EQUIPA DA ADF
Os conflitos entre as empresas de petróleo, gás e exploração mineira e as pessoas que vivem perto delas não são de hoje.
No Golfo da Guiné, pescadores artesanais seguem o peixe perto das plataformas de petróleo, colocando-se numa situação de risco. Na África Ocidental e Austral mineiros de pequena escala competem por jazigos com empresas multinacionais gigantes. As disputas, por vezes, terminam de maneira sangrenta. A nível mundial, os cidadãos expressam a sua raiva porque as grandes empresas invadem o seu território, poluem-no e têm lucro, enquanto eles recebem muito pouco em troca.
Para proteger as suas operações, a indústria extractiva contrata empresas de segurança privadas (ESPs). Estas empresas variam muito em termos de formação, profissionalismo e tendência para recorrer à violência contra civis. Embora sejam pagas para manter a paz, por vezes, fazem o contrário.
África assistiu a demasiados confrontos violentos entre as ESPs e os cidadãos. Um estudo da Universidade de Denver analisou 100 incidentes de conflito entre as ESPs e a população. Descobriu que 39 dessas situações ocorreram em África, o valor mais elevado em todos os continentes.
A Iniciativa de Princípios Voluntários (VPI, na sigla inglesa) foi concebida para lidar com estas situações. Criada em 2000 pelos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido, a VPI é uma iniciativa multilateral baseada na filiação, criada para garantir que as empresas contratem profissionais de segurança que respeitam os direitos humanos. Os membros incluem 10 países; mais de 30 das maiores empresas de petróleo, gás e exploração mineira a nível mundial e 14 organizações não-governamentais (ONGs).
Os membros que assinam a VPI aceitam seleccionar o pessoal de segurança, treiná-lo e trabalhar de acordo com directrizes rigorosas de profissionalismo para evitar situações de abuso.
“Para os nossos membros, o tipo de acidentes que eram muito comuns na década de 1990 desapareceram quase por completo,” afirmou Mora Johnson, chefe do secretariado dos Princípios Voluntários, à ADF. “Os nossos membros operam a um nível muito elevado de proficiência e de profissionalismo em termos de direitos humanos. É por esse motivo que existe um número reduzido de incidentes.”
AVALIAÇÃO DO RISCO
Quando uma empresa contrata uma VPI, deve fazer a avaliação do risco. Isso exige uma avaliação de todas as áreas onde os civis possam entrar em conflito com o pessoal da empresa. A avaliação deve ter em consideração os riscos para a população local, que podem incluir danos ambientais, perda de recursos, tráfego rodoviário e violência. A empresa deve ter também em consideração os riscos corridos pelo pessoal, que podem incluir protestos, roubo ou danos materiais.
A VPI constatou que este tipo de planeamento antecipado pode ajudar as empresas, uma vez que as obriga a reflectirem sobre a maneira como a sua presença irá afectar a comunidade.
“É essencial compreender o contexto do ambiente em que se trabalha,” disse, durante um webinar, Fidelix Datson, director da protecção de recursos, na Tullow Oil, uma empresa que opera no Gana. “Essa compreensão está relacionada com a compreensão da História, através da compreensão da comunidade, das culturas e subculturas.”
Depois da avaliação, a empresa implementa um plano para mitigar esses riscos. A mitigação do risco inclui fortes políticas de direitos humanos e procedimentos como regras de envolvimento, selecção e formação do pessoal de segurança privada, e a criação de protocolos de denúncias e investigação de alegações de abuso.
Sugere também à empresa para entrar em contacto com a comunidade, no sentido de auscultar as preocupações das pessoas.
“O objectivo é humanizar a comunidade para compreender melhor o que são,” explicou Datson. “Quando se tem este diálogo com a população, percebemos que estamos a tentar encontrar a mesma solução, mas a partir de perspectivas ligeiramente diferentes.”
PLANOS DE INTERACÇÃO COM A SEGURANÇA PÚBLICA
Como parte dos contratos, as empresas extractivas costumam trabalhar com as forças militares ou policiais do país anfitrião. A VPI exige que as empresas tenham um processo que garanta que essas forças de segurança pública respeitem directrizes rigorosas de direitos humanos e usem a violência apenas como último recurso. A iniciativa pede às empresas para avaliarem a compreensão e a aptidão destas forças e trabalharem com os governos anfitriões para introduzir melhorias sempre que necessário.
