Servindo Com Princípios
Mérito, Relações Civis-Militares Fortes E Falta De Corrupção São Fundamentais Para Evitar Os Golpes De Estado
EQUIPA DA ADF
Os golpes de Estado e as tentativas de golpe de Estado reapareceram no continente nos últimos anos. Face a violência extremista, a interferência estrangeira e a instabilidade política, os exércitos podem prevenir os golpes de Estado, reforçando os seus princípios profissionais.
Esses princípios são o fundamento que ajudou as forças de segurança a preservarem a paz e apoiarem os governos democráticos por tanto tempo em muitos países.
Embora não exista garantia de que um país possa evitar uma mudança inconstitucional no governo, existem certas medidas de reforma do sector de segurança que as organizações podem tomar para reduzir a possibilidade de um golpe de Estado.
Abaixo encontram-se recomendações de especialistas sobre iniciativas de reforma que podem ser implementadas para fomentar estabilidade e profissionalismo nas fileiras e ainda reduzir a possibilidade de um golpe de Estado militar. A lista não é exaustiva, mas, se for implementada de forma colectiva, as recomendações podem ajudar os países a preservar uma governação forte e civil e ainda ajudá-los a evitar cair na “armadilha dos golpes de Estado.”
NOMEAR GENERAIS COM BASE NO MÉRITO: Quando os líderes acumulam os escalões superiores dos seus exércitos com nomeados políticos que agem como funcionários, isso pode levar a um ressentimento no seio das fileiras. Os generais e os oficiais superiores que ascendem com base na experiência, no mérito e na longevidade têm maior probabilidade de ter respeito dos soldados rasos. Eles também estão atentos às insatisfações institucionais antes de subirem para o nível de golpe de Estado.
Para além disso, quando os comandantes do ramo são escolhidos com base em preocupações políticas, étnicas ou financeiras, isso subverte o processo e a cultura de promoção da instituição militar. Também envia uma mensagem para o exército de que os oficiais superiores estão a servir necessidades políticas e não necessidades de segurança e nacionais.
Escolher líderes desta forma pode levar a uma impressão de incompetência a nível do comando sénior e insatisfação entre os oficiais juniores. Alguns dos golpes de Estados mais recentes do continente foram levados a cabo por oficiais juniores que citaram a insatisfação com seus líderes militares seniores do país.
Um exército politizado envia uma mensagem para o público de que uma transferência pacífica de poder através de eleições não é possível. “Se o exército assume posições partidárias ou exerce lealdades partidárias, os eleitores podem razoavelmente assumir que o partido da oposição não é capaz de controlar o exército caso ganhe as eleições,” escreveu Alice Hunt Friend, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
Friend enfatizou que o público deve saber que as decisões sobre o financiamento, o tamanho e o uso do exército são impulsionadas por interesse nacional e não por partidos políticos. “O exército serve a Constituição, através da obediência a oficiais civis democraticamente eleitos sem consideração pelo partido político ou posições ou cargos partidários,” escreveu Friend.
“Esta ideia subscreve a transferência pacífica de poder entre administrações presidenciais.”
ACABAR COM EMPILHAMENTO ÉTNICO: Um subagrupamento mais específico de nomeações militares políticas não saudáveis envolve a prática conhecida como “empilhamento étnico.” Com esta táctica, o líder de um país deliberadamente preenche os escalões militares do topo com oficiais da sua própria etnia. O pensamento é que cercar-se de pessoas semelhantes a si irá mantê-lo isolado de responsabilização pública e críticas.
A verdade, contudo, é que a prática quase que inevitavelmente leva à corrupção e má governação, que, em última instância, deixam o líder político mais vulnerável.
Estudiosos dedicaram uma atenção considerável ao empilhamento ético, ligando-o à repressão autoritária, aos golpes de Estado e à violência política. Um bom exemplo desta prática ocorreu no antigo país africano, Zaire, agora República Democrática do Congo. Mobutu Sese Seko praticou o empilhamento no seu corpo de oficiais com homens Ngbandi, da sua região nativa do Equador, depois de ter assumido o poder como presidente em 1965. Na altura em que terminou o mandato de Mobutu, 30 anos depois, homens da sua linhagem do Equador representavam cerca de 80% do seu corpo de oficiais. O período do mandato de Mobutu foi prorrogado por esta prática, mas o seu legado foi de corrupção, exploração económica e inflação descontrolada.
A Dra. Kristen Harkness, investigadora da Universidade de St. Andrews, na Escócia, concluiu que, quando as eleições trazem um novo líder que é eticamente diferente de um exército construído etnicamente, o risco de um golpe de Estado militar aumenta de 20% para cerca de 90%.
O empilhamento étnico apenas funciona se os objectivos de um líder forem de permanecer no poder. Uma governação boa e estável é mais provável com um exército etnicamente diverso, que representa de forma justa a população civil. O Quénia e a África do Sul têm, respectivamente, quotas étnicas e raciais que asseguram a diversidade e a representação proporcional.
SER APOLÍTICO: Uma outra táctica semelhante ao empilhamento étnico e à nomeação política sem mérito é a prática de um novo líder exonerar os líderes militares seniores ao assumir o poder. Os profissionais militares não podem impedir que isso aconteça durante a mudança de administração política. Mas eles podem prevenir a sua probabilidade, demonstrando justiça, imparcialidade política e apoio às autoridades civis.
Os comandantes nigerianos foram um modelo de apoio antes e depois de alguns gabinetes e instalações da Comissão Nacional de Eleições Independente terem sido atacadas, em finais de 2022, na corrida para as eleições nacionais, em Fevereiro de 2023. Alguma instabilidade e controvérsia precederam a votação, fazendo com que os comandantes e o Presidente Muhammadu Buhari falassem sobre a importância de as forças de segurança respeitarem o governo e a autoridade civil.
O Major-General da Nigéria, Aminu Chinade, Oficial-General comandante da 2ª Divisão do Exército da Nigéria, alertou os soldados, em Outubro de 2022, para não conspirarem com políticos e partidos a fim de influenciar as eleições que se avizinhavam. Fazer isso, disse, iria reflectir de forma negativa no exército nigeriano, de acordo com Peoples Gazette, um site de notícias online com sede em Abuja.
“Fico encorajado pelo vosso comportamento e conduta profissional,” Chinade disse aos soldados da 4ª Brigada da Cidade do Benin, de acordo com Peoples Gazette. “Quero implorar que vocês trabalhem estreitamente ligados às comunidades anfitriãs e para contribuírem para a segurança de vidas e de propriedades da área, principalmente neste período de eleições.”
Ele continuou: “Sejam apolíticos para não mancharem a vossa carreira. Sempre que forem solicitados durante as eleições, devem ser neutros e apolíticos.”
Buhari partilhou pessoalmente uma mensagem semelhante, em finais de Dezembro de 2022. “Eu deixei bem claro para as agências de segurança que eles têm a responsabilidade de ser apolíticos em todas as ocasiões. Sob nenhuma circunstância, devem envolver-se em algo que possa comprometer o processo democrático ou trazer uma má reputação para as suas instituições e para a Nigéria,” disse ele, de acordo com Voice of Nigeria.
PRIORIZAR O ENSINO MILITAR PROFISSIONAL: Em termos gerais, um exército educado é um exército mais profissional. Existem mais de 118 instituições de Ensino Militar Profissional (EMP) no continente, dando aos países africanos uma boa base a partir da qual podem melhorar o desenvolvimento profissional. Contudo, nem todos os países têm instituições de EMP e alguns deles apenas têm academias militares de nível de entrada, que conferem ensino e formação básica aos soldados e oficiais. Muitos exércitos do mundo estão a investir em EMP ao longo da carreira de um oficial em reconhecimento à expansão do âmbito profissional e às complexidades ganhas com o avanço no escalão. Garantir oportunidades de EMP básicas, intermediárias e seniores, através de escolas nos países anfitriões ou nos países parceiros, constitui uma oportunidade para reforçar a ética profissional e incutir respeito pelas relações civis-militares. De acordo com um relatório do Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS), as instituições de EMP podem reforçar os compromissos institucionais para a governação democrática e as relações civis-militares fortes.
Para além disso, um bom EMP pode fortalecer a segurança do cidadão, formar visões estratégicas e fomentar um sentido de serviço entre os oficiais.
Contudo, o relatório do ACSS enfatiza que a mera presença de instituições de EMP não garante, por si só, um exército profissional. “Em vez disso, maior atenção é necessária para fortalecer os curricula e a cultura no seio do EMP quanto aos valores das relações civis-militares democráticas e um exército apolítico,” afirma o relatório. “Ao fazer isso, o prestígio das instituições de EMP pode ser melhorado e os graduados irão ganhar uma responsabilidade enorme a si atribuída para empunhar armas e proteger os cidadãos.”
EVITAR A CRIAÇÃO DE UNIDADES ILEGAIS: A criação de unidades de elite especiais como guardas presidenciais e republicanos que existem fora das estruturas de comando normais do exército de um país, muitas vezes, fomenta o ressentimento, a confusão e cria divisões. Estas entidades “subestatais,” muitas vezes, respondem apenas ao presidente do país, tornando-se, por conseguinte, prejudiciais para a unidade nacional e fortalecendo lealdades partidárias ou étnicas em detrimento da sociedade como um todo.
Em troca de fidelidade excepcional, os membros de unidades de elite especiais recebem melhores tratamentos, melhores pagamentos, formação melhorada e equipamento mais sofisticado, enquanto os soldados rasos normais assistem.
De forma irónica, a proximidade da guarda presidencial republicana com a liderança nacional e a sua falta de responsabilização nacional fazem com que ela seja uma força unicamente pressionada para realizar um golpe de Estado se os seus membros perceberem que a sua sorte ou os seus poderes estão quase a mudar.
“A presença de guardas presidenciais é um denominador comum recorrente por detrás de impulsionadores de golpes de Estado militares,” de acordo com um relatório de 2016, do Instituto de Estudos de Segurança da UE. “Por virtude do facto de que eles se subordinam directamente aos presidentes, estes guardas ‘pretorianos’ são desligados da cadeia de comando militar normal, criando, desta forma, disparidades em termos de estatuto e acesso ao patronato político.”
Um exemplo recente deste fenómeno aconteceu na Tunísia, sob o governo do Presidente Zine El Abidine Ben Ali, que fugiu durante os protestos da Primavera Árabe, em 2011. Ben Ali favoreceu a sua força policial nacional, a guarda presidencial e a guarda nacional, em detrimento das forças armadas no geral.
Décadas antes, Félix Houphouët-Boigny, o primeiro presidente da Costa do Marfim, começou o seu governo de 33 anos, reduzindo o tamanho do exército e formando uma milícia leal ao seu partido, composta, na essência, por pessoas do seu próprio grupo étnico. Como resultado, alguns oficiais recebiam pagamentos desproporcionais, cargos no partido no poder e outros ganhos. Isso preparou o caminho para uma futura instabilidade.
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