Nemes Tarimo teve a oportunidade de fazer uma escolha entre lutar a favor do Grupo Wagner da Rússia contra a Ucrânia ou passar anos numa prisão russa.
A sedução do perdão era tão grande para o tanzaniano, de 37 anos de idade, recusar. Tarimo era um estudante de tecnologia de informação e comunicação, na Universidade Tecnológica Russa, em Moscovo, quando foi preso sob acusação de tráfico de drogas, em Janeiro de 2021.
“Nemes informou a mim e a outros membros da família sobre o desejo de juntar-se ao Grupo Wagner e nós o aconselhamos a não o fazer,” um dos seus familiares disse à BBC.
A Agência Federal de Notícias da Rússia comunicou que Tarimo morreu no dia 24 de Outubro numa missão de combate, na Ucrânia. Os familiares de Tarimo não foram informados até Dezembro, quando receberam a informação através dos seus amigos. O seu corpo só foi devolvido para Tanzânia em finais de Janeiro.
Acordos semelhantes foram feitos com cidadãos africanos detidos nas prisões da Rússia, numa altura em que as forças do Kremlin lutam para vencer a firme resistência ucraniana.
A história de Lemekani Nyirenda, um estudante de engenharia nuclear, de 23 anos de idade, originário da Zâmbia, é semelhante à de Tarimo. Nyirenda foi recrutado no ano passado pelo Grupo Wagner enquanto cumpria uma pena de mais de nove anos, na Rússia, sob acusação de tráfico de drogas. Ele morreu na Ucrânia em Setembro.
No início de Janeiro, uma banda desenhada pro-Wagner inclui uma imagem de um mercenário do Grupo Wagner, proveniente da Costa do Marfim; o combatente também foi utilizado numa propaganda de vídeo, juntamente com Yevgeny Prigozhin, que fundou aquele grupo de mercenários.
Nesse vídeo, o mercenário costa-marfinense, K. Aboya, diz que se juntou ao Grupo Wagner para defender a sua segunda pátria. O comentário parece ter agradado Prigozhin.
“Devíamos conceder cidadania a estes defensores do nosso país,” disse Prigozhin numa reportagem da France 24.
Prigozhin reconheceu que o costa-marfinense foi recrutado na prisão.
“Ele disse que era originário da Costa do Marfim e perguntou se precisávamos de tradutores de Francês,” disse Prigozhin na reportagem da France 24. “Eu disse ‘Primeiro para a unidade de assalto e, se você sobreviver, será intérprete de Francês.’”
Na Costa do Marfim, Aboya trabalhava como taxista e motorista de autocarros. Ele saiu do país em 2014 ou 2015 depois de ter solicitado um empréstimo bancário para ir para a Rússia.
“Ele queria sair e ‘fazer uma aventura,’ para ‘cuidar de si próprio,’ conforme dizemos aqui,” um dos amigos de Aboya disse à France 24. “Era uma forma de começar uma vida nova e de paz. Aqui pensamos que quando se trabalha fora do país, ganha-se mais dinheiro.”
Em 2017, Aboya foi preso sob acusações de tráfico de droga e condenado a uma pena de prisão de oito anos.
Lukas Aubin, director de pesquisa do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas e analista de geopolítica russa, disse que o vídeo com Prigozhin tinha a intenção de informar aos outros prisioneiros que lutando a favor do Grupo Wagner poderia permitir que ganhasse a sua amnistia.
“Mostraria a um soldado costa-marfinense, para dar a impressão de que a Rússia não está isolada e possui aliados, especialmente em África, incluindo no terreno,” disse Aubin à France 24. “Isso faz parte da do actual processo de criação de alianças entre África e Rússia.”
Recrutamento Continental
O grupo de mercenários está também, alegadamente, a recrutar combatentes directamente a partir do continente, incluindo prisioneiros.
“O Grupo Wagner não está apenas a recrutar indivíduos que querem alistar-se para ganhar dinheiro, lutando a favor do Grupo Wagner nos países africanos, mas, na realidade, também está a trazer prisioneiros, incluindo rebeldes dos mesmos grupos que, na realidade, estão neste momento a ajudar a combater, em países como a República Centro-Africana (RCA),” Catrina Doxsee, do Projecto de Ameaças Transnacionais, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, disse à página theworld.org.
Alguns dos recrutas da RCA eram rebeldes mantidos prisioneiros por atacar e matar soldados da RCA durante o assalto de Abril de 2022.
“Eles [o Grupo Wagner] disseram que precisavam urgentemente de efectivos militares no Mali e na Ucrânia,” um oficial militar, que trabalha com o exército da RCA, disse ao The Daily Beast. “Penso que mais de 20 pessoas que detivemos por crimes muito graves foram libertas.”
Na RCA, os mercenários do Grupo Wagner cada vez mais operam de forma independente das Forças Armadas Centro-Africanas (FACA) e já participaram em pelo menos 50% dos eventos de violência política quase que todos os meses, desde Maio de 2021, de acordo com o Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos. Desde Dezembro de 2020, 70% dos eventos envolvendo o Grupo Wagner sem a presença das FACA foram actos que visaram civis.
O Grupo Wagner já operou em Angola, República Democrática do Congo, Líbia, Madagáscar, Mali, Moçambique, Sudão e Zimbabwe.