EQUIPA DA ADF
Os responsáveis governamentais da República Centro-Africana (RCA) ficaram chocados quando Yevgeny Prigozhin virou os seus infames mercenários do Grupo Wagner contra o Presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Desesperados por informações, os membros do governo telefonaram aos oficiais militares da RCA e aos instrutores militares russos. Alguns temiam que fosse o início de uma guerra civil russa que poderia levar à sua própria queda.
“Sim, há mercenários do Grupo Wagner [na RCA] e toda a gente está preocupada com a possibilidade de o confronto entre Putin e Prigozhin pôr fim às suas operações no nosso país,” disse um conselheiro do Presidente Faustin-Archange Touadéra ao site The Daily Beast.
“Todos temiam que, se a guerra eclodisse na Rússia, os russos [na RCA] não só seriam obrigados a regressar a casa, como as nossas relações políticas, militares e comerciais com a Rússia seriam interrompidas.”
A recente notícia do motim do Grupo Wagner foi recebida com ansiedade em vários Estados africanos que têm relações comerciais com o grupo mercenário e que o acolhem. A rebelião levantou alertas vermelhos para os países que agora têm de reconsiderar a forma como gerem a sua segurança.
“É certo que o motim vai dar que pensar aos países onde o Grupo Wagner opera,” escreveu o analista Faisal Al Yafai para o jornal The Arab Weekly. “Nenhum país precisa de um grupo de homens treinados, armados e sem Estado a vaguear por aí.”
Prigozhin, um empregado do Kremlin conhecido como “o cozinheiro-chefe de Putin,” formou o Grupo Wagner em 2014. Antes do motim, era, muitas vezes, referido simplesmente como “a Empresa” nos círculos russos, tão grande era o seu alcance em todos os aspectos dos objectivos clandestinos da Rússia.
Os mercenários russos chegaram, pela primeira vez, à RCA em 2017 para apoiar Touadéra e evitar uma ofensiva rebelde. Agora, o grupo está profundamente enraizado no cenário político, económico e de defesa do país. Alguns acreditam que a sobrevivência do presidente da RCA depende dos combatentes do Grupo Wagner.
O Grupo Wagner expandiu as suas operações para a Líbia, o Mali e o Sudão. Oferece aos regimes autoritários um conjunto de serviços que inclui protecção armada, treino militar, campanhas de desinformação e interferência eleitoral.
Em troca, o grupo é compensado com concessões mineiras lucrativas e outras oportunidades de extracção de recursos naturais.
No entanto, o Grupo Wagner demonstrou na RCA e no Mali que os seus serviços são acompanhados de alegações de atrocidades e violações dos direitos humanos contra civis.
Embora a rebelião do Grupo Wagner na Rússia tenha causado confusão sobre o futuro do grupo, os especialistas prevêem que as suas operações em África continuem.
“O Kremlin pode cortar a cabeça do Grupo Wagner, mas os tentáculos do grupo em África permanecerão,” disse Al Yafai.
Independentemente do facto de Prigozhin continuar no comando ou de o grupo ser absorvido pelas forças armadas russas, mudar de marca ou ser substituído por um contratante russo diferente, os responsáveis africanos destas nações já instáveis têm novas preocupações em relação aos mercenários que se encontram no seu seio.
Poderão os russos ser mais perturbadores, cruéis, sem lei ou mesmo virar-se contra eles?
Oluwole Ojewale, investigador do Instituto de Estudos de Segurança, sediado na África do Sul, disse que a rebelião do Grupo Wagner constitui um aviso para os países que convidaram os russos a entrar.
“Os exércitos privados podem, por vezes, revelar-se eficazes no campo de batalha,” escreveu num artigo de 28 de Junho para a revista online The Conversation Africa. “E as milícias podem ser úteis na recolha de informações. Mas a incapacidade das autoridades estatais para as controlar lança sérias dúvidas sobre a sua utilidade geral.”
Ojewale enumerou três implicações que o motim do Grupo Wagner pode ter para os seus anfitriões africanos: rebelião, aumento das violações dos direitos humanos e insubordinação às autoridades militares do Estado.
“[O motim] é um mau presságio para a maioria dos Estados africanos em que o Grupo Wagner opera,” escreveu. “Na maioria dos casos, o exército do país fica subordinado ao grupo mercenário. A rebelião do Grupo Wagner contra o Kremlin mostra que o grupo pode apoiar elementos discordantes em Estados africanos mais fracos para subverter a democracia.
“Além disso, os grupos armados não-estatais podem inspirar-se no grupo Wagner e deixar de ser responsáveis perante os militares.”
Fartos da pilhagem e do saque de África pelo Grupo Wagner, há quem peça o fim do seu envolvimento no continente.
“Serviram para consolidar ditaduras e representam grandes ameaças à democracia e ao Estado de direito, especialmente quando operam em nações com governos frágeis,” afirma um editorial de 6 de Julho do jornal nigeriano The Daily Trust.
“Os líderes africanos que confiavam no grupo para reforçar a sua posição no poder devem encarar a realidade de que o grupo está enfraquecido. Como demonstrou com o motim na Rússia, o Grupo Wagner pode facilmente derrubar os governos que o acolhem. Agora constituem um risco mais virulento para o futuro dos seus países.”