EQUIPA DA ADF
Na sua padaria, em Cartum, Saeed Ahmed viu o preço de tudo, desde o trigo até a energia, a aumentar drasticamente.
“Mas o maior aumento foi no trigo,” disse Ahmed à al-Jazeera recentemente. “O trigo é importado, e o custo da importação aumentou.”
O custo do pão aumentou até cerca de 40% nestes últimos meses. Os elevados preços do pão no Sudão remontam há vários anos e causaram grandes protestos, mas os preços aumentaram ainda mais depois de a Rússia invadir a Ucrânia, em Fevereiro, interrompendo as importações de ambos os países.
De acordo com a plataforma Trading Economics, o Sudão importa aproximadamente 70 milhões de dólares anualmente em produtos provenientes da Ucrânia. Cerca de 84% dessas importações são constituídas por cereais, óleo e açúcar — todos eventualmente destinados a padarias como a de Ahmed. Os produtos importados da Rússia são ainda em maior quantidade: 1,8 bilhões de dólares anualmente, 84% dos quais são cereais.
Para além disso, a produção doméstica de cereais do Sudão sofreu uma queda de 35% no ano passado devido a padrões climáticos fora de comum, doença e pestes, bem como ao aumento nos custos de produção, de acordo com um relatório especial da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Somente o trigo baixou 13% para 600.000 toneladas métricas.
“Antes da crise da Ucrânia, já estávamos a ver um aumento da malnutrição no país, essencialmente por causa da insegurança alimentar,” disse Arshad Malik, da Save The Children.
Como resultado dos conflitos relacionados com golpes, a crise económica e as fracas colheitas, o número de residentes sudaneses em risco de insuficiência alimentar pode aumentar de 9,5 milhões agora para 18 milhões no final deste ano, de acordo com Volker Perthes, o enviado especial da ONU para o Sudão.
A actual crise do Sudão começou em Outubro quando o General Mohammed Fattah al-Burhan, então presidente do Conselho de Soberania transicional daquele país, orquestrou um golpe de Estado e prendeu o Primeiro-Ministro, Abdalla Hamdok, juntamente com outros membros do conselho civil, semanas antes de chegar o tempo em que os civis deviam assumir o controlo do governo.
O golpe de al-Burhan fez com que o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e outros grupos de doadores suspendessem a ajuda ao Sudão. Uma segunda desvalorização da moeda, que veio depois daquela de Fevereiro de 2021, reduziu mais ainda o poder de compra da libra sudanesa e aumentou os custos. Os preços de combustível, por exemplo, subiram 85% entre Outubro de 2021 e Março de 2022.
A ONU apelou que al-Burhan devolvesse o Sudão ao governo civil para evitar catástrofes de segurança e económicas. Ao invés disso, al-Burhan reprimiu violentamente os protestos contra o golpe, com forças de segurança matando dezenas de pessoas e ferindo milhares, de acordo com a ONU.
Há poucas semanas, estes protestos começaram a mudar, deixando de ser políticos, na sua natureza, para serem económicos — um lembrete que o aumento crescente do custo de pão contribuiu para a queda do governante de longa data, Omar al-Bashir, em 2019.
Perthes disse que a ONU, a União Africana e o bloco da África Oriental, conhecido como Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento, estão preparados para ajudar o Sudão a conquistar o seu espaço, na caminhada em direcção ao governo democrático. Ele disse que os actores de dentro e de fora do país devem agir com urgência para salvá-lo.
“O tempo não está a favor do Sudão,” Perthes, director da Missão Integrada das Nações Unidas para a Transição no Sudão, recentemente disse ao Conselho de Segurança da ONU.
Complicando ainda mais a situação, al-Burhan e o seu tenente-chefe, Mohammed Hamdan Dagalo, conhecido como “Hemedti”, parecem estar a competir pelo poder e influências internacionais. Hemedti visitou a Rússia para demonstrar o seu apoio à invasão à Ucrânia. Hemedti possui relações com os famosos mercenários russos, conhecidos como Grupo Wagner. Antes do golpe, a Rússia estava a negociar com o Sudão para ter a permissão de desenvolver uma base naval em Port Sudan.
Al-Burhan viajou para os Emirados Árabes Unidos (EAU) para solicitar ajuda económica e fortalecer a sua posição, de acordo com observadores como Mohammed Suleiman, um investigador do Instituto do Oriente Médio.
“A visita do General Burhan aos EAU pode ser vista através de lentes políticas e económicas,” disse Suleiman ao Al-Monitor.
Os EAU apelaram para a restauração do governo civil no Sudão.
Enquanto al-Burhan e Hemedti lutam pelo poder, o país continua instável e o seu povo sente a dor. O residente de Cartum, Farah Gadallah, disse à Al-Jazeera que ele já não tem condições de passar três refeições por dia. Apenas matabicha e almoça.
“A ideia de refeições adicionais é algo que já deixámos,” disse.
Kholood Khair, gestor do grupo de reflexão da Insight Strategy Partnership de Cartum, disse à Al-Jazeera que não está claro se al-Burhan e Hemedti podem cooperar muito bem para resolver a actual crise alimentar.
“A incapacidade de Burhan e Hemedti de gerir a crise da fome será um grande desafio,” disse Khair. “A Rússia não será capaz de apenas dar-lhes trigo.”