EQUIPA DA ADF
Um surto de COVID-19 entre felinos de grande porte num jardim zoológico da África do Sul levanta preocupações de que um vírus pode continuar activo em animais, mesmo depois de estar sob controlo nos seres humanos, de acordo com os investigadores da Universidade de Pretória.
“Na essência, a preocupação é de que, caso fique estabelecido naquele ponto, podemos acabar com novas variantes de que não temos conhecimento. E isso vem como uma surpresa,” Professora Marietjie Venter, uma especialista em matérias de vírus de natureza respiratória na Universidade de Pretória, disse à National Public Radio.
Num documento publicado em Janeiro, na revista científica MDPI, Venter e uma equipa de investigadores comunicaram sobre a descoberta de infecções de COVID-19 em três leões e uma puma num jardim zoológico privado em Joanesburgo.
Testes feitos em animais e seus cuidadores concluíram que os felinos e seu cuidador principal partilhavam a mesma estirpe da variante Delta da COVID-19. Os investigadores determinaram que os cuidadores tinham transmitido o vírus aos felinos quando cuidavam deles.
Vários outros trabalhadores do jardim também tinham infecções activas ou recentes de COVID-19, mas nenhum deles apresentava sintomas, disseram os investigadores. Portadores assintomáticos foram a fonte de propagação do vírus durante a pandemia.
Desde o início da pandemia, a Organização Mundial de Saúde Animal registou 645 casos de transmissão de COVID-19 de humanos para animais entre 15 espécies de animais, uma condição chamada de zoonose inversa. Zoonose é a transmissão de doenças de animais para os seres humanos.
Esses casos envolveram animais de estimação, como cães, gatos e hamsters; animais de criação, como martas; e animais criados em cativeiro, como macacos e felinos de grande porte em Joanesburgo. Na Europa, o vírus apareceu em dois hipopótamos num jardim zoológico na Bélgica. Na América do Norte, a COVID-19 apareceu numa população de veado-de-cauda-branca.
“A zoonose inversa é um risco mais para os animais neste estágio, mas as infecções em animais selvagens devem ser evitadas, uma vez que é muito mais difícil controlar,” disse Venter à ADF num e-mail.
Numa experiência de laboratório, poucos animais, incluindo porcos e pássaros, demonstraram ser imunes ao vírus.
África do Sul é o único país de África a registar casos de zoonose inversa. Venter disse que não se sabe se algum outro país africano esteja a fazer o acompanhamento deste tipo de transmissão. Jardins zoológicos da Espanha, Índia e Estados Unidos também registaram transmissão de COVID-19 de humanos para leões.
No jardim zoológico de Joanesburgo, os felinos de grande porte levaram sete semanas para ficarem sem o vírus no seu organismo. Um leão desenvolveu pneumonia e recebeu tratamento à base de dexametasona, o mesmo esteróide que é utilizado para tratar seres humanos com infecções graves que não colocam a vida em risco. Os outros felinos tiveram sintomas ligeiros.
Os leões tiveram exactamente a mesma estirpe da variante Delta que os seus cuidadores infectados, demonstrando que o vírus não sofreu mutações depois de infectar os felinos, concluíram os investigadores.
Contudo, permanece o risco de que a COVID-19 passe de pessoas para animais, o que resultar em novas mutações resistentes aos tratamentos, de acordo com Venter.
“A circulação de COVID-19 na vida selvagem como em veado-de-cauda-branca é preocupante, uma vez que esta espécie pode seleccionar variantes diferentes para as quais a população humana eventualmente não tenha imunidade,” disse Venter à ADF.
Os animais infectados também representam um risco para outros animais que se encontram no mesmo ambiente, criando mais oportunidades para a transmissão e mutação, afirmam os investigadores. Eles recomendam que as pessoas tomem precauções quando estiverem perto de animais da mesma forma que o fazem com as pessoas: Usar máscaras, lavar as mãos e evitar o contacto próximo em espaços fechados.
A transmissão de COVID-19 de seres humanos para animais levanta vários questionamentos importantes, afirmam Venter e sua equipa. Um é o questionamento sobre com que gravidade o vírus afecta espécies diferentes. Os leões ficam doentes, mas os veados não demonstram quaisquer efeitos, por exemplo.
Uma outra pergunta é o grau em que o animal pode tornar-se um hospedeiro do vírus a longo prazo, criando uma fonte contínua de infecções, mesmo depois de a pandemia ter terminado.
O maior questionamento agora é sobre como a biologia animal e as condições do meio ambiente podem dar lugar ao surgimento de novas variantes do vírus que posteriormente volta para os seres humanos. Em alguns casos, a evolução pode produzir estirpes virais imunes aos actuais conjuntos de tratamentos, devolvendo o mundo aos primeiros dias da pandemia.
“Enquanto a pandemia vai cessando, a vigilância contínua de populações de animais selvagens será de vital importância para garantir que a pandemia não mude para outra esfera da vida,” Venter e sua equipa escreveram no The Conversation.