ADF STAFF
Os protestantes no Estado do Mar Vermelho, do Sudão, continuam a apelar para que as Forças Armadas do Sudão encerrem a mina de ouro que operam na base militar de Dordeib. Os protestos constituem a mais recente denúncia pública contra as práticas da indústria de mineração de ouro dominada pelo exército daquele país.
“Temos procurado entender como é possível que instalações de mineração tenham sido criadas dentro de uma base militar e por que o exército se desvia da sua real tarefa para fundar uma empresa comercial,” um protestante disse à Radio Dabanga, do Sudão.
O exército do Sudão está profundamente envolvido na economia do país, desde as minas de ouro, campos agrários até ao fabrico de armas. Isso inclui as Forças Armadas do Sudão (SAF) lideradas pelo líder golpista, General Abdel Fattah al-Burhan, e as Forças de Apoio Rápido (RSF) lideradas pelo adjunto de al-Burhan e chefe rival, General Mohamed Hamdan Dagalo, também conhecido por Hemedti.
As minas a céu aberto de Dordeib possuem um depósito de resíduos da mineração que contêm cianeto e mercúrio, dois produtos químicos tóxicos utilizados para extrair ouro a partir do minério do ouro associado. Os residentes do Estado do Mar Vermelho temem que os depósitos de resíduos venham a envenenar o fornecimento de água das comunidades vizinhas.
O Sudão proibiu o uso de cianeto e mercúrio na mineração do ouro, em 2019. Empresas ligadas à junta do Sudão importaram 4.000 toneladas de mercúrio, em 2022, 4,5 vezes mais em relação às 891 toneladas importadas em 2020, de acordo com a Sudan Transparency and Policy Tracker (STPT).
“Ao mesmo tempo, o Sudão encorajou a expansão de instalações de tratamento que processam milhares de toneladas de resíduos minerais deixados para trás pelo ASGM [mineradores artesanais], através do uso de cianeto,” Dr. Suliman Baldo, da STPT, escreveu recentemente numa reportagem sobre o sector mineiro do Sudão.
O mercúrio prejudica os sistemas nervoso, digestivo e imunológico das pessoas em caso de contacto com ele e pode ser fatal. É particularmente prejudicial às crianças. O cianeto e os seus subprodutos podem colocar em perigo as pessoas durante meses, se for deixado a degradar-se naturalmente.
Os protestantes exigem que o exército encerre a operação mineira de Dordeib e limpem os resíduos, mas afirmam que viram pouca acção por parte das SAF, que ainda operam o equipamento de extracção. Em Fevereiro, os líderes do exército não permitiram que os protestantes entrassem na base para discutir o assunto.
Os protestantes do Estado do Mar Vermelho bloquearam a estrada entre Kassala e Port Sudan para obrigar o exército a agir. O organizador Karrar Askar disse à Radio Dabanga que o bloqueio irá continuar até que o exército divulgue um relatório sobre as instalações de processamento de ouro que utilizam cianeto e mercúrio na região e retire as unidades de processamento.
Os protestos do Estado do Mar Vermelho constituem a mais recente tentativa do público para confrontar o envolvimento do exército na mineração e o seu mau registo ambiental. Nos últimos anos, protestos semelhantes aconteceram nos Estados do Rio Nilo, Kordofan do Sul e Darfur Ocidental, entre outros lugares.
“Reuniões e outras formas de protestos comunitários tornaram-se uma característica comum e cada vez mais frequente de oposição cívica para a captura de recursos locais por um Estado central poderoso e cleptocrata e os seus parceiros comerciais, incluindo empresas privadas ligadas às forças de segurança do Sudão e seus aliados comerciais estrangeiros,” Baldo escreveu no relatório da STPT.
Os residentes de Sirba disseram à Radio Dabanga que a El Junaid Gold Mining Co., que possui ligações com Hemedti, envenenou cavalos e uma grande quantidade de pássaros, com os seus resíduos da mineração que contêm cianeto.
Hemedti cultivou laços fortes com o Grupo Wagner e com a Rússia. O Grupo Wagner começou as suas próprias operações mineiras no Sudão sob o mandato do antigo ditador Omar al-Bashir e continuou a ter ligações com as SAF e as RSF.
Através dos seus acordos com os líderes do Sudão, o Grupo Wagner anualmente retira toneladas de ouro para fora do Sudão, através do contrabando, para ajudar a Rússia a contornar as sanções financeiras internacionais impostas depois da invasão à Ucrânia, em 2022. O contrabando lesa o Sudão em milhões de dólares em perdas de receitas públicas, numa altura em que as finanças do país estão precárias.
Os protestos que encerraram as minas operadas pelo exército também estão a interferir com a capacidade do Grupo Wagner de movimentar ouro para fora do país, afirmam os especialistas.
Será que os protestantes serão bem-sucedidos em obrigar as minas ligadas ao exército a mudarem os seus hábitos? Baldo tem as suas dúvidas.
“Os protestantes representam uma faceta da resistência popular contra a exploração dos recursos naturais do país pelas suas elites do governo, as forças de segurança que as protegem e os seus aliados estrangeiros,” Baldo escreveu no seu relatório. “Contudo, será necessário mais do que erupções esporádicas de resistência a nível de base para colocar um fim à captura cleptocrática dos recursos naturais do Sudão.”