Equipa da ADF | Fotos da AFP/Getty Images
No início de 2018, durante a epidemia do Ébola da zona leste da República Democrática do Congo (RDC), os rastreadores de contactos utilizavam formulários em papel, que eram preenchidos diariamente para cada contacto feito. No final do dia, os rastreadores entregavam os documentos aos seus supervisores, que alertavam os médicos caso algum dos contactos apresentasse sinais de Ébola. O processo era lento, entediante e burocrático.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) observou que a documentação também chamava atenção desnecessária e indesejável para os rastreadores de contactos. Algumas vezes, eram expulsos.
Os rastreadores de contactos mais tarde substituíram os seus documentos por telemóveis. Passaram a recolher os dados de forma discreta e a transmitir a informação aos supervisores a partir do campo, utilizando um aplicativo chamado Go.Data. Os epidemiologistas podiam aceder aos dados quase que em tempo real e agir de forma rápida.
“Está particularmente virado para a recolha e a gestão de dados de casos e de contactos,” disse Armand Bejtullah, líder do projecto na OMS e um dos arquitectos chefes da ferramenta, comunicou a OMS na sua página da internet. “Isto permite que o software produza resultados, como formulários de acompanhamento dos contactos e visualizações dinâmicas das cadeias de transmissão.”
A Rede Global de Alerta e Resposta a Surtos comunica que agora o aplicativo Go.Data está a ser utilizado em todo o mundo para rastrear portadores de COVID-19.
A RDC possui uma experiência profunda de luta contra doenças. Antes da COVID-19 e do Ébola, a RDC resistiu a surtos da SIDA. Em termos gerais, acredita-se que HIV, o vírus que causa a SIDA, tenha tido a sua origem em Kinshasa, na RDC, por volta do ano 1920, quando passou dos chimpanzés para os seres humanos. Em 1976, o primeiro caso de Ébola foi descoberto, também na RDC.
A COVID-19 teve origem sob circunstâncias semelhantes às das outras doenças, mas na China e não em África.
Agora os pesquisadores acreditam que a resposta ao HIV e ao Ébola possa informar e ajudar a direccionar a resposta para a COVID-19.
“Como pesquisadores que possuem longos anos de experiência com a prevenção do HIV/SIDA, vacinas e terapias, alguns dos quais possuem experiência com o Ébola, acreditamos que é de suma importância que se crie a resposta à pandemia da COVID-19, com base em lições do surto da pandemia do HIV e do recente surto do Ébola,” escreveram os pesquisadores para o The New England Journal of Medicine, em Outubro de 2020.
Os pesquisadores afirmam que as epidemias da SIDA e do Ébola provaram que as intervenções devem ser baseadas em “ciência sólida.” A COVID-19, dizem, “apresenta uma oportunidade para o desenvolvimento inteligente do nosso conhecimento tão arduamente conseguido.”
PROCEDIMENTOS PARA NOVAS RESPOSTAS
A pandemia do Ébola da África Ocidental, de 2014 a 2016, obrigou os funcionários do sector de saúde a mudarem a forma como respondem a surtos de doenças e outras crises sanitárias. A OMS e outras organizações fizeram as seguintes recomendações para que estas lições sejam aplicadas a futuros surtos:
A pesquisa deve ser o centro das respostas de emergências de saúde. O Plano de Pesquisa e Desenvolvimento da OMS foi criado em 2016 para desencadear uma activação rápida de pesquisas e desenvolvimentos durante as pandemias. Os trabalhadores utilizaram o plano para produzir testes, vacinas e tratamentos eficazes de forma acelerada durante a resposta do Ébola, de 2018 a 2020, na RDC.
“Integrar pesquisas eticamente aceitáveis e rigorosas nas respostas de emergência garante que o mundo esteja mais bem preparado para o próximo surto,” comunicou a OMS.
Os testes laboratoriais rápidos podem ajudar ou prejudicar uma resposta a uma crise sanitária. Resultados mais rápidos implicam um acesso rápido a cuidados, o que aumenta as possibilidades de sobrevivência.
“Um diagnóstico rápido ajuda a prevenir a propagação da doença entre familiares, amigos e outros na rede social da pessoa confirmada como tendo Ébola,” comunicou a OMS. “Quanto mais rápido esses contactos forem identificados, mais rapidamente poderão ser vacinados e protegidos da doença.”
A comunidade deve estar envolvida na resposta. Uma abordagem uniformizada para o envolvimento público não funciona. Cada comunidade é única e requer activistas que estejam familiarizados, que sejam nativos e falem as línguas locais. Algumas vezes, quando as pessoas de fora tentam ajudar, encontram resistência e incredulidade. Em muitos casos, a ciência e o controlo da doença entram em colisão com os costumes locais.
Formar funcionários da saúde em matérias relacionadas com as características específicas da doença. Durante o surto do Ébola da RDC, a pesquisa demonstrou que 85% dos funcionários da saúde acreditavam que podiam evitar a infecção através de abster-se de apertos de mão ou de toques. Corrigir esses mitos foi uma parte de vital importância da resposta, especialmente para os profissionais de saúde.
Ajudar os sobreviventes. Durante a crise do Ébola da África Ocidental, os sobreviventes não estavam a receber a atenção do acompanhamento de que precisavam para possíveis desafios médicos, psicológicos e sociais. Eles precisavam de apoiar a minimizar os riscos de continuação da transmissão da doença.
Dependendo da doença, os funcionários do sector de saúde precisarão de estabelecer protocolos para o acompanhamento. Os sobreviventes do Ébola recebiam exames de acompanhamento durante seis meses e exames trimestrais durante um ano.
