Rússia Joga nos Dois Lados do Sudão para Proteger Interesses Próprios
EQUIPA DA ADF
Enquanto os generais rivais do Sudão lutam para se tornarem a principal potência militar do país, a Rússia e o seu representante, o Grupo Wagner, enamoram ambos os lados do conflito para se manterem nas boas graças de quem quer que saia vencedor.
A luta pelo poder está enraizada na política interna do Sudão, observa a analista Catrina Doxsee, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. “Mesmo assim,” escreveu Doxsee recentemente, “cria oportunidades para actores estrangeiros — incluindo a Rússia, através do Grupo Wagner — intervirem para moldar um futuro político conducente aos seus próprios interesses.”
O Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, demonstrou o plano da Rússia para se colocar à margem do conflito durante a sua visita ao Sudão, em Fevereiro. Nessa altura, Lavrov falou com o chefe das Forças Armadas do Sudão (SAF), General Abdel Fattah al-Burhan, o líder de facto do país após o golpe de 2021. Porém, Lavrov também chamou o vice de al-Burhan e rival de longa data, o General Mohamed Hamdan Dagalo, também conhecido como Hemedti, que lidera a milícia das Forças de Apoio Rápido (RSF), com base em Darfur.
Os russos têm dois interesses principais no Sudão: manter o fluxo de ouro das minas do país para financiar a sua invasão à Ucrânia; e desenvolver uma base naval em Port Sudan, que daria à Rússia uma presença no Mar Vermelho, um ponto de estrangulamento fundamental para o comércio global.
“O resultado da actual luta pelo poder no Sudão terá impacto no futuro destes dois interesses fundamentais e, consequentemente, o Grupo Wagner tentará provavelmente moldar o resultado a seu favor,” escreveu Doxsee.
O Grupo Wagner tem perseguido o primeiro objectivo em nome do Kremlin desde que entrou no país em 2017, construindo laços com Hemedti e a sua família no processo. Entre Fevereiro de 2022 e Fevereiro de 2023, o Grupo Wagner e as suas filiais, a Meroe Gold e a M Invest, contrabandearam cerca de 1,9 bilhões de dólares em ouro para fora do país, um montante quase igual ao das operações mineiras legítimas do Sudão em 2022.
Esse ouro de contrabando passa por vários países do Médio Oriente antes de chegar ao cofre de guerra da Rússia.
A discussão sobre a base naval começou durante o governo do ditador deposto Omar al-Bashir, que assinou um acordo secreto em 2019, permitindo que navios russos atracassem no Sudão. As conversações estagnaram-se durante o Conselho de Soberania pós-Bashir, mas foram retomadas após o golpe de 2021. Em Fevereiro de 2023, os líderes militares sudaneses confirmaram um acordo de 25 anos para permitir que a Rússia construísse uma base em Port Sudan que poderia suportar quatro navios de propulsão nuclear. Mas há um problema: o acordo tem de ser aprovado por um governo civil ainda não formado.
Não está claro quando é que o Sudão poderá ter um governo civil para actuar sobre o acordo — seja para o aprovar ou para o recusar. A transição para um governo civil foi primeiramente interrompida pelo golpe de Estado de Outubro de 2021 e depois pelo início dos combates entre as SAF e as RSF em Abril.
Apesar da tentativa da Rússia de equilibrar al-Burhan e Hemedti, provas recentes sugerem uma preferência por Hemedti, que passou oito dias em Moscovo no início de 2022.
Um relatório da CNN e da All Eyes on Wagner revelou que o grupo mercenário trabalhou com o general líbio Khalifa Haftar para fornecer às forças de Hemedti mísseis terra-ar, tanques de guerra e outras armas que ajudariam a combater as SAF — material que, segundo os especialistas, poderia aumentar os combates entre os dois lados.
Jacqueline Burns, analista sénior de políticas, na RAND Corporation, um grupo de investigação de política global, disse à Voz da América que o apoio do Grupo Wagner a Hemedti e às RSF mostra que a Rússia está a tentar proteger os seus próprios interesses, particularmente o contrabando de ouro que financia o seu ataque à Ucrânia.
“O Grupo Wagner está a tomar partido pela parte que considera ter mais probabilidades de continuar a defender esses interesses, em especial em oposição a qualquer governo civil,” disse Burns.
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