EQUIPA DA ADF
Numa questão de meses, a relação do Mali com a maior parte do mundo externo deteriorou-se de forma profunda, enquanto a Rússia procura capitalizar um vazio de poder que está a ajudar a criar.
Especialistas afirmam que tudo isso faz parte dos planos do Kremlin para África, utilizando o sinistro grupo de mercenários, Grupo Wagner, para levar avante os seus objectivos.
Os recentes desenvolvimentos no Mali destacam esses planos.
A Rússia esteve debaixo de intensa pressão internacional em Abril, depois de os combatentes do Grupo Wagner terem sido acusados de assassinar centenas de civis, o mesmo tipo de atrocidades de que o grupo foi acusado em vários outros países africanos.
No dia 22 de Abril, o exército francês afirmou que os mercenários do Grupo Wagner enterraram corpos de civis malianos próximo de uma base militar na região central do Mali, numa tentativa de encenar um massacre que pretendiam usar para culpar a França.
No dia 19 de Abril, a França transferiu publicamente a sua base de Gossi para as forças malianas.
“Nessa mesma noite, [o exército francês] obteve filmagens de soldados malianos, na base, a dormirem ao relento, próximo de operativos do Grupo Wagner em tendas,” jornalista Wassim Nasr noticiou para o France 24. “Na quinta-feira [21 de Abril], a vigilância francesa viu o exército Grupo Wagner atirar areia sobre os corpos.”
A França partilhou as publicações daquilo que afirmou ser uma conta do Twitter falsa que fazia parte do plano. A França detalhou como o seu drone observou um operativo do Grupo Wagner a filmar a farsa e comparou com o vídeo e capturas de ecrã da falsa conta do Grupo Wagner no Twitter.
No dia 2 de Maio, a junta no poder no Mali considerou o drone francês que sobrevoava a base de Gossi de “ilegal” e que infringia os acordos de defesa assinados em 2014 com a França, condenando as “violações flagrantes” da sua soberania nacional.
Com centenas de mercenários no Mali, a Rússia fica a ganhar com a retirada de outras tropas estrangeiras.
Raphael Parens, um investigador independente de segurança que em Março publicou um estudo intitulado “A Cartilha do Grupo Wagner em África (The Wagner Group’s Playbook in Africa),” disse que as acções do grupo no continente deixam claro que os mercenários são um braço disfarçado do Kremlin.
“O seu estatuto como um contratado independente permite um certo nível de imprevisibilidade enquanto também dá à Rússia uma negação plausível na tomada de decisões políticas estrangeiras,” disse durante um painel virtual, no dia 26 de Abril, organizado pelo Foreign Policy Research Institute. “O grupo pode agir de uma forma que é distante do Estado em si, enquanto dá à Rússia uma ferramenta para construir cooperações militares com outros Estados.”
O estudo de Parens destaca a abordagem tripartida do Grupo Wagner nos países africanos:
- Realizar campanhas de desinformação e pró-governo.
- Adquirir pagamentos via concessões mineiras para extrair recursos naturais.
- Envolver-se na segurança nacional com guarda-costas, instrutores militares e conselheiros de combate à insurgência.
“O Grupo Wagner, várias vezes, desempenha papéis que o Estado russo não está disposto a assumir, quando se trata de uma intervenção directa em repressão pró-governo no terreno, construindo estas relações económicas, obtendo estes recursos directos que talvez o governo da Rússia teria mais dificuldades de fazer,” disse ao site de notícias Al Monitor.
“De muitas formas, o Grupo Wagner está a fazer o trabalho sujo.”
Apesar das suas tentativas de mistificar, através de propaganda e desinformação, o Grupo Wagner não está em África para libertar o povo que se encontra envolvido em terrorismo e rebelião.
Os mercenários russos estão no continente para avançar a agenda regressiva e expansionista de Putin.
Joseph Siegle, director de pesquisa no Centro de Estudos Estratégicos de África, recentemente chamou o Grupo Wagner de uma ferramenta coerciva para prejudicar a democracia e colocar os países sob a influência russa.
“O Grupo Wagner não é uma força de combate ao terrorismo. É uma ferramenta do governo da Rússia para tentar avançar os seus objectivos de política externa,” disse à revista Foreign Policy. “Eles estão lá para manter a junta no poder porque a junta serve os interesses de Moscovo de afastar a França e a UE [União Europeia].”
O Grupo Wagner possui milhares de mercenários destacados na República Centro-Africana (RCA), na Líbia, no Mali e no Sudão. Já operou no Madagáscar e também em Moçambique. Tenciona expandir para o Burkina Faso, que recentemente teve um golpe militar. E afirma-se que está interessa na volátil República Democrática do Congo.
A Rússia assinou um acordo militar com os Camarões, em Abril, para colaborar nos campos da política de defesa e segurança, treinamento das tropas, ensino militar, medicina e topografia.
As pegadas de Putin no continente continuam a expandir-se, à medida que mais países africanos experimentam golpes de Estado e tornam-se uma ditadura.
A Rússia vê muitas oportunidades para apoiar líderes autoritários e colocar em risco a ordem democrática, disse Siegle.
“A Rússia não pode competir muito bem nesta ordem,” disse à Al-Jazeera. “Se a democracia for tida como o mais alto modelo de governação aspiracional, então isso será um constrangimento para ela.”