A VPI fornece cláusulas-tipo para acordos entre governos e empresas que dão prioridade aos direitos humanos. Também encoraja a criação de uma clara organização hierárquica.
Doug Brooks, director de operações do Fundo para a Paz, uma ONG que ajudou países a implementarem os princípios, afirmou, num webinar, que as empresas devem ter uma noção clara sobre a importância da segurança pública para poderem proteger os seus direitos. Isso, afirmou, exige a resposta a algumas questões fundamentais: “Qual é o treinamento da segurança pública? Quais são os antecedentes de direitos humanos dessas empresas? Quais são as regras de violência que seguem quando garantem segurança?”
É comum as empresas extractivas fornecerem equipamento, uniformes e mesmo salários à polícia ou aos soldados. Brooks afirmou que, devido a esta estreita relação, é importante que ambas as partes estejam informadas sobre o que é esperado. “As empresas estão a iludir-se quando afirmam que não têm qualquer controlo da segurança pública,” afirmou Brooks.
PLANO DE UTILIZAÇÃO DA SEGURANÇA PRIVADA
A VPI enfatiza a contratação de ESPs que sejam éticas, bem treinadas e que tenham uma postura que dê prioridade à defesa. É solicitado às empresas para contratarem, se possível, guardas da população local e garantirem que não haja alegações de abuso anteriores. A iniciativa exige também que as empresas investiguem todas as situações em que tenha havido violência e todas as alegações de abuso.
A iniciativa criou um curso de treinamento que aborda a questão dos direitos humanos e aspectos éticos, o recurso adequado à violência, bem como as funções e as responsabilidades do pessoal de segurança. Os membros da VPI contratam apenas ESPs que tenham sido certificadas pela Associação do Código Internacional de Conduta.
“Com base na minha experiência, actualmente existe uma certa tendência para profissionalizar o pessoal de segurança privada,” afirmou José Abad-Puelles, director de políticas da VPI. “No passado, verificámos que a falta de treino e de conhecimento tem sido um dos principais motivos de conflito e violência. Actualmente há uma tendência cada vez maior para torná-las profissionais, o que reduz estes confrontos.”
GANA MOSTRA O CAMINHO
Em 2014, o Gana foi o primeiro país africano a aderir à iniciativa. Com um sector mineiro robusto, devido à exploração de ouro e de petróleo recentemente descobertos, a indústria extractiva é uma parte muito importante da economia do Gana.
Em 2015, o antigo Ministro da Terra e Recursos Naturais, Nii Osah Mills, afirmou que o Gana pretende aderir à iniciativa porque havia um “consenso crescente a nível global de que a transparência e o respeito pelos direitos humanos são bons para os negócios.”
Três das maiores empresas da indústria extractiva do Gana, a Newmont Corp., a Tullow Oil e a AngloGold Ashanti, são também membros da VPI.
O Gana registou algum sucesso. Desenvolveu um Plano de Acção Nacional para implementar os princípios. Os líderes participaram em sete fóruns para debater problemas relacionados com segurança. Deram também treinamento a mais de 100 membros da comunidade, funcionários de governo local e representantes dos meios de comunicação de cinco regiões sobre como denunciar violações de direitos humanos.
O país está a criar uma base de conhecimentos para melhorar o desempenho. O Centro Internacional de Treinamento para Manutenção da Paz Kofi Annan e a Universidade de Minas e Tecnologia do Gana estão a fazer parcerias para criar um currículo para treinar forças de segurança públicas e privadas. O país está a realizar um estudo de base sobre direitos humanos e segurança na indústria extractiva.
Um outro feito notável ocorreu em 2018, quando os conselheiros sobre direitos humanos deram treinamento de destacamento antecipado a 425 soldados do Gana e agentes da polícia que faziam parte da Operação Vanguarda, uma iniciativa global para acabar com operações mineiras ilegais.
Apesar de o Gana continuar a ser o único país de África que tenha aderido à iniciativa, os líderes estão optimistas que não será o último. Existem grupos de trabalho em Moçambique, Nigéria e República Democrática do Congo.
“Seria muito positivo que outros governos africanos se tornassem membros formais da Iniciativa de Princípios Voluntários,” afiançou Johnson. “O mais importante é um compromisso eficaz para melhorar os direitos humanos no terreno, o que pode acontecer com ou sem a adesão formal do governo nacional.”