EQUIPA DA ADF
Joseph Fofana, um pescador serra-leonino, de 36 anos de idade, recorda-se da altura em que ele podia ver peixes grandes cruzando as águas a partir da doca, em Tombo, uma aldeia costeira de pescadores.
Aqueles dias há muito se foram. De acordo com Fofana e outros pescadores entrevistados pelo jornal The Guardian, um declínio acentuado na quantidade de peixe deixou as redes dos pescadores locais tão vazias quanto as suas barrigas e carteiras.
Fofana ganha cerca de 50.000 leones (menos de 4,50 dólares) para trabalhar durante 14 horas por dia no mar.
“Este é o único trabalho que podemos fazer,” disse Fofana ao The Guardian. “Não é minha escolha. Deus me trouxe aqui. Mas estamos a sofrer.”
Muitos pescadores de Tombo culpam as embarcações da frota de pesca em águas longínquas (PAL) da China envolvidas na pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) na região. A China possui a maior frota de PAL do mundo e é o pior infractor de pesca INN do mundo, de acordo com o Índice de Pesca INN. As frotas chinesas tiveram como alvo a Serra Leoa e outros países da África Ocidental durante décadas.
Os resultados foram devastadores para as aproximadamente 500.000 pessoas que trabalham na pesca de pequena escala da Serra Leoa. As pescas representam 12% da economia e fornecem 80% do consumo de proteína da população, de acordo com as Estatísticas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura.
Em 2018, o presidente da Serra Leoa, Julius Maada Bio, disse que a pesca INN lesa ao país em 50 milhões de dólares por ano.
“As frotas chinesas têm estado a retirar o lucro das pescas por 30 anos e o impacto para as unidades populacionais de peixe tem sido terrível,” Stephen Akester, conselheiro do Ministério das Pescas e Recursos Marinhos da Serra Leoa entre 2009 e 2021, disse ao The Guardian. “Os recursos estão a desaparecer, os pescadores estão a sofrer, as famílias está a passar fome. Muitas delas têm apenas uma refeição por dia.”
O declínio das unidades populacionais de peixe fez com que o preço do peixe subisse, de acordo com uma reportagem do canal serra-leonino de notícias, SLBC TV.
Mariatu Koroma, uma cliente regular do mercado de peixe de Tombo, descreveu o aumento de preços como sendo “chocante.”
“Eu venho comprar peixe e outras coisas, mas o preço do peixe faz com que seja difícil adquirir os itens remanescentes,” disse Koroma à estação, acrescentando que ela tem “muitas bocas para alimentar.”
Isatu Mansaray, uma outra cliente do mercado, concordou.
“Depois de comprar o peixe, sobra pouco ou nenhum dinheiro para eu poder comprar outros itens,” Mansaray disse à SLBC TV. “Devido à escassez de peixe, os preços dispararam.”
A falta de peixe também obriga os operadores de barcos de pesca a irem para mais distante no mar, fazendo com que gastem mais combustível, de acordo com o pescador Phillip Saffa.
“Sendo assim, temos de vender a preços altos para podermos ter um pouco de lucro,” disse Saffa à estação, acrescentando que os arrastões estrangeiros utilizam equipamento destrutivo quando vão à busca do peixe. “Os seus próprios maus hábitos destruíram o nosso peixe.”
Para além de pescarem em zonas proibidas, as embarcações chinesas são famosas por danificar o equipamento de pescadores de pequena escala e agir de forma agressiva no mar. Pescador de carapau, Alusine Kargbo, de 34 anos de idade, disse que tripulantes chineses lançaram água quente sobre ele quando os confrontou sobre estarem a pescar ilegalmente.
“Anteriormente, os arrastões não estavam nas nossas zonas, agora estão,” Kargbo disse ao The Guardian. “A diferença é tão grande [em termos de capturas] quando comparado ao que fazia anteriormente, pelo que tenho dificuldades de alimentar os meus filhos.”
Apesar de Bio ter feito um compromisso de acabar com a pesca INN, os arrastões chineses detêm cerca de 40% das licenças de pesca industrial daquele país, de acordo com os dados do Ministério das Pescas da Serra Leoa. Os residentes locais afirmam que as taxas para aquisição de licenças pouco fazem para ajudar a economia.
Abbas Kamara, do Ministério das Pescas de Tombo, reconheceu ter recebido “muitas reclamações” sobre a pesca INN.
“Mas é difícil confirmar,” disse Kamara ao The Guardian. “Os arrastões trabalham dia e noite. O peixe é muito importante para Tombo, é assim que as pessoas sobrevivem, mas todo o peixe vai para os chineses.”
Em Junho passado, o plano da Serra Leoa de construir um porto de pesca industrial, avaliado em 55 milhões de dólares num espaço de 100 hectares de praia e florestas protegidas, deixou os pescadores locais mais enfurecidos.
O projecto que tem o apoio da China, na praia de Black Johnson, inclui uma fábrica de processamento de peixe numa zona turística que se localiza 35 quilómetros a sul de Freetown, a capital. Faz fronteira com florestas tropicais virgens que albergam chipanzés e espécies de aves protegidas, assim como o Parque Nacional da Península da Zona Ocidental, onde espécies em vias de extinção, como antílopes e pangolins, vivem.
Uma lagoa próxima é um local de procriação para peixe e tartarugas e abre-se para um rio durante a época chuvosa, quando as águas de Whale Bay ficam cheias de sardinela, sardinhas, barracudas e garoupas. Os conservacionistas estão preocupados com o facto de que o porto de pesca industrial venha a danificar o ecossistema e ameaçar mais ainda a vida marinha.