EQUIPA DA ADF
Depois de visitar Kiev, Ucrânia, em Abril, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, seguiu numa viagem que tinha sido adiada para o Sahel, para centrar a atenção internacional para a deterioração da segurança naquele ponto.
O seu dilema, e o dilema de todo o continente africano, era como lidar com as crises em meio a um foco internacional completamente dominado pela Ucrânia.
Várias ameaças à paz e segurança no continente vieram para a superfície em 2022, enquanto os antigos problemas pioravam.
Perspectivando o ano 2023, os especialistas em matéria de segurança que falaram para a ADF previram os principais desafios para o ano que se avizinha e ofereceram ideias sobre como responder a eles.
Aumento do extremismo
As regiões do Sahel e dos Grandes Lagos e partes da Somália e Moçambique foram assoladas por violência extremista em 2022. As organizações extremistas violentas (OEV) estão a ameaçar expandir as zonas de conflito em 2023.
Jakkie Cilliers, o fundador do Instituto de Estudos de Segurança (ISS), da África do Sul, colocou-o no topo da sua lista de ameaças, chamando a violência extremista de “o grande desafio” de África.
“A contínua propagação do Islão politicamente violento pode, por seu turno, fazer com que certas regiões do continente fiquem ingovernáveis,” disse à ADF.
A instabilidade caracteriza o dia-a-dia do Sahel. Especialistas alertam que as OEV ligadas ao al-Qaeda e outras afiliadas ao grupo do Estado Islâmico (IS) estão determinadas a expandirem em direcção ao sul, para os Estados costeiros ao longo do Golfo da Guiné.
No leste da República Democrática do Congo, mais de 120 grupos militantes aterrorizam civis regularmente, escondendo-se nas montanhas que fazem fronteiras com Burundi, Ruanda e Uganda. O mais sangrento de todos são as Forças Aliadas Democráticas, que possuem ligações com o IS.
Os governos da região devem fazer mais para ajudar as suas populações diversificadas, afirma o professor M.S. Maasutha Samuel Tshehla, director da Faculdade de Ciências Militares, da Universidade de Stellenbosch, e o seu colega, professor Francois Vreÿ.
“Um declínio do imperativo demográfico nos governos oferece espaço para o extremismo violento que se manifesta como terrorismo nacional e transnacional e entrada de actores para apoiarem regimes impopulares,” disseram à ADF.
“O perigo aqui é a tendência de o extremismo violento cobrir uma área que parte do oeste do Sahel em direcção ao sul, através da região dos Grandes Lagos, descendo para Moçambique.”
A presença maligna da Rússia
A invasão da Ucrânia pela Rússia ameaça continuar a alastrar-se por um futuro indeterminado. A guerra não apenas exacerbou a inflação global em 2022, mas teve um impacto directo e mortal na segurança alimentar de África.
Numa tentativa desesperada de reforçar as suas fileiras com novos combatentes, a Rússia também recorreu ao recrutamento de membros de grupos rebeldes africanos para lutarem na Ucrânia.
Mas a presença da Rússia no continente é mais visível a partir das suas operações clandestinas, através dos mercenários do Grupo Wagner e outros representantes que aterrorizam civis, semeiam desinformação e extraem recursos naturais.
O Grupo da Crise citou a contínua colaboração da Rússia com a junta militar do Mali ao indicar a missão da ONU no Mali como o principal desafio da organização em 2023.
“O mandato da missão de proteger os civis enfrenta novos desafios à luz da ofensiva de combate aos jihadistas do exército do Mali, levado a cabo, em conjunto com os russos alegadamente pertencentes ao Grupo Wagner, uma campanha que gerou relatos de atrocidades,” escreveu o grupo de reflexão, na previsão para 2023.
Frágil paz etíope
Um acordo de paz assinado em Novembro de 2022 ofereceu aos etíopes esperança depois de mais de dois anos de guerra civil. Mas os ingredientes continuam a existir num Corno de África desestabilizado.
“A maior parte do país continua destruída por causa do conflito,” a revista the Economist escreveu em Novembro de 2022. “Podia ainda propagar-se, mesmo atravessando a fronteira da Etiópia para os países vizinhos.”
Os confrontos ligados à terra e competição para ganhar influência política entre as três maiores etnias — Oromo, Amhara e Tigré — enfraquecem e afastam os esforços do governo de garantir segurança e fomentar a unidade nacional. O vizinho Eritreia pode continuar a desempenhar um papel de desestabilização se o exército ocupar as zonas de Tigré como aconteceu recentemente.
Surtos de doenças
A COVID-19 continua a ser uma pandemia e uma ameaça à estabilidade de África.
Em 2022, o director de emergências regionais da Organização Mundial de Saúde, Dr. Abdou Salam Gueye, alertou que a pandemia, em conjunto com uma variedade de preocupações de saúde, coloca enorme pressão sobre os sistemas nacionais de saúde.
“Anualmente, África regista pelo menos 100 emergências de saúde, significando que a actual pandemia é um fardo adicional para os nossos sistemas de saúde,” disse num comunicado.
Tshehla e Vreÿ também alertaram sobre a capacidade de África de lidar com a insegurança de saúde.
“As comunidades africanas continuam vulneráveis a ameaças de saúde, como tuberculose, malária e HIV/SIDA, em meio a propaganda sobre a COVID-19,” disseram.
“África sabe agora que a pandemia global faz parte das cartas, e o impacto é perigoso, ao mesmo tempo que as ameaças de saúde localizadas, como Ébola, devem ser contidas.”
Instabilidade política
Uma outra fonte de instabilidade em 2023 provavelmente venha a ser a convulsão política, que, muitas vezes, é acompanhada pela violência.
As eleições que se avizinham na Líbia, Nigéria, Sudão do Sul e Sudão podem gerar conflito.
Espera-se que os golpes de Estado, protestos e dificuldades socioeconómicas, como a subida do custo de vida, desigualdades e pobreza continuem no próximo ano.
“A população jovem de África está a ficar impaciente,” disse Cilliers. “Protestos e manifestações também estão a tornar-se uma característica mais regular em todo o continente.”
Ele enfatizou que o crescimento económico será fundamental para lidar com os desafios de segurança.
“Nenhuma das [maiores ameaças de 2023] pode ser resolvida sem mudanças significativas nas actuais perspectivas de crescimento de África.”
O Comodoro da Força Aérea, George Kweku Arko-Dadzie, comandante-adjunto do Centro de Formação Internacional de Manutenção da Paz Kofi Annan, em Acra, Gana, chamou o desemprego dos jovens de “ameaça iminente.” Ele disse que será vital oferecer oportunidades à população jovem do continente, para impedir que estes recorram ao extremismo.
“A questão do desemprego dos jovens é uma ameaça digna de se observar, uma vez que o inimigo pode aproveitar-se da situação de as pessoas não terem ocupação, e isso pode ser na forma de actividade criminosa e radicalização dos jovens,” disse Arko-Dadzie num e-mail para a ADF.