrião e trabalhar para resolver queixas ou mal-entendidos antes que estes se transformem em violência, afirmam.
“A ONU deve desenvolver um conjunto de medidas para avaliar a aceitação local das missões de manutenção da paz,” escreveram Handy e Djilo. “Estas medidas podem servir de ferramentas de aviso prévio e de orientação contra campanhas de desinformação direccionadas.”
Manutenção da Paz que Apoia a Construção da Paz
Uma das lições da RDC é que uma missão de manutenção da paz deve apoiar um processo de paz. De Coning apontou a criação, em 2013, da Brigada de Intervenção da Força da MONUSCO. Esta força ofensiva, composta por três batalhões, foi mandatada para lançar operações contra grupos rebeldes. E a brigada teve sucesso, derrotando os rebeldes do Movimento M23 numa série de batalhas que levaram à sua rendição em Novembro de 2013.
Mas de Coning disse que o sucesso militar não foi apoiado por um processo político para resolver problemas enraizados no terreno. Perdeu-se o impulso para a paz. Em 2022, o M23 tinha-se reagrupado, regressado e estava novamente a atacar aldeias e a ocupar territórios.
“A lição aprendida é que se pode derrotar um grupo a curto prazo, mas se o problema não for resolvido politicamente, o grupo ou um outro grupo acabará por regressar,” disse de Coning.
O comissário acredita que as futuras missões da ONU só devem ser enviadas em apoio a um processo de paz viável. Nos casos em que existem múltiplos actores assimétricos, é melhor construir coligações regionais de forças armadas para intervir e restaurar a paz.
“A minha recomendação à ONU seria que se concentrasse em operações baseadas no consentimento, onde haja um processo de paz em curso,” disse de Coning. “E deixar as operações que precisam de uma garantia de segurança, que precisam do uso da força, para as coligações de voluntários ou organizações regionais que tenham esse tipo de capacidade.”