Os sobreviventes do Ébola, muitas vezes, têm problemas de visão, até mesmo cegueira permanente. Na África Ocidental, clínicas de oftalmologia foram criadas muito cedo para identificarem e tratarem as pessoas.
Criar um mecanismo de resposta de financiamento rápido. Os surtos de doença, muitas vezes, movem-se de forma mais rápida do que a possibilidade de alocar o dinheiro para a resposta. Como resultado dos surtos do Ébola, a OMS aprendeu a criar uma resposta rápida chamada Fundo de Contingência para Emergências, para que o dinheiro esteja imediatamente disponível para dar início a uma resposta.
O fundo é surpreendentemente versátil. A OMS utilizou o fundo para mais de 100 eventos, incluindo surtos de Ébola, ciclones em Moçambique e crise de refugiados de Rohingya, em Bangladesh.
Uma crise é uma oportunidade para construir pontes. As crises médicas requerem cientistas e funcionários de saúde para trabalharem intimamente ligados com o público. A epidemia da SIDA demonstrou que a colaboração entre os pesquisadores e o público era viável — e necessária.
“Os defensores da SIDA pressionaram cientistas a agir de forma mais rápida, para serem mais transparentes e comunicarem com maior clareza sobre a fundamentação e os métodos científicos,” reportou o The New England Journal of Medicine. “O resultado foi prazos mais curtos para a investigação científica, revisão regulamentar e implementação de intervenções eficazes.”
O Digital Muda Tudo
Equipa Da ADF
O surto do Ébola solidificou o valor de utilizar dados digitais e telemóveis como ferramentas médicas. Os programas de registos de saúde electrónicos móveis, por vezes, chamados mHealth, oferecem algo que os registos tradicionais não podem oferecer: rapidez e flexibilidade.
Na sua pesquisa sobre os surtos do Ébola, a Fundação Iniciativas de Saúde afirmou que o mHealth permite que os oficiais “disseminem rapidamente a mais recente informação aos funcionários do sector de saúde da linha da frente.” A fundação acrescentou que aumentar a velocidade da comunicação é “um benefício geral para qualquer grande resposta de saúde pública.”
Num estudo de 2015, o Brookings Institute observou que as unidades de tratamento do Ébola beneficiavam do uso de registos digitais em detrimento dos registos em papel, em parte porque os registos em papel não podem ser retirados da unidade de tratamento. Deborah Theobald, co-fundadora da Vecna Technologies, que criou a plataforma mHealth na Nigéria, indicou que, “se o paciente estiver em isolamento, a sua documentação também estará.”
O Brokings observou que, apesar dos benefícios do mHealth, as barreiras em alguns países irão impedir que se aproveite o impacto positivo e total destas tecnologias. Muitos países em vias de desenvolvimento não possuem infra-estruturas eléctricas necessárias para carregar os dispositivos móveis. E mesmo depois do Ébola, muitos países continuam a ter regulamentos de prestação de cuidados de saúde complexos.
“Muitas vezes, é necessário que haja uma situação de emergência como a crise do Ébola para que se façam alterações substanciais,” observou o instituto. “O sucesso a longo prazo apenas é possível se os líderes criarem um ambiente mais hospitaleiro para o mHealth.”
Experiência Significa Versatilidade
Equip da ADF
A Experiência na luta contra o Ébola provou ser tão valiosa que os “veteranos” do Ébola estão a ser enviados para focos de contaminação pela COVID-19 para aplicarem a sua experiência.
No início de 2020, Chiara Camassa, uma oficial administrativa do Programa Mundial de Alimentação (PMA) das Nações Unidas, foi enviada para o Haiti como a “pessoa de contacto” da agência em questões relacionadas com a COVID-19. A sua nomeação surge como resultado da experiência que ela teve com o Ébola na África Ocidental, em 2014.
Durante a crise do Ébola, Camassa trabalhou a partir do centro de resposta regional do PMA, em Acra, Gana, comunicaram as Nações Unidas. Ela teve de adaptar-se rapidamente e o seu papel foi expandido para muito mais além da distribuição de produtos alimentares. “Ela ficou responsável pelo envio de recursos de rastreamento, geralmente geradores, prefabricados, estruturas de saneamento e outro equipamento para os centros de tratamento, escritórios e infra-estruturas em todos os três países afectados: Guiné, Libéria e Serra Leoa,” comunicou a ONU.
Natasha Nadazdin, do PMA, disse que o número de mortes durante a crie do Ébola teria sido muito mais elevado se a agência não se aventurasse a sair da sua tradicional área de especialização.
“O pensamento inicial era que esta é uma crise médica e não podemos ultrapassar os limites e não devemos fazer coisas que a Organização Mundial de Saúde (OMS) não faria,” disse ela, conforme comunicou a ONU. “Mas quando ficamos cientes da potencial dimensão daquela crise, então, ficou claro que o PMA teria de envolver-se de uma forma muito mais séria por causa da nossa capacidade logística de poder fazer aquisições de forma rápida e organizar a cadeia de fornecimento.”
Num editorial de 2015, Margaret Chan, então directora da OMS, escreveu: “O surto do Ébola deu-nos muitas lições, entre as quais, que a resposta a surtos e emergências deve começar e terminar na base — o que significa que certas capacidades fundamentais devem ser postas em vigor antes de fazer-se o lançamento da resposta, incluindo liderança e coordenação, apoio técnico, logística, gestão de recursos humanos e comunicações.”
“Também nos mostrou que as organizações que trabalham para conter os surtos e emergências devem colaborar de perto,” acrescentou.