EQUIPA DA ADF
O vídeo filmado a bordo de um arrastão industrial chinês que pesca nas águas ganenses foi ilustrativo.
Obtidas pela Fundação para a Justiça Ambiental (EJF), as filmagens começaram com prantos ensurdecedores de um homem que não aparece nas câmaras. Um cabo do arrastão rebentou e feriu-o gravemente no pé. Enquanto a câmara aproximava, ele batia com as mãos na laje metálica em que estava deitado.
Não havia medicamento ou pessoal de saúde a bordo. Na altura em que o arrastão conseguiu regressar ao porto, o homem, um pescador ganês, estava morto.
Pescar é uma das profissões mais perigosas do mundo, mas os trabalhadores ganenses disseram à EJF que geralmente têm sido vítimas de abusos físicos, falta de água potável, salários baixos e longas horas de trabalho que, às vezes, se prolongam até 24 horas. Temendo represálias, os trabalhadores falaram em anonimato.
“Temos reclamado, mas não temos o poder de parar com isso,” disse um pescador à EJF. “Logo que se entra no barco, fica-se sob o controlo deles. [Quando reclamamos], eles nos expulsam a todos ao chegarmos ao porto. Às vezes, quando te expulsam, dizem às outras empresas para não te contratarem.”
No Gana, é ilegal que estrangeiros sejam proprietários de arrastões, mas os arrastões chineses utilizam empresas fictícias do Gana para pescar. De acordo com a EJF, cerca de 90% dos arrastões industriais que operam no Gana são financiados por empresas chinesas.
Um pescador ganês descreveu o tratamento cruel no mar.
“Toda a hora ficamos a puxar o peixe para o barco, o capitão bate naqueles que não são rápidos o suficiente,” disse um pescador à EJF. “Ele leva a sua bota, uma pedra ou qualquer outra coisa e bate em si com ela.”
Os membros chineses da tripulação dormem em cabines, mas os trabalhadores ganenses são deixados para dormir no convés — debaixo de lonas que oferecem pouca protecção contra os elementos. Eles sofrem de problemas de estômago causados pela ingestão de água do mar fervida e, muitas vezes, são acordados com chutes ou bofetadas quando tentam dormir.
“Às vezes, os nossos suprimentos [acabam] depois de 21 ou 22 dias no mar,” disse um pescador. “Às vezes, ficamos apenas com gari [mandioca]” para comer.
Os trabalhadores dizem que não possuem contratos de trabalho e são pagos um montante fixo, independentemente do tempo que ficam no mar ou da quantidade de peixe capturado.
“Eles fazem o que querem,” disse um outro pescador. “Eles sabem que não temos qualquer outro emprego, por isso, não há outra escolha senão trabalharmos para eles.”
Este tratamento é comum a bordo de arrastões chineses em toda a África Ocidental, disse Peter Hammarstedt, director de operações da Sea Shepherd Global, que trabalha com governos africanos para lutar contra a pesca INN. As piores condições que ele já viu foram a bordo de arrastões de pesca de propriedade chinesa ao largo da costa da Gâmbia, em 2019.
A embarcação era composta por pescadores da Serra Leoa que ficavam em alojamentos apertados e deploráveis entre a sala de máquinas e a casa do leme.
“No mesmo navio, cuidamos de um cidadão da Serra Leoa com uma infecção no pé, que tinha sido deixada sem tratamento por muito tempo, a ponto de o nosso médico-assistente acreditar que ele iria potencialmente perdê-lo se não fosse pela nossa visita de inspecção,” Hammarstedt disse à ADF num e-mail.
O pescador ganês disse à EJF que os arrastões chineses tipicamente utilizam um sistema ilegal de rede dupla para capturar peixe de tamanho menor como a sardinha e empregam uma prática proibida chamada saiko em que a captura é transferida de um arrastão para uma canoa grande, capaz de transportar 450 vezes mais peixe do que uma canoa de pesca artesanal.
As águas de Gana agora estão a ser esvaziadas.
Em Gomo Fetteh, uma comunidade de pesca no centro de Gana, pescadores artesanais disseram que, às vezes, passam dias sem capturar absolutamente nada.
“Vinte anos atrás, quando se falava sobre os pescadores de pequena escala, era uma indústria em expansão,” Nana Jojo Solomon, membro executivo do Conselho de Canoas do Gana, disse à EJF. “Nos últimos 10 a 15 anos, não tivemos nenhuma época excelente. Gradualmente, estamos a perder os nossos meios de subsistência. Com a chegada destas frotas industriais, entendemos que quase tudo já se foi.”