EQUIPA DA ADF
Numa rua da capital do Sudão, Cartum, um cartaz apareceu no início deste ano com uma mensagem sucinta acusando a junta militar no poder de traição.
Estava escrito: “A Rússia apoiou o golpe para poder roubar o nosso ouro.”
Estas são as muitas ligações entre os líderes do golpe do Estado do Sudão, que tomaram o poder em Outubro de 2021, e Yevgeny Prigozhin, um dos conselheiros mais próximos de Vladimir Putin.
Novos relatórios revelaram que Prigozhin está a beneficiar-se de centenas de toneladas de ouro retiradas do Sudão nos últimos anos.
Também conhecido como “cozinheiro de Putin,” este famoso fundador do sombrio grupo da Rússia, o Grupo Wagner, é proprietário de uma subsidiária do sector de mineração no Sudão, chamada Meroe Gold Lda.
As suas operações foram alvo de um estudo por especialistas como Denis Korotkov, um investigador do Dossier Center, com sede no Reino Unido, que faz o rastreio de crimes perpetrados por pessoas ligadas ao governo russo.
“Através da Meroe Gold ou outras empresas associadas aos colaboradores de Prigozhin, ele desenvolveu uma estratégia para pilhar os recursos económicos dos países africanos onde ele faz intervenções, como uma contraparte do seu apoio aos governos no poder,” disse à CNN.
Pouco depois de Meroe Gold ter sido criada em 2017, a sua empresa-mãe, a M Invest, de Prigozhin, celebrou um acordo de cinco anos com a uma firma de segurança ligada ao exército, em Cartum.
A M Invest concordou em pagar pela ajuda da empresa por trazer o pessoal da M Invest para o país e por serviços de garantia do “bem-estar e segurança.”
Um helicóptero feito na Rússia e equipamento de processamento de ouro estavam entre os 11 milhões de dólares em bens que a Meroe importou desde 2017, de acordo com Sayari Labs, uma empresa de inteligência financeira que trabalha para prevenir crimes financeiros e aumentar a transparência.
O Projeto de Investigação sobre Crime Organizado e Corrupção (OCCRP), uma rede global de jornalistas investigativos, publicou um relatório, em Novembro de 2022, que detalha a interferência do Grupo Wagner no sector da indústria mineira do Sudão.
Feito com base em documentos que vieram ao público, o mais recente relatório do OCCRP demonstrou que a M Invest pagou milhares de dólares a uma empresa operada pela inteligência militar sudanesa em troca de vistos de residência e armas para o seu pessoal russo no Sudão.
O especialista em combate à corrupção, Andrew Feinstein, disse que os acordos da M Invest com o exército sudanês são perturbadores, porque o exército possui uma reputação de ser “profunda e sistematicamente corrupto,” disse ao OCCRP.
O Grupo Wagner, de Prigozhin, que é o principal representante de escolha da Rússia em África, inicialmente prestou assistência ao General Mohamed “Hemedti” Hamdan Dagalo, um líder do golpe de Estado sudanês que assumiu o papel de vice-presidente.
Especialistas afirmam que a família de Hemedti domina o sector mineiro sudanês, que é o terceiro maior depois de Gana e África do Sul.
Cerca de 70% da produção de ouro do Sudão é contrabandeada para fora daquele país, de acordo com o Banco Central do Sudão.
Richard Messick, um antigo especialista sénior de operações do Banco Mundial, disse que a parceria entre o Grupo Wagner e o exército sudanês é nociva para o país.
“A pergunta é: como estas transacções [entre o Grupo Wagner e as empresas militares sudanesas] estão a ser conduzidas,” Messick disse ao OCCRP. “Estes são dois actores muito maus que não deviam ter a autorização de adquirir armas, em qualquer lugar que seja.
“Se o pagamento for em ouro, há necessidade de se cancelar. Se for através do sistema financeiro internacional, as autoridades reguladoras devem certificar que as empresas e os indivíduos a elas associados não tenham qualquer conta [bancária].”
De acordo com os documentos que vieram ao conhecimento do público, examinados pelo OCCRP, a Meroe Gold não partilha nenhum dos seus recursos com o Sudão, violando as leis nacionais daquele país, que afirmam que todas as empresas estrangeiras devem dar 30% dos lucros da extracção de ouro.
Assim como a M Invest forneceu cobertura para as operações híbridas do Grupo Wagner no Sudão, as suas concessões mineiras continuam a reforçar as reservas de ouro da Rússia, estimadas em 130 bilhões de dólares.
Provas assustadoras produzem a imagem da Rússia em conivência com a junta militar do Sudão para pilhar a riqueza sudanesa, financiar os esforços de guerra da Rússia na Ucrânia e apoiar a Rússia contra o aperto do cerco nas sanções.
Especialistas concluíram que a Meroe Gold faz parte de um esquema para movimentar bilhões de dólares do economicamente frágil Sudão para a Rússia.
Abdul Moniem Sidig, um membro sénior da Associação de Exportadores de Ouro do Sudão, testemunhou em primeira mão.
“O Sudão perdeu muito da sua riqueza,” disse à Bloomberg. “O ouro não contribui significativamente para a melhoria da economia sudanesa